Page 105 - Revista da Armada
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saída cruzei-me com uma ex-colega de fa- compreender...Depois de muito meditar, e tudo parece pouco e toda a subversão se
culdade, agora obstetra. Expliquei ao que ao longo da vida, julgo que estes erros se me afigura permitida... Talvez desta vez me
vinha e, com ela à ilharga, lá fomos ver o explicam, simplesmente, por falta de apanhem e me obriguem a tomar as gotas
bebé. empatia com os outros... da regularização, que fazem com que haja
Infelizmente todas as suspeitas do mari- Estas situações são comuns em muitas uma razão para tudo e que toda a retórica
nheiro se revelaram verdadeiras. O bebé outras profissões. Acredito que a mesma pareça bem...
estava seriamente doente, portador de uma justificação serve, por exemplo, para A medicina, como todos os actos
deficiência grave, que lhe ia diminuir as explicar o número despropositado de aci- humanos, é sujeita a erro. Esses erros
funções da mente e do corpo durante toda dentes de trabalho que temos no nosso previnem-se com excesso de zelo. Se
a vida...Tal deficiência, afirmava a minha país – só explicável pelo desinteresse que mesmo assim as coisas correrem mal, o
colega, poderia, teoricamente, ter sido evi- muitos patrões têm pelos seus emprega- mínimo que se espera é uma explicação e
tada se a decisão de fazer cesariana tivesse dos... um esforço, sincero, de reparação quando
sido contemplada... Na verdade só algumas vezes vi, de tal é possível. Ao contrário, a atitude de
Saí e fui beber um e depois outro café. quem tem responsabilidades, uma pre- sobranceria trapalhona deveria e mereceria
Precisava de tempo para pensar a melhor ocupação genuína com o bem estar e ter severo castigo, nesta e noutras profissões
forma de comunicar as notícias ao pai. segurança dos subordinados. Chefes e em que uns têm a saúde e o bem estar de
Desejei, com todas as forças, por breves patrões encontram-se, frequentemente, outros nas mãos...
segundos, que tudo fosse mentira e mal- mais preocupados consigo próprios, com Pronto, vou voltar a fechar esta história
disse esta vida por permitir estas coisas. o seu próprio bem estar e com a forma no buraco escuro em que a guardo. Só
Acabei por lhe explicar tudo. Primeiro lá como serão julgados pelos seus superi- decidi escrevê-la, porque encontrei esse
lhe expliquei, por um diálogo, duro e lento, ores. Perseguem objectivos sem olhar a marinheiro e, por um momento, me apete-
que pretendo poupar aos leitores, que a meios, sujeitando os subordinados a sacri- ceu fugir. Fugir do ar envelhecido, que
situação do seu filho era grave e levaria a fícios e riscos para lá do razoável, ou da agora lhe encontro, e da falta de sonho do
uma situação de profunda deficiência para necessidade estrita dos objectivos de cada seu olhar. Fugir do medo que senti durante
a vida, ou a uma morte precoce. instituição.... o parto da minha filha mais nova. Fugir da
Houve um longo silêncio, até que saiu a Penso mesmo que, infelizmente, a nossa recordação desse outro filho que tive e já
pergunta que eu mais temia: cultura se caracteriza pelo desrespeito dos partiu...
-Podia ter sido evitado doutor? mais fracos, nas achas de um fogo aceso E gostaria de acreditar que o sofrimento
-Talvez pudesse – respondi eu. Sabes, as pelo poder, pelo dinheiro e por todas as que lhe assiste serviu para alguma coisa.
decisões médicas nem sempre são fáceis e, pequenas ilusões que povoam as mentes Que servisse pelo menos para mudar o
por vezes, é difícil perceber qual o melhor dos pequenos homens – trapalhões – que coração dos homens...mas, infelizmente,
caminho – continuei com pouca con- nos rodeiam. Esquecemo-nos que cada país perdi a fé em milagres e continuo na busca
vicção, pois tinha ficado muito mal impres- e cada instituição é tão melhor, quanto do porquê.....Escrevi, escrevi, para que a
sionado com o trapalhão. melhor tratar os seus membros mais dor não passe incógnita e pelo menos hoje
Quis fazer uma queixa na administração humildes. Afinal, é isso que acontece nos e aqui se faça silêncio. Escrevi, finalmente,
do hospital, que eu ajudei a redigir. Queria países que povoam o nosso imaginário de porque nas palavras encontro – nesta,
por o assunto em tribunal, mas não tinha bem estar. como noutras vezes – paz e conforto.
dinheiro para contratar o advogado – acon- Vivemos, contudo, numa época em que Talvez o leitor seja mais forte que eu e
selhei-o levar o assunto à secção deon- estes valores pouco contam e somos con- saiba de outro método para tornar os ho-
tológica da Ordem dos Médicos. frontados com exemplos de trapalhice, mens melhores, mais solidários? Talvez
Entretanto, tinha que conviver com a que perpassam toda uma sociedade. A saiba de um método que premei aqueles
dura realidade, ia levar um filho deficiente confiança vai morrendo. A desconfiança que se vão preocupando com os tristes e os
para casa. E eu pouco o consegui animar, cresce e com ela o sofrimento. Talvez por infelizes? Eu só sei, isso sim, que as coisas
pois só sentia raiva. Sentia raiva, como isso Portugal continue na cauda da não estão bem e tenho saudades da minha
muitas vezes sinto, porque estas coisas Europa. Ou talvez eu seja louco e deva ser infância, sem dor, em que o sol brilhava
não acontecem, geralmente, por simples preso, afastado... sempre e eu, inocente, acreditava que
incompetência técnica. Ocorrem porque Perdoe-me o caro leitor é que sempre todos os homens são bons...
um erro, de outra natureza, acontece - que me lembro daquela criança e do sofri-
cuja motivação tenho dificuldade em mento à sua volta, sinto uma grande tristeza Doc.
CONVÍVIOS
DIA DA ESQUADRILHA CURSO DE ARTÍFICES CONDUTORES
DE SUBMARINOS DE MÁQUINAS 51/53
Vai comemorar-se no dia 13 de Abril o dia da Esquadrilha Os ex-alunos do curso de Artífices Condutores da Armada
de Submarinos. (51/53) reuniram-se recentemente num almoço de confraterniza-
Convidam-se todos os submarinistas e mergulhadores (na ção, comemorando assim cinquenta anos em que iniciaram o seu
situação activo/reserva/reforma) a estarem presentes, poden- curso na então Escola de Mecânicos, hoje Grupo Nº 1 de Escolas
do fazer a sua inscrição, até ao dia 5 de Abril, por escrito ou da Armada.
através dos telefones: Para recordar como foi o Curso, foi editado um caderno come-
3404 (Telef. int.) (Of. Dia ES) ou 212768233/14 (Telef. ext.). morativo tendo sido oferecido um exemplar à nossa Revista.
Dando continuidade aos convívios de amizade dos “Filhos da
Escola”, vão os ex-alunos do Curso de 51/53 encontrar-se no
próximo mês de Maio em Ourém, para mais um almoço, sendo o
anfitrião o Sargento-Mor António Costa Frazão.
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2002 31