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estes sido uma das empenhados no lado confederado, solici-
presas do corsário tassem o auxílio dos seus parentes nos
sulista, é natural Açores. Este ramo da família, porém, esta-
que mais açorianos va, pelo casamento, ligado a importantes
tenham sido envol- famílias do Norte e era convictamente
vidos nas rapinas unionista, pelo que recusou prestar qual-
praticadas por aque- quer auxílio aos navios sulistas ou a colabo-
le cruzador. Mas rar no fornecimento de mercadorias ao Sul.
mesmo os poucos Refere-se, por fim, mais uma curiosi-
baleeiros açoreanos dade: na lista de membros da guarnição do
de alto-mar exis- “Kearsarge” (o navio responsável pelo
tentes não estavam afundamento do “Alabama”, recorde-se)
a salvo, pois em figura um tal Sabine De Santo (Sabino dos
1862 o “Cidade da Santos?), copeiro de oficiais, nascido em
Horta”, um brigue Portugal e emigrado para os Estados
O combate com o U.S.S. “Kearsarge”. francês reconver- Unidos (a Nova Inglaterra, que era o cen-
tido, foi perseguido tro da actividade baleeira daquele país,
proclamado oficialmente a sua neutralidade pelo “Alabama”, que o confundira com um atraiu vários marinheiros açorianos, pelo
, reconheceram, pelo menos, aos estados do baleeiro norte-americano, ao largo das que é possível que outros mais tenham
Sul o estatuto de beligerante. Contudo, ape- Flores. embarcado em navios de guerra da União)
sar da sua posição neutral, acabou por ver No mesmo ano várias embarcações e que morreu de pneumonia em Março de
alguns pontos do seu território e cidadãos salva-vidas com sobreviventes prove- 1862, ao largo de Gibraltar, apenas dois
seus activamente envolvidos. Este envolvi- nientes de baleeiros federais incendiados meses depois de ter dado entrada a bordo.
mento resume-se quase totalmente em duas pelo “Alabama” deram à costa na ilha das Foi, assim, por pouco que dois portugue-
palavras: Açores e “Alabama”. Flores. Estes sobreviventes venderam, pro- ses não se enfrentaram em combate no
Desde a sua primeira escala no arquipéla- vavelmente, aquelas embarcações à popu- célebre duelo entre os dois navios. Houve,
go (faria várias ao longo da sua curta car- lação local antes de serem repatriados para em todo o caso, pelo menos dois marinhei-
reira), o “Alabama” ficou conhecido da os estados do Norte, ajudando, deste modo ros nascidos em Portugal que serviram em
população açoreana como um lendário a incrementar a ainda incipiente actividade lados opostos numa guerra que não era a
navio “pirata”, tendo as suas acções entrado baleeira na ilha. sua.
para a tradição oral das Flores e do Corvo. Um papel mais importante para o desen-
Tendo naquela escala recebido a bordo a rolar da guerra foi o de uma família ameri- Moreira Silva
sua guarnição, cujo núcleo era de origem cana estabelecida no Faial, os Dabney, 1TEN
norte-americana, não é, contudo, de estra- oriundos da Virgínia, onde tinham pa-
nhar que tivesse mantido alguma da sua rentes. Os Dabney faialenses tinham Bibliografia
primeira tripulação civil e recrutado um ou angariado uma considerável fortuna, assim
BRADLEY, Paul F., “Rebel Raider of the High
outro natural das ilhas. Sabe-se que a bordo Seas”, America`s Civil War, Março de 1999, p.p. 35-40
houve, pelo menos, um marinheiro do e 82
Corvo, Manuel Machado, cujos descen- JORDAN, Robert Paul, The Civil War, 5ª edição,
dentes vivem, ainda, na ilha das Flores. Washington D.C., National Geographic Society,
Pouco mais se sabe sobre ele, sendo, no 1982
ROGERS, Francis Millet, “St. Michael`s
entanto, pouco provável que tenha partici- Hicklings, Fayal Dabneys and their British
pado no combate com o “Kearsarge”, pois Connections”, Arquipélago, Universidade dos
não ficaram a bordo registos da sua pas- Açores, 1988, p.p. 123-141
sagem (a sua permanência no navio deve
ter sido muito curta). A verdade é que pas- Agradecimentos
Pelas valiosas informações prestadas:
sou a ser conhecido por Tio Manuel do - Ao Museu da Horta, na pessoa do Sr. Dr. Rui
“Alabama”, ou apenas Alabama. Mencione- Machado D`Oliveira
-se, ainda, que algumas fontes identificam - Ao Sr. Dr. João Vieira, Director do Museu das
como português o copeiro italiano do Flores
Comandante, Antonio Bartelli. - Ao Sr. Jim Gindlesperger, entusiástico colec-
Outros testemunhos chegaram, indirecta- cionador de material relacionado com a compo-
nente naval da Guerra de Secessão
mente, até nós, como o do Sr. Francis Inácio
de Freitas, nascido em 1875, cujo pai esteve Notas
embarcado num baleeiro americano e que (1) Este caso teve origem na abordagem, em alto-
indagou, numa das suas escalas na Praia da mar, do vapor inglês “Trenton”, que transportava
Vitória, sobre a presença de um navio sem dois diplomatas sulistas, pela canhoneira federal
nome nem bandeira fundeado ao largo, “San Jacinto”. A Inglaterra exigiu à União um for-
mal pedido de desculpas e a libertação dos dois
tendo sido informado de que o referido diplomatas aprisionados, ao que o presidente
navio se encontrava ali havia vários dias Recuperação de uma das peças do “Alabama”. Lincoln cedeu, por não desejar, por motivos óbvios,
sem nunca ter contactado terra. Tendo ver a Inglaterra intervir em favor do Sul.
(2) A Inglaterra tinha ligações afectivas aos
relatado o caso ao seu capitão, mandou este como uma grande influência, tendo sido grandes senhores do Sul, descendentes dos colonos
suspender e içar velas, de luzes apagadas e grandes impulsionadores da actividade ingleses da Virgìnia, e estava esperançada que a
a coberto da escuridão da noite, pois tinha, baleeira açoreana. Proprietários de uma Confederação fizesse desmoronar o sonho da união
então, percebido que se tratava do fami- razoável frota de navios mercantes, podi- dos revoltosos americanos; a França, por seu lado,
gerado “Alabama”. am, na sua situação geográfica, controlar tinha comerciantes seus e uma longa tradição
Sendo, aliás, vulgar, naquela altura, o boa parte do tráfego marítimo entre a histórica no estado sulista da Luisiana e, além disso,
o seu protectorado do México sob o governo do
recrutamento de marinheiros dos Açores Europa e a América. É, assim, natural que imperador Maximiliano ansiava por estabelecer
por navios baleeiros americanos e tendo os Dabney da Virgínia, profundamente boas relações com a nova nação independente.
REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2001 9