Page 299 - Revista da Armada
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estes sido uma das  empenhados no lado confederado, solici-
                                                              presas do corsário  tassem o auxílio dos seus parentes nos
                                                              sulista, é natural  Açores. Este ramo da família, porém, esta-
                                                              que mais açorianos  va, pelo casamento, ligado a importantes
                                                              tenham sido envol-  famílias do Norte e era convictamente
                                                              vidos nas rapinas  unionista, pelo que recusou prestar qual-
                                                              praticadas por aque-  quer auxílio aos navios sulistas ou a colabo-
                                                              le cruzador. Mas  rar no fornecimento de mercadorias ao Sul.
                                                              mesmo os poucos    Refere-se, por fim, mais uma curiosi-
                                                              baleeiros açoreanos  dade: na lista de membros da guarnição do
                                                              de alto-mar exis-  “Kearsarge” (o navio responsável pelo
                                                              tentes não estavam  afundamento do “Alabama”, recorde-se)
                                                              a salvo, pois em  figura um tal Sabine De Santo (Sabino dos
                                                              1862 o “Cidade da  Santos?), copeiro de oficiais, nascido em
                                                              Horta”, um brigue  Portugal  e emigrado para os Estados
         O combate com o U.S.S. “Kearsarge”.                  francês reconver-  Unidos (a Nova Inglaterra, que era o cen-
                                                              tido, foi perseguido  tro da actividade baleeira daquele país,
         proclamado oficialmente a sua neutralidade  pelo “Alabama”, que o confundira com um  atraiu vários marinheiros açorianos, pelo
         , reconheceram, pelo menos, aos estados do  baleeiro norte-americano, ao largo das  que é possível que outros mais tenham
         Sul o estatuto de beligerante. Contudo, ape-  Flores.                 embarcado em navios de guerra da União)
         sar da sua posição neutral, acabou por ver  No mesmo ano várias embarcações  e que morreu de pneumonia em Março de
         alguns pontos do seu território e cidadãos  salva-vidas com sobreviventes prove-  1862, ao largo de Gibraltar, apenas dois
         seus activamente envolvidos. Este envolvi-  nientes de baleeiros federais incendiados  meses depois de ter dado entrada a bordo.
         mento resume-se quase totalmente em duas  pelo “Alabama” deram à costa na ilha das  Foi, assim, por pouco que dois portugue-
         palavras: Açores e “Alabama”.      Flores. Estes sobreviventes venderam, pro-  ses não se enfrentaram em combate no
           Desde a sua primeira escala no arquipéla-  vavelmente, aquelas embarcações à popu-  célebre duelo entre os dois navios. Houve,
         go (faria várias ao longo da sua curta car-  lação local antes de serem repatriados para  em todo o caso, pelo menos dois marinhei-
         reira), o “Alabama” ficou conhecido da  os estados do Norte, ajudando, deste modo  ros nascidos em Portugal que serviram em
         população açoreana como um lendário  a incrementar a ainda incipiente actividade  lados opostos numa guerra que não era a
         navio “pirata”, tendo as suas acções entrado  baleeira na ilha.       sua.
         para a tradição oral das Flores e do Corvo.  Um papel mais importante para o desen-
         Tendo naquela escala recebido a bordo a  rolar da guerra foi o de uma família ameri-         Moreira Silva
         sua guarnição, cujo núcleo era de origem  cana estabelecida no Faial, os Dabney,                    1TEN
         norte-americana, não é, contudo, de estra-  oriundos da Virgínia, onde tinham pa-
         nhar que tivesse mantido alguma da sua  rentes. Os Dabney faialenses tinham  Bibliografia
         primeira tripulação civil e recrutado um ou  angariado uma considerável fortuna, assim
                                                                                 BRADLEY, Paul F., “Rebel Raider of the High
         outro natural das ilhas. Sabe-se que a bordo                          Seas”, America`s Civil War, Março de 1999, p.p. 35-40
         houve, pelo menos, um marinheiro do                                   e 82
         Corvo, Manuel Machado, cujos descen-                                    JORDAN, Robert Paul, The Civil War, 5ª edição,
         dentes vivem, ainda, na ilha das Flores.                              Washington D.C., National Geographic Society,
         Pouco mais se sabe sobre ele, sendo, no                               1982
                                                                                 ROGERS, Francis Millet, “St. Michael`s
         entanto, pouco provável que tenha partici-                            Hicklings, Fayal Dabneys and their British
         pado no combate com o “Kearsarge”, pois                               Connections”, Arquipélago, Universidade dos
         não ficaram a bordo registos da sua pas-                              Açores, 1988, p.p. 123-141
         sagem (a sua permanência no navio deve
         ter sido muito curta). A verdade é que pas-                           Agradecimentos
                                                                               Pelas valiosas informações prestadas:
         sou a ser conhecido por Tio Manuel do                                   - Ao Museu da Horta, na pessoa do Sr. Dr. Rui
         “Alabama”, ou apenas Alabama. Mencione-                               Machado D`Oliveira
         -se, ainda, que algumas fontes identificam                              - Ao Sr. Dr. João Vieira, Director do Museu das
         como português o copeiro italiano do                                  Flores
         Comandante, Antonio Bartelli.                                           - Ao Sr. Jim Gindlesperger, entusiástico colec-
           Outros testemunhos chegaram, indirecta-                             cionador de material relacionado com a compo-
                                                                               nente naval da Guerra de Secessão
         mente, até nós, como o do Sr. Francis Inácio
         de Freitas, nascido em 1875, cujo pai esteve                          Notas
         embarcado num baleeiro americano e que                                  (1) Este caso teve origem na abordagem, em alto-
         indagou, numa das suas escalas na Praia da                            mar, do vapor inglês “Trenton”, que transportava
         Vitória, sobre a presença de um navio sem                             dois diplomatas sulistas, pela canhoneira federal
         nome nem bandeira fundeado ao largo,                                  “San Jacinto”. A Inglaterra exigiu à União um for-
                                                                               mal pedido de desculpas e a libertação dos dois
         tendo sido informado de que o referido                                diplomatas aprisionados, ao que o presidente
         navio se encontrava ali havia vários dias  Recuperação de uma das peças do “Alabama”.  Lincoln cedeu, por não desejar, por motivos óbvios,
         sem nunca ter contactado terra. Tendo                                 ver a Inglaterra intervir em favor do Sul.
                                                                                 (2) A Inglaterra tinha ligações afectivas aos
         relatado o caso ao seu capitão, mandou este  como uma grande influência, tendo sido  grandes senhores do Sul, descendentes dos colonos
         suspender e içar velas, de luzes apagadas e  grandes impulsionadores da actividade  ingleses da Virgìnia, e estava esperançada que a
         a coberto da escuridão da noite, pois tinha,  baleeira açoreana. Proprietários de uma  Confederação fizesse desmoronar o sonho da união
         então, percebido que se tratava do fami-  razoável frota de navios mercantes, podi-  dos revoltosos americanos; a França, por seu lado,
         gerado “Alabama”.                  am, na sua situação geográfica, controlar  tinha comerciantes seus e uma longa tradição
           Sendo, aliás, vulgar, naquela altura, o  boa parte do tráfego marítimo entre a  histórica no estado sulista da Luisiana e, além disso,
                                                                               o seu protectorado do México sob o governo do
         recrutamento de marinheiros dos Açores  Europa e a América. É, assim, natural que  imperador Maximiliano ansiava por estabelecer
         por navios baleeiros americanos e tendo  os Dabney da Virgínia, profundamente  boas relações com a nova nação independente.
                                                                                REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2001  9
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