Page 109 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


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                                     36. O NÓNIO DE PEDRO NUNES


               Pedro Nunes (1502-1578) foi sem dúvida o cientista português de maior prestígio. Nascido em Alcácer do Sal, fez os
             seus primeiros estudos no nosso país e frequentou a Universidade em Salamanca, onde se licenciou em Artes.
               Foi professor em Lisboa e Coimbra. Em 1529 foi nomeado cosmógrafo do reino e em 1547 recebe o título de cosmó-
             grafo-mor.
               Pedro Nunes publicou numerosas obras, algumas delas em latim, que o projectaram além fronteiras. Uma das mais
             brilhantes contribuições deste matemático ilustre foi a curva loxodrómica, cuja teoria se encontra no Tratado sobre cer-
             tas dúvidas da navegação e no Tratado em defensão da carta de marear, insertos no Tratado da Sphera (1537). Esta é a
             curva que um navio descreve a rumo constante e que Nunes prova que se aproxima do pólo sem o atingir. Contrariava
             assim, o que até então se afirmava, pois julgava-se que aquela curva descrevia um círculo máximo.
               Pedro Nunes interessou-se também pelos instrumentos de altura, isto é, instrumentos astronómicos. Saíram da sua
             fértil imaginação, o instrumento de sombras, o qual, genialmente, mede os ângulos verticais no plano horizontal e o
             anel náutico, em que consegue dobrar a extensão da escala de leitura, em relação a um astrolábio de igual dimensão,
             o que, naturalmente, aumentava o rigor da medição.
               A proposta destes instrumentos mostra bem a preocupação de Pedro Nunes em encontrar soluções capazes de melho-
             rar o rigor das medições astronómicas. E tinha razão para o fazer. De facto, a mais pequena divisão de uma escala de
             um instrumento de medida era, na época, o grau. A leitura da sua subdivisão, feita por estima, era não só incerta mas
             também dependente da avaliação do observador.
               Este problema já tinha sido encarado pelo judeu Levi ben Gearson (1288-1344), com a sua escala diagonal ou trans-
             versal, que consiste em expandir, de modo engenhoso, a largura da mais pequena divisão da escala, usando diagonais
             entre os seus valores extremos, mas respeitantes a escalas paralelas. Deste modo, torna-se possível obter o espaço
             necessário para gravar as subdivisões, tanto nas escalas rectilíneas como nas circulares.
               Estamos certos que Pedro Nunes, quando se preocupou com este problema não conhecia o trabalho de Levi, que ape-
             sar de traduzido para latim devia ter tido uma divulgação muito limitada, por se tratar de um manuscrito
               O nónio aparece no De Crepusculis, publicado em 1542. Na segunda parte desta obra, a proposição número três,
             reza assim: “ Construir um instrumento que seja muito apropriado às observações dos astros, e com o qual se possam
             determinar rigorosamente as respectivas alturas”.
               Para o efeito o nosso matemático, construiu num astrolábio graduado de 0 a 90 graus, mais 44 escalas concêntricas,
             mas sucessivamente divididas em 89, 88, 87, até chegar a 46 partes. Nestas condições, ao medir-se um determinado
             ângulo, que não corresponda a um número exacto de graus, é muito provável que o seu valor caia rigorosamente, ou
             muito próximo, de uma divisão das referidas escalas. Depois por uma simples regra de três, encontra-se o valor do
             ângulo, com um erro médio da ordem dos 2 minutos de arco.
               O nónio teve uma divulgação restrita em Portugal e admitimos mesmo que o próprio inventor não tenha visto a rea-
             lização prática desta sua invenção. E, a razão é simples: o desenho e a gravação de tal dispositivo era de difícil realiza-
             ção e não havia no país artífices habilitados para o efeito.
               Até recentemente, só havia conhecimento de dois quadrantes usando o nónio. São referidos, e acompanhados pelas
             respectivas gravuras, por Tycho Brahe (1546-1601), na sua obra Astronomiae Instauratae Mechanica cuja primeira
             edição é de 1598. Nela afirma que os quadrantes estão divididos com as usuais transversais, mas também utilizam o
             nónio do “famoso matemático”, que diz hispanico,.possivelmente porque, na data, as coroas dos dois países ibéricos
             estavam unidas. Infelizmente nenhum destes quadrantes chegou até aos nossos dias.
               Todavia tivemos a oportunidade de identificar no Instituto e Museu de História da Ciência de Florença, um quadrante
             astronómico, possivelmente, o único instrumento existente, dispondo do nónio de Pedro Nunes. Está, no entanto,
             incompleto, faltando-lhe a alidade e a bússola de orientação.
               Este instrumento foi fabricado em Inglaterra por James Kynuyn, e sabemos que pertenceu a Robert Dudley, que em
             1595 se exilou em Itália. Este Dudley foi geógrafo e engenheiro naval. Teve actividade em Florença onde publicou uma
             obra fundamental, Dell’Arcano del Mare (1646-7), na qual incluiu o desenho do instrumento tal como era ao ser cons-
             truído.
               É incontestável o interesse que este instrumento tem para a História da Ciência. Por essa razão, procurou fazer-se uma
             cópia exacta, reconstituindo o quadrante conforme o desenho acima referido. Os Correios de Portugal suportaram gene-
             rosamente o seu fabrico, que incluiu a nossa deslocação a Florença assim como a de Jorge Leitão, que efectuou os
             moldes da peça. Os artífices da firma Leitão e Irmão, joalheiros, executaram a magnifica peça que agora se encontra em
             exposição no Museu de Marinha.

                                                                                  Museu de Marinha
                                                                                  (Texto de A. Estácio dos Reis, CMG)
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