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A MARINHA DE D. MANUEL (14)
Guerra ou Diplomacia, Gama
Guerra ou Diplomacia, Gama
ou Cabral, Cristo ou Santiago
ou Cabral, Cristo ou Santiago
arafraseando o que diz parativos devem ter come-
Luís Adão da Fonseca, çado muito tempo antes.
PVasco da Gama trazia Pedro Álvares Cabral saiu
da Índia para o reino uma com 13 navios, que não se
excelente notícia que se con- aprontam em meia dúzia de
substanciava no cumpri- meses. Podemos, pois, con-
mento da missão, mas trazia cluir que era uma intenção
uma má notícia: o comércio anterior à chegada de Vasco
de especiarias não podia ser da Gama. Porém, a decisão
feito de forma pacífica e sos- de nomear Cabral para a
segada, comprando, trocan- comandar foi tomada pouco
do e vendendo produtos. No tempo antes da partida, e
Oriente, os árabes tinham-se talvez seja esse o mais signi-
apercebido do perigo que ficativo sinal da hesitação do
representava aquela pre- rei, quanto às características
sença portuguesa e não tar- da empresa. Não seria lógico
daram a instigar o Samorim que o comando recaísse em
de Calecut contra estes intru- quem tinha experiência dos
sos que podiam dar-lhes tratos orientais? Treze navios
cabo do negócio. Outros representam um poder naval
insatisfeitos com a descober- apreciável para a época e
ta do caminho marítimo Cavaleiro da Ordem de Santiago de Espada. Cavaleiro da Ordem de Cristo. para as circunstâncias. O que
para a Índia eram certa- Insígnia dos finais do séc. XVII. Insígnia da segunda metade do sec. XVIII. teria feito Vasco da Gama,
mente os italianos e, sobretu- com essa força naval, em
- Museu Nacional de Arte Antiga -
do, os venezianos que com- frente de Calecut?... Pensan-
plementavam o comércio árabe, distribuin- tivemos ocasião de referir. Portanto a do nas humilhações que aí já tinha sofrido,
do a partir do Mediterrâneo os produtos decisão de continuar era a mais provável, parece-me natural que se inclinaria mais
orientais. Digamos pois que Portugal arran- mas os resultados da viagem de Vasco da para a guerra do que para a diplomacia.
jara alguns inimigos com a abertura da via Gama traziam algumas reservas quanto à Mas a opção do rei foi outra: depois de se
do Cabo da Boa Esperança e com a hipótese forma de entrar nos negócios da Índia. saber que a Rota do Cabo era possível e de
de colocar na Europa as especiarias e outras Havia pois que tomar opções. terem sido analisadas as notícias do que
riquezas asiáticas, a preços muito mais É de crer que duas posições se tenham ocorrera na Índia, D. Manuel decidiu enviar
baixos dos que vinham a ser praticados. A configurado: uma de pendão mais militar, uma esquadra numerosa, que, talvez,
estadia de Vasco da Gama na Índia, e a ani- que promovia uma entrada em força, para tivesse o objectivo de impressionar os
mosidade que aí se levantou, mostrava isso dominar os poderes locais, obrigá-los a uma poderes locais e mostrar a força do rei por-
mesmo, e os meses que se seguem a esta vassalagem ao rei de Portugal e controlar o tuguês, mas que ainda se destinava a nego-
triunfal chegada são meses de debate inten- comércio; e outra mais diplomática, que ciar e comprar especiarias. Ainda não esta-
so, para encontrar uma estratégia adequada privilegiava a vertente negocial, continuan- va tomada uma decisão clara pela via da
que impusesse a presença portuguesa no do a acreditar que era possível ir à Índia guerra no Oriente - que, seguramente, era
Oriente. comprar especiaria sem fazer a guerra. defendida por Vasco da Gama – e o ba-
Muita gente continua a pensar que a em- Nesta fase, não me parece possível que ou- lanceamento pela nomeação de um ou outro
presa no Oriente é uma loucura de ambição tras posições estivessem em jogo, porque as capitão é a expressão visível das alternativas
desmedida: o Norte de África, o Medi- informações continuavam a ser muito em jogo. As principais ordens militares por-
terrâneo e o Atlântico, são os espaços que escassas. Vasco da Gama saiu do Malabar tuguesas – sobretudo Santiago e Cristo –
interessam a Portugal, para os quais lhe sob ameaça de navios locais e tinha obser- alinham-se neste debate estratégico, desde o
escasseiam já as forças; e o Oriente é apenas vado a animosidade do Samorim, por isso, primeiro momento, e, muitas vezes, a esco-
um dispersar inútil de esforços. Mas o rei é provável que se sentisse mais inclinado lha de postos de comando teve a ver com a
estava decidido a levar a cabo essa empresa, para a guerra; mas essa guerra apresentava- influência de uma ou outra ordem junto do
para a qual tinha poderosos aliados finan- -se em Lisboa com contornos difusos e poder real. Neste caso, parece ser claro que a
ceiros e ideológicos: o negócio da especiaria incertos, parecendo um esforço desmesura- nomeação de Cabral corresponde a uma
era tentador e a empresa tinha o mesmo do para as capacidades do país. Certamente vitória da Ordem de Santiago, contra a no-
cunho de cruzada que animara os cavaleiros que aqueles que apontavam a via de África meação de Vasco da Gama que represen-
medievais e que servira de motor na guerra usavam este argumento a seu favor e pres- taria a posição da Ordem de Cristo.
em Marrocos. Para além disso, D. Manuel sionavam o rei.
sentia-se um predestinado para grandes Como sabemos, D. Manuel enviou nova J. Semedo de Matos
feitos, um escolhido por Deus - como já esquadra à Índia em Março de 1500, e os pre- CTEN FZ
22 MAIO 2001 • REVISTA DA ARMADA