Page 249 - Revista da Armada
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a direcção do vento. Terminei, logo ali, a  do a tempestade e o enjoo. Fiquei pro-  Pareceu-me então e mais ainda hoje, que
         reportagem...                      gressivamente mais tonto, até que avan-  o Ti`Alegre personifica, de uma forma
                                            cei, corajosamente, para a sandes de  extraordinariamente bela, a capacidade
           Ninguém comia de verdade, umas   atum. Soube-me bem o atum e ainda me-  de resistir à adversidade – sob todas as
         sandes aqui e ali, um sumo, nada mais. Só  lhor o cheiro do pão. Bebi mais um copo  formas. Esta qualidade, acredito eu, não
         um homem se manteve firme e bem    e outro. Sentia-me leve...Às tantas, já não  se aprende facilmente. Não parece ensi-
         humorado. Era o Cabo cozinheiro, co-  percebia se era enjoo ou tontura, só sei  nar-se na Universidade, nem se adquire só
         nhecido a bordo como o Ti`Alegre. Um  que me apeteceu repousar, desci à  pelo fervor religioso. É antes e muito mais,
         homem calvo, obeso, de abdómen proe-  Enfermaria, que era logo ali. Deitei-me no  o resultado de uma vida cheia de trabalho
         minente, uma face rosada e divertida de  beliche e por lá fiquei. Nesse dia já não  e de tempestades, como é a vida de
         Zé Povinho. Já Cabo antigo, sempre –  sofri mais, nem as saudades nem o enjoo  muitos Cabos antigos de Marinha, que fui
         fazendo fé na alcunha – muito bem dis-  me apoquentaram...            conhecendo. Vem, acredito do coração,
         posto e com um particular gosto pela                                  de uma força interior que obriga a resistir,
         pinga. Era um excelente cozinheiro, brin-  Nos dias seguintes, eu e outros, volta-  a lutar até ao fim, com alegria...
         dando todos a bordo, de forma regular,  mos às sandes e, sobretudo, procurámos a
         com os frutos do seu trabalho, sendo um  força que emanava de tal ser, que sorria  Esta qualidade, intrínseca, reconhecerá
         magnífico técnico no seu mister...  do enjoo e troçava do desconforto. A tem-  o leitor, está presente em muitos dos que
           Apesar do balanço, O Ti`Alegre man-  pestade ficou menos ameaçadora e o  conhecemos – principalmente entre os
         tinha-se imperturbável na sua cozinha,  tempo passou mais depressa...O iate,  mais simples. Tal riqueza, assim fui co-
         assobiando sempre a mesma cantiga (“as  fomos informados, tinha chegado pelos  nhecendo, está bem distribuída pelas
         pombinhas da cat`rina”), cozinhando  seus próprios meios a bom porto.  guarnições dos navios da Armada. Se
         repastos que poucos iriam consumir.   Regressámos à cidade da Horta.   assim não fora, como se tolerariam a
           Ora, na manhã do segundo dia em que  Desde então, percebi que tão reputado  saudade, a distância e as palavras de
         navegávamos, naquele inferno, estava eu  cozinheiro tinha dotes especiais, muito  alguns críticos, que nunca sentiram o ba-
         já com uma cor entre o verde e o azul,  para além da mestria culinária. Tal como  lanço e para quem o horizonte é pouco
         quando alguém me chamou:           fizera comigo, tinha sempre uma palavra  maior do que a própria sala de estar...
           - Doutor, Doutor, tenho aqui um petis-  amiga, para quem com ele se cruzava.  Esses homens, anónimos, são, cada um
         co para si! – era o Ti`Alegre com um sor-  Misturavam-se à uma as chalaças bem  à sua maneira, heróis e maestros activos,
         riso malandro.                     humoradas, com as perguntas sobre a  nesta sinfonia, muitas vezes pouco harmo-
           - Ó Sr. Cabo, olhe que eu já não tenho  filha de um, ou a mãe de outro... Tudo lhe  niosa, a que chamamos viver...
         estômago, quando mais pensar em petisco  saía assim, de uma forma simples e genuí-
         – respondi eu, meio a sério, meio a brin-  na. Como se a menor conversa tivesse  Nos dias em que, no mais íntimo do ser,
         car.                               importância e a alegria fosse toda pode-  a vida me parece pesada e triste, neste
           - É que o Doutor não provou deste  rosa.                            enxame de abelhas a que chamamos
         medicamento que eu aqui tenho!       Evidenciava uma leveza no ser, que lhe  grande cidade, recordo o Ti`Alegre e a sua
           - curioso, reparei que o Ti`Alegre tinha  permitia, quase no mesmo tom, saudar o  alegria. Com ele se aprende o verdadeiro
         umas sandes de atum com bom aspecto e  comandante e picar o grumete rancheiro,  valor de um sorriso...Se por ele passarem
         apontava, trocista, para uma garrafa,  com pouca vontade para tratar da louça...    estas linhas dirá certamente:
         poeirenta, de vinho tinto.           Nesse Natal, organizou uma festarola  - Olhó malandro, foi escarrapachar isto
           -Ó Doutor prove lá do xarope! - insistiu  no refeitório. Fez de Pai Natal e até dis-  na Revista!
         o Ti` Alegre a sorrir – ia declinar definiti-  tribuiu prendas...minguando a saudade  E o tinto?- perguntarão alguns a esta
         vamente a oferta, quando tão inovador  que nos ia no coração. Também tive pren-  altura.
         clínico me fez cheirar o aroma do tinto –  da:                          Desse também me vou lembrando.
         o cheiro faz parte do tratamento – conti-  - Tome lá Doutor, não vá faltar-lhe o  Parece, afinal, que o Ti`Alegre também
         nuava ele, com sincera alegria.    remédio pró enjoo! – Era mais uma gar-  aqui estava certo, é que o tinto faz
           O aroma era verdadeiramente divinal.  rafinha daquele tinto poeirento...  bem...aos doentes do coração...
         O sabor amaciou o esófago e passado
         algum tempo senti um calor e uma tontu-  Durante muito tempo meditei sobre o
         ra, que me fizeram sentir bem, esquecen-  Ti`Alegre e sobre o que ele representa.                  Doc.

                                                  CONVÍVIOS



                                     NÚCLEO DE FUZILEIROS DOS TEMPLÁRIOS

           No passado dia 29 de Abril realizou-se na Quinta da  Direcção, CMG Almeida Viegas,
         Gracinda Mateus, o 5º almoço “Convívio do Núcleo de  fornecido informações sobre esta
         Fuzileiros dos Templários”. Habitual reunião anual, que con-  Associação que se encontra em fran-
         grega antigos fuzileiros que fizeram parte das unidades que  co desenvolvimento.
         participaram na Guerra do Ultramar e os actuais que têm  Prova da vitalidade do Núcleo foi
         cumprido missões humanitárias na Europa, na África e na  a significativa presença de jovens
         Oceania, juntou este ano cerca de três centenas de militares  fuzileiros, a exemplo do que sucede
         tendo contado com a presença do Comandante do Corpo de  em outros grupos de marinheiros
         Fuzileiros, CMG Cunha Brazão e de oficiais do seu Estado-  disseminados por todo o País, facto
         -Maior.                                              que assegurará a continuidade
           De salientar que foram anunciados os corpos gerentes do  destes movimentos que têm consti-
         Núcleo o qual passará a fazer parte da Associação de  tuído um excelente meio de difusão
         Fuzileiros, tendo, na ocasião, o respectivo Presidente da  da Marinha.
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • JULHO 2001  31
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