Page 150 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA






            O Controlo Democrático


                   das Forças Armadas





                avaliar pelo conteúdo de algumas  dinâmica entre o poder político e as forças  políticos em encarar com seriedade as
                das considerações expressas por  armadas nos anos que levamos de regime  suas responsabilidades na área da defesa,
          A políticos, comentadores, jornalis-  democrático.                   mas também da capacidade própria para
          tas, etc., acerca dos acontecimentos que,  Segundo este princípio, a direcção da  avaliar convenientemente as recomen-
          no início do ano, trouxeram para a agen-  defesa nacional é da competência dos que  dações que são feitas pelos militares.
          da política a discussão da crise financeira  são legitimamente eleitos para gerir os  Pressupõe ainda que sejam primaria-
          das nossas Forças Armadas, afigura-se de  assuntos do Estado, dos quais se exige o  mente da responsabilidade dos órgãos
          grande oportunidade apelar a uma re-  dever da defesa dos interesses nacionais,  políticos, as tarefas de explicar aos ci-
          flexão, ainda que breve, sobre o conceito  e aos quais as forças armadas devem leal-  dadãos a necessidade da defesa nacional,
          de “controlo democrático das forças ar-  dade e obediência. Nesta perspectiva, os  a prioridade, dimensão e recursos que
          madas”, entendido como traduzindo a  militares devem exercer a sua actividade  atribuem à sua componente militar e de
          sua subordinação ao poder político demo-  na dependência da autoridade política  mobilizar o apoio público para as suas
          craticamente eleito.              democraticamente eleita, não tendo por-  forças armadas. Tal não significa que as
            Tratando-se de um princípio estrutu-  tanto legítimidade para impor a sua  forças armadas se alheiem daquelas tare-
          rante das democracias ocidentais (a verifi-  própria interpretação do interesse  fas, devendo antes participar nelas, quer
          cação de que este princípio é aplicado nas  nacional. Assim, a aplicação deste prin-  de um modo directo, através das formas
          novas democracias do centro e do leste da  cípio, garante que as forças armadas ape-  de intervenção previstas para os seus
          Europa, constitui mesmo um dos critérios  nas são utilizadas através dos adequados  responsáveis, quer indirectamente, por
          fundamentais para o acesso desses países  mecanismos constitucionais, sob a autori-  via da postura e da actuação dos seus
          à NATO), é muito importante para a  dade dos órgãos políticos legalmente  membros e dos seus organismos, nas
          solidez dessas democracias que ele seja  instituídos.                quais se concentram as atenções do poder
          correctamente interpretado, tanto por po-  O princípio pressupõe também que as  político e da população.
          líticos e militares (em especial as respecti-  forças armadas são incluídas no conjunto  Além disso, o princípio visa também
          vas elites), como pela generalidade da  dos factores que determinam a definição  um correcto enquadramento dos militares
          sociedade civil, com destaque para a  da política, com a importância e dimensão  na sociedade, da qual são parte inte-
          comunicação social.               que for entendido merecerem, em função  grante, negando à partida qualquer forma
            A importância do “controlo democrá-  das quais lhes são atribuídos os lugares  de marginalização. Neste particular, nada
          tico das forças armadas” decorre de algu-  correspondentes nas escalas de priori-  distingue os membros das forças armadas
          mas circunstâncias muito específicas, das  dades e de distribuição dos recursos  dos outros servidores de instituições
          quais se destacam, em primeiro lugar, o  nacionais. Assim, as necessidades mi-  públicas.
          facto de as forças armadas serem os  litares são determinadas num contexto  Finalmente, no âmbito do relaciona-
          detentores principais de armamento, o  político, como reflexo de prioridades e  mento institucional entre o poder políti-
          qual lhes confere um poder de coacção  objectivos políticos claramente definidos.  co e as forças armadas, é fundamental
          que, se ilegitimamente orientado, pode  Por isso, as forças armadas não têm que  que cada uma das partes respeite a com-
          sobrepor-se a todos os outros sectores da  reivindicar importância, dimensão, priori-  petência e o profissionalismo da outra,
          sociedade e, em segundo lugar, o aumen-  dade e recursos. Devem sim pronunciar-  sem prejuízo de que nunca seja posta em
          to das áreas de interacção entre as  -se sobre a adequabilidade daqueles às  causa a legitimidade democrática do
          questões políticas e militares e a sua com-  missões e tarefas que lhes são atribuídas e  poder político.
          plexidade crescente, fontes potenciais de  sobre as eventuais consequências da  Afigurando-se que a integração das
          tensão, principalmente em situações de  existência de desajustamentos entre os  forças armadas nas sociedades democráti-
          crise ou de conflito, nas quais é maior a  primeiros e as segundas.  cas modernas, requer algo mais do que a
          probabilidade de divergência entre os  Por outro lado, o princípio do “controlo  mera elaboração de um conjunto de nor-
          objectivos políticos e os militares.  democrático das forças armadas” torna  mas legais que visem esse objectivo,
            Não se pretendendo fazer uma des-  extraordinariamente importante que os  deixa-se para os eventuais leitores desta
          crição exaustiva dos elementos que  políticos sejam, de uma forma geral, co-  brevíssima reflexão sobre o princípio do
          caracterizam o princípio do “controlo  nhecedores dos assuntos da defesa, das  “controlo democrático das forças arma-
          democrático das forças armadas”, afigu-  questões militares e das características das  das”, os juízos de valor sobre a actuação
          ra-se importante recordar os mais impor-  forças armadas do seu país. Em particu-  dos dois actores deste princípio, desde
          tantes, porque proporcionam um    lar, da parte dos que assumem respon-  que, em 1982, lhe foi dada expressão legal
          enquadramento conceptual que é indis-  sabilidade mais directa no controlo políti-  em Portugal com a publicação da Lei da
          pensável para a interpretação, não só das  co das forças armadas, este princípio  Defesa Nacional e das Forças Armadas.
          ocorrências mais recentes e das reacções a  reclama uma competência específica
          que deram origem, mas também, num  naquelas matérias, o que constitui indi-           M. Borges Gonçalves
          âmbito mais lato, daquilo que tem sido a  cação inequívoca, não só da vontade dos                 CFR


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