Page 19 - Revista da Armada
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ERIC TABARLY
Um Marinheiro de excepção
Um Marinheiro de excepção
m 1938, Eric Tabarly, com sete anos indispensáveis para efectuar os
de idade, apaixonou-se por uma fabricos. Perante tal atitude o
Eembarcação de recreio que seus pais pai oferece-lhe a embarcação.
adquiriram. Construída no fim do século Eric obtém o brevet mas, tendo
passado, desenhada por um famoso arqui- possibilidades de entrar para a
tecto naval escocês, tinha sido crismada de Escola Naval, tenta, e é bem
Pen Duick, o nome de um pássaro que, em sucedido. Não é um aluno bri-
bretão, quer dizer abelharuco de cabeça lhante mas, no campo despor-
negra. tivo é o melhor. Leva o Pen
A família Tabarly pouco tempo se Duick para a Escola Naval,
aproveitou desta sua aquisição. A Segunda veleja sempre que pode. Entu-
Grande Guerra estala no ano seguinte e o siasma os seus companheiros
Pen Duick, vai ficar imobilizado durante na prática da vela.
anos o que, sabemos bem, não lhe dará O seu mérito é reconhecido
muita saúde. E só não foi desmantelado por ao ponto de o salvar de um
mero acaso. chumbo certo. Após a Escola
De facto, no local em que se encontrava Naval, embarca no Jeanne
fundeado, os ocupantes alemães, que d’Arc. Nas viagens de instrução
andavam à procura de chumbo, pergun- deste navio-escola, era tradição
taram a quem por ele velava, de que ma- pôr na água uma galera, meter-
terial era constituido o patilhão. A resposta -lhe dentro dez cadetes e fazê-
foi “julgo que é ferro”. E esta mentira provi- -la navegar, pelos seus próprios
dencial, salvou a vida daquela emblemática meios, para o próximo porto,
embarcação. quando o navio se encontrava
Terminada a Guerra, os Tabarly não ti- a 100 milhas de distância.
nham condições para efectuar as custosas A galera com os seus três
reparações que a embarcação necessitava, mastros e 10 metros de compri- Eric Tabarly – Capitão-de-mar-e-guerra da Marinha Francesa.
após tão longa imobilização. A partir de mento, estava dotada com uma (Fotografia da Marinha de Guerra Francesa).
1947, a família pensa vender o Pen Duick, agulha de marear, a carta da zona, um sex- das cartas que se mantém horizontal inde-
contra vontade de Eric que decide alistar-se tante, um cronómetro e as indispensáveis pendentemente da inclinação do barco. É
na aeronáutica para conseguir os fundos tábuas náuticas. Os jovens elementos da uma novidade. Aliás Tabarly também irá
guarnição tinham de desenrascar-se. Em ter, ao longo da sua vida um papel impor-
viagens anteriores, aconteceu, por vezes, tante na inovação das embarcações de com-
que a galera chegava ao porto quando a petição. Dispõe de leme automático. Para
Jeanne já estava prestes a largar e os cadetes poder fazer leme do interior é instalada
perdiam assim a oportunidade de uma uma cúpula em plexiglass, uma reminis-
agradável estadia em terra. Nesta viagem, a cência da Aviação Naval. Tem rádio, mas
primeira tripulação foi chefiada por para Eric é melhor não o ter. Consome
Tabarly. Resultado, a galera chegou ao muita energia e quando avaria cria inquie-
porto com poucas horas de atraso em rela- tações.
ção ao navio escola. Eric, nas suas memó- Entre os concorrentes desta Ostar encon-
rias, atribui o sucesso aos alisados que so- tram-se os cinco que participaram na edição
pravam na região. de 1960. Chichester é, portanto, um deles.
A realidade foi porém outra e resultou, No dia 23 de Maio é dado o tiro da largada.
certamente, da extraordinária sensibilidade Lá vão eles.
que Tabarly já evidenciava para a navega- Ao fim de três dias o leme automático
ção à vela. No regresso da viagem, Eric e o avaria. Não pode haver pior catástrofe para
seu Pen Duick não param. Participam em um solitário. Pensa desistir. Experimenta
muitas regatas. Mas em 1964 decide entrar amarrar o leme e para seu espanto o rumo
na Ostar, uma regata em solitário entre mantêm-se. “Jamais poderia supor que a
Plymouth e Newport, Rhode Island, nos arquitectura naval pudesse alcançar tão
EUA , organizada pelo jornal inglês Obser- maravilhosa descoberta”, reflecte Eric.
ver e cuja edição de 1960 tinha sido ganha Nesta situação não pode dormir mais do
pelo famoso Francis Chichester, que a Rai- que hora e meia de cada vez. Para o acordar
nha de Inglaterra tinha feito Sir. usa um grande despertador de cozinha cro-
Para esta regata a sua embarcação não é mado, que a humidade do mar enche de
adequada e assim surge o Pen Duick II. ferrugem.
O Pen Duick II é construído em contrapla- As coisas não correm bem. O fio do
cado, tem a armação em ketch, o que divide odómetro parte e o nosso Eric substituiu-o
Um artista açoreano prestou homenagem a Eric Tabarly,
gravando o seu retrato num “scramshow”. a superfície vélica e facilita a manobra por por um sobressalente, que também acaba
(Fotografia cedida pelo Café Sport). uma só pessoa. Foi-lhe colocada uma mesa por se perder. A navegação complica-se. O ✎
REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 99 17