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A Lorcha “Macau”
A Lorcha “Macau”
Nascimento e... Renascimento
A lorcha “Macau” (UAM 202) foi abatida
ao efectivo dos navios da Armada
pelo Despacho nº 46/98 de 28 de Setembro
do Almirante CEMA.
Consideradas que, por parte da Marinha,
se esgotaram as razões que justificaram
a sua classificação como Unidade Auxiliar
da Marinha (UAM), foi julgado oportuno
a transferência do navio, a título gratuito,
para a Associação Portuguesa de Treino
de Vela (APORVELA), de acordo com
a intenção oportunamente expressa pelo
Governo de Macau.
A cerimónia de transferência efectuou-se A lorcha a navegar no mar de Macau.
em 1 de Outubro de 1998. tura menos necessários (dois motores principais, por exemplo
O primeiro oficial de marinha Comandante –que obrigaram a desrespeitar a proporção comprimento / boca,
da lorcha “Macau” relata-nos seguidamente tornando o navio mais bojudo que o original e diminuindo-lhe sig-
o historial do nascimento do navio, alguns nificativamente as qualidades vélicas). A terceira, de natureza po-
lítica, teve a ver com as reticências que o governo da Nação colo-
episódios marcantes e o testemunho que cou na viagem à África do Sul – numa altura em que o “apartheid”
o navio deixou no Extremo Oriente. ainda ditava leis naquele país. A quarta, e definitiva, foi a escassez
de calendário para a conclusão da construção em tempo de
Para o A Pan e o A Keong, cumprir o encontro com a “Bartolomeu Dias”.
marinheiros da lorcha “Macau” do primeiro ao último dia Com destino aos Serviços de Marinha de Macau, cheguei ao ter-
ritório em Maio de 1986 – altura em que pela primeira vez tomei
m linhas muito gerais - e um tanto simplistas - dir-se-ia que contacto com o projecto “lorcha”... e com um casco em construção
os Portugueses, chegados ao Extremo Oriente e postos pe- acelerada, num dos estaleiros tradicionais de ilha de Coloane- fase a
Erante embarcações substancialmente diferentes das suas, que se seguiu a conclusão da obra e o aprestamento nas nossas
terão concluído que os cascos ocidentais seriam melhores que os Oficinas Navais. A impossibilidade de cumprir o projecto original
cascos locais -mas que, em contrapartida, as velas locais (do tipo obrigou a repensar o destino da lorcha, tendo-se optado pela sua
junco) seriam mais práticas que as dos seus navios. utilização como navio de treino de mar e de representação do
Da simbiose do que de melhor havia em cada tipo de embar- Território e do País no estrangeiro.
cação terão nascido as lorchas- que foram as embarcações Nasceu assim a U. A. M. 202 “MACAU”.
emblemáticas da presença Portuguesa naquela parte do Mundo. Resolvidas estas questões de princípio... seguiram-se-lhe outras,
Ao longo dos tempos, as lorchas foram caçadoras de piratas, de cariz mais prático. Que guarnição? Que regime de vida a bordo?
navios de carga, receberam motores auxiliares... e desapareceram Que uniforme? Rancho ou não rancho? Que subsídio de embar-
no princípio deste século, vencidas pelo inexorável avanço do pro- que? Que horário diário? Que procedimentos administrativos?
gresso. Como princípio orientador básico, procurou-se adoptar a doutri-
Quando, em 1986, emigrantes portugueses da África do Sul pro- na seguida nos nossos navios, com as necessárias adaptações. Um
moveram a construção da caravela “Bartolomeu Dias”, com o exemplo: criou-se um Mapa de Abono... mensal, em impresso
objectivo de a perpetuar no seu país de acolhimento, nasceu em próprio – que “por acaso” não falava em sabão para lavar macas,
Macau a ideia de construir também um navio que, partindo de mas que funcionava perfeitamente.
Oriente, chegasse em simultâneo a Mosel Bay – após o que rumaria Para a lotação do navio considerou-se que dez seria um número
a Portugal, integrando-se no espólio do Museu de Marinha. razoável; 1 comandante (em acumulação com outras funções nos
Inevitavelmente a escolha recaiu numa lorcha. É oportuno recordar Serviços de Marinha), 1 mestre, 1 contramestre, 2 manobras, 2 con-
os mentores deste projecto: Capitão de Fragata António Martins dutores de máquinas, 1 “electrónico”, 1 cozinheiro e 1 copeiro (este
Soares, então Capitão dos Portos de Macau, e Dr. Carlos último com bastantes funções do “manobra” no dia a dia), lotação
Monjardino, na altura Secretário Adjunto do governo do território, esta a reforçar com viagens longas com mais um oficial e um sar-
na sequência de uma ideia dos então Comandantes Nobre de gento MQ. Para mestre e contramestre chamaram-se de Portugal
Carvalho e Pereira da Costa. um Sargento e um Cabo de Manobra – o 1º Sarg. M Lúcio e o Cabo
A primeira questão a surgir foi a falta de documentos escritos M Baptista. O restante pessoal foi recrutado localmente – o que
que pudessem orientar o Engº. Matias Cortes, Director das levantou o problema adicional... da linguagem. É que nem os “oci-
Oficinas Navais de Macau, na elaboração dos planos da futura lor- dentais” falavam cantonense, nem os “orientais” falavam por-
cha. A segunda foi o constrangimento do comprimento do navio, tuguês!
forçado pela pequena dimensão das carreiras de construção exis- A viagem inaugural da lorcha teve lugar (muito!) poucos dias
tentes em Macau, face a determinados requisitos aceites e porven- depois de ter sido dada como pronta pelas Oficinas Navais.
12 JANEIRO 99 • REVISTA DA ARMADA