Page 164 - Revista da Armada
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Fontes Para a História da
                          Fontes Para a História da


                   Arqueologia Naval Portuguesa
                   Arqueologia Naval Portuguesa


                 1. Os códices de D. António de Ataíde




         No valioso conjunto de docu-         D. António foi uma das mais impor-  dade. Dois factos tornam esta armada
         mentos relativos a assuntos        tantes figuras da História Naval e  muito particular: por um lado, o capitão-
                                                                               -mor desentendeu-se com o piloto-mor,
                                            Marítima portuguesa dos finais do século
         marítimos reunidos por D.          XVI e inícios do século XVII, além de ter  Simão Castanho Pais (um dos mais con-
         António de Ataíde, uma das         ocupado cargos políticos de grande rele-  ceituados no ofício, ao tempo), e não só
         mais notáveis figuras da           vo. Nascido em 1567, segundo filho do  pilotou a capitânea no regresso como
                                            segundo conde da Castanheira, veio a
                                                                               escreveu ele próprio o diário da viagem;
         Marinha portuguesa nos             herdar o título do seu sobrinho D. João de  por outro, o monarca confiou-lhe a aprecia-
         finais do século XVI e inícios     Ataíde, quarto titular da Casa, e era neto  ção do regimento dado aos capitães-mor,
         do século XVII, merecem            do primeiro conde, o poderoso vedor da  para o anotar em função da sua experiên-
                                            Fazenda de D. João III. Iniciou a sua vida
                                                                               cia de navegação para a Índia com vista a
         especial destaque os códices       pública muito jovem, embarcando em  uma reformulação do texto padrão. Bem
         pertencentes à Universidade        1582 na armada enviada aos Açores para  ao contrário do que era a norma, é bem
                                            combater os partidários do Prior do Crato.
                                                                               possível que D. António tenha sido esco-
         de Harvard, finalmente             Nos anos seguintes andou em várias  lhido para este comando por causa dos
         acessíveis aos investigadores      armadas da costa, e nesses embarques,  seus conhecimentos de náutica.
                                                                                 Depois do regresso a Lisboa é provido
         portugueses por via da cópia       tanto quanto se pode presumir, veio a  no posto de coronel de infantaria, e em
                                            ganhar a experiência e conhecimentos
         existente na Biblioteca            práticos de navegação de que deu boas  1618 no de general da armada de
         Central de Marinha.                provas mais tarde.                 Portugal, comandando a armada da costa,
                                                                               que aguardava os navios que se aproxi-
                                                                               mavam do litoral para os proteger dos
             ara o meio século que cobre generi-                               ataques de piratas e corsários. É nesta
             camente o último quartel do século                                qualidade que procede à criação do
         P XVI e o primeiro do século XVII, dis-                               primeiro corpo de infantaria de marinha,
         pomos de uma colecção de documentos                                   o Terço da Armada Real (1), precursor
         técnicos de arquitectura naval que con-                               dos corpos destinados ao embarque de
         trasta com a quase total ausência de infor-                           tropas de combate em navios de guerra.
         mações similares para o período anterior.                               Em 1622 teve lugar um episódio que
         A partir deste núcleo é possível conhecer                             ficou nos anais da Carreira da Índia como
         com maior rigor as características e mor-                             uma das suas mais infaustas perdas. Ao
         fologias dos diversos tipos de embar-                                 chegar à Terceira, o capitão da nau
         cações que serviram nas navegações por-                               “Nossa Senhora da Conceição” recebeu
         tuguesas, tanto das de grande porte como                              instruções para navegar em direcção à
         das auxiliares. Nele pontificam natural-                              costa portuguesa pelos 39,5° de latitude,
         mente os tratados de Fernando Oliveira,                               o que de facto fez, mas, ao invés da
         João Baptista Lavanha e Manuel                                        armada da costa que o deveria esperar,
         Fernandes, mas existe também um                                       deparou com dezassete vasos argelinos
         número significativo de documentos de                                 ao largo de Peniche. Seguiu-se uma rija
         outra índole.                                                         peleja que durou dois dias, e a nau
           Bibliotecas e arquivos nacionais e                                  perdeu-se depois da explosão que se
         estrangeiros guardam um número apre-                                  seguiu a um incêndio, eventualmente
         ciável de códices com documentos que                                  posto pela própria tripulação, já sem
         dizem directamente respeito a esta                                    hipóteses de continuar a defesa do navio.
         matéria, ou com ela estão relacionados.                               João Carvalho Mascarenhas, que seguia a
         Por via de norma é porém impossível                                   bordo e foi levado para o cativeiro em
         averiguar de onde provêem, quem                                       Argel, escreveu um relato pormenorizado
         escreveu o quê e em que data, ou com                                  do que se passou (2), mais tarde incluído
         que finalidade. Noutros casos, poucos                                 no pseudo terceiro volume da História
         embora, há respostas para pelo menos                                  Trágico-Marítima (3). D. António foi ime-
         parte destas questões. Assim sucede com  Filipe II de Espanha (I de Portugal), já idoso.   diatamente considerado responsável pela
         a colecção de códices que foi outrora  Quadro de Juan Pantoja de la Cruz. El Escorial.  perda da nau, dado que a sua armada não
         pertença de D. António de Ataíde, parte                               a protegeu. Alegou em sua defesa que
         de uma importante biblioteca privada  Em 1611 D. António capitaneou a  não o pudera fazer por não ter sido avisa-
         onde os assuntos do mar tinham lugar de  armada da Índia, tendo sido um dos  do do que se passava e por estar com os
         relevo, segundo se pode deduzir pelo que  poucos capitães-mor que não só sabia  navios imobilizados por falta de vento
         remanesce.                         navegar com praticou a arte nessa quali-  (explicação que contém em si uma con-

         18 MAIO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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