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PONTO AO MEIO-DIA





                    O Mar e o Poder Naval




            na Estratégia de Defesa Nacional





                género de vida português é  e as responsabilidades nacionais, liza as reformas de fundo que urgem
                essencialmente marítimo. O  dotada de meios modernos, com tec- há mais de uma década.
          Opaís liga-se por mar com os      nologias de última geração e com    Os resultados estão à vista. As
          seus principais parceiros; as activi-  guarnições adequadamente formadas Forças Armadas portuguesas agoni-
          dades económicas de natureza maríti-  e treinadas. Cumprindo estes requisi- zam por um processo semelhante ao
          ma são um factor relevante do pro-  tos, a Marinha será capaz de dissuadir verificado várias vezes no século XX,
          gresso e bem-estar nacionais; as  eventuais agressões, de contribuir e que se caracteriza pela desmoti-
          comunicações marítimas têm uma    para a solução pacífica de conflitos e vação do pessoal, pelo redirecciona-
          considerável influência na economia  de colaborar em missões de utilidade mento das capacidades individuais
          nacional; e os compromissos políticos  pública a cargo do Estado.    para actividades privadas e pelo
          externos de Portugal possuem um     Porém, na última década, a mediati- envolvimento dos militares em assun-
          fundamento marítimo secular. Com  zação das operações de paz terrestres tos políticos e académicos.
          esta afirmação não se pretende limitar  fascinou alguns publicistas, que se  Manter por mais tempo a actual
          o interesse nacional resultante dos  apressaram a elaborar concepções situação é uma aventura de risco,
          desejos, das necessidades, das possi-  estratégicas de defesa nacional, que porque o país perderá capacidade
          bilidades e da cultura do povo por-  cingem as tarefas da Marinha ao para se defender e para participar
          tuguês, a aspectos de natureza exclu-  apoio logístico. Porque revelam equitativamente nos esforços colec-
          sivamente marítima. Deseja-se apenas  grande incompreensão relativamente tivos de defesa. Consequentemente,
          realçar que os interesses marítimos  ao papel das forças navais na defesa deixará de ter voz nas organizações
          devem ser considerados como fac-  dos interesses nacionais, tais con- internacionais. Quando surgir um
          tores relevantes na condução de   cepções estratégicas são estéreis e conflito súbito, ao qual Portugal não
          assuntos de natureza política,    indiciadoras do pouco entendimento possa permanecer neutral ou partici-
          económica, social e militar, de forma a  dos seus autores e defensores, quer par com forças simbólicas, terá de
          que o mar surja com o valor que sem-  sobre a natureza dos conflitos e a hipotecar a soberania e independência
          pre teve na vida nacional.        importância da coerência e equilíbrio nacionais, como aconteceu por todo o
            Acolisão de interesses entre Estados  entre as forças terrestres, aéreas e século XIX e parte do século XX. Esta
          está na origem dos conflitos interna-  navais, quer relativamente à impres- situação reduzirá Portugal à condição
          cionais. Embora Portugal seja um  cindibilidade da acção conjunta. Para de colónia do país que tutelar a nossa
          pequeno país, a diversidade dos seus  além disso, revelam miopia estratégi- defesa.
          interesses mais importantes, coloca no  ca, fenómeno muito característico das  Tudo isto poderá ser evitado caso
          campo da utopia as opiniões que con-  posições extremadas e corporativas haja inteligência e coragem para refor-
          sideram possível ultrapassar as con-  que, ao orientarem e condicionarem a mar as Forças Armadas, tornando-as
          trovérsias externas sem empenhar as  organização, a edificação e o emprego eficazes e merecedoras da credibili-
          Forças Armadas. Bósnia, Kosovo,   das Forças Armadas para situações dade nacional, através de medidas
          Guiné e Timor confirmam que a     muito específicas, reduzem a flexibili- que se enquadrem na cultura e reali-
          diplomacia sem força não passa de  dade para lidar com futuros de difícil dade portuguesas, sem serem influen-
          um exercício de retórica, abstracto e  previsão e probabilização.    ciadas por desconfianças político-mi-
          inconsequente. Por isso, em qualquer  A sociedade civil e os governantes litares. Nesta tarefa importa ter pre-
          destas crises a versatilidade do poder  percebem que a relação custo/eficácia sente que Portugal não pode perder a
          naval, ao permitir o seu emprego  de umas Forças Armadas constituídas capacidade de se defender no mar e
          segundo linhas de acção apropriadas,  com base em tais concepções estraté- de atacar pelo mar, o que implica
          contribuiu para os sucessos da políti-  gicas, será irracional e exigirá sacrifí- cuidar da Marinha, instrumento
          ca externa portuguesa.            cios à Nação, para os quais não pro- essencial para manter o poder na-
            O país não necessita de uma grande  porcionará a devida compensação de cional ajustado aos requisitos da
          Marinha, capaz de derrotar os adver-  segurança. Por isso, a ausência de um estratégia de defesa nacional.
          sários mais prováveis. Como membro  ponto de partida lógico para a escolha
          da NATO, basta-nos dispor de uma  e a orientação das grandes linhas da                António Silva Ribeiro
          Marinha compatível com os recursos  estratégia de defesa nacional, inviabi-                       CFR



         4 SETEMBRO/OUTUBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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