Page 248 - Revista da Armada
P. 248

HISTÓRIAS DA BOTICA (21)




                O Crítico...e o sorriso...
                O Crítico...e o sorriso...





             empre fui sério e meditabundo. A vida  em que o desenlace do filme despertava  A sua presença tornava os dias mais peque-
             sempre me pareceu pesada e cinzenta.  maior tensão emocional no espectador, quer  nos e fazia com que coisas banais e muitas
         STalvez seja essa atitude, basicamente  fossem violentos:             vezes deselegantes – que a vida tem – se tor-
         triste, que me levou a valorizar quem, ao  -Ó  pr´a eles!! Chega-lhe...Aguenta lá esta  nassem motivo de boa chalaça...Daquelas, que
         contrário, consegue rir e gracejar de tudo,  ó Animal...              gostamos de recordar quando o tempo passa...
         mesmo dos castigos que a vida impõe...  Ou, digamos, mais íntimos:      E, apesar do pronto improviso, nunca o
           A este propósito encontrei nos navios,  - Eeh pá...Oh prá quilo...Tás aqui tás a  ouvi na crítica fácil, mesquinha e torpe, que,
         vários militares com jeito para o gracejo fácil,  levar...com o talha- bestas!! – Este último e  infelizmente, caracteriza tanto o nosso
         a piada certa e arguta e uma resistência aos  mítico instrumento era sempre mais subenten-  tempo. Por outro lado, perpassava em toda a
         elementos, muito superior à minha...Contudo,  dido do que propriamente visionado, mas o  sua postura a bordo uma camaradagem forte,
         de todos esses ficou-me um oficial, que  comentário conseguia sempre o aplauso deste  reconhecida por todos.
         muitas vezes recordo. Era alto, moreno, com  e doutros espectadores envergonhados...  No meu íntimo cheguei a acreditar que era
         um ar gingão, típico do macho latino. Era  Fora estes momentos, o Crítico era um  imune ao sofrimento, pois nunca o vi triste,
         também gago, como eu, mas nem por isso  apaixonado pela Marinha, na sua faceta  ou desamparado. A verdade é que acabei por
         deixava de falar muito...Tinha uma opinião  operacional, e vivia com grande dedicação o  lhe admirar a existência simples e alegre...da
         sobre tudo e sobre todos – e era sempre uma  seu mister, naquela missão por terras ameri-  qual guardarei sempre memória viva.
         opinião bem humorada.              canas, em que o navio estava empenhado.   Penso, hoje, que em cada navio, em todos
           Com o tempo e em silêncio – porque gosto  Achei então, que a sua presença a bordo e,  os postos e em muitas situações, existem pes-
         das palavras, especialmente das que são  particularmente, junto dos oficiais era de  soas assim com este dom, de fazer sorrir ou
         usadas por outros – fui sorvendo a gíria e a  grande importância. Decerto que o crítico era  outros. – São fortes. Mais fortes que a vida...
         música, cantada, em frases soltas, por este  mais importante a bordo que qualquer médi-  Talvez noutras profissões, façam falta pes-
         oficial, que alegrava todos à sua volta com  co macambúzio, sem jeito algum para falar  soas com este carisma tão especial, já que
         frases, a que dava um sabor próprio do tipo:  em público...           vivemos num país desorganizado nos procedi-
           - Sabes Doc, hoje tenho uma pequena
         urgência, médica, a resolver no banco do bar
         azul, lá na esquina - um buraquinho no estô-
         mago, que se resolve com uns xaropes, que
         eles lá têm, muito diferentes das perfumarias
         estrangeiras que tu nos queres impingir...
           E toda a Câmara ria...
           Nos meses a navegar, em que convive-
         mos, fui apreciando esta capacidade para
         improvisar com as palavras, sempre de uma
         forma airosa, sã e, particularmente, muito
         criativa. De tudo, no entanto, nada era tão
         divertido, como ouvi-lo comentar os filmes
         que, a tempos regulares, passavam no video-
         -leitor da Câmara.
           Nem que o filme tivesse já sido visto e
         revisto, não interessava. Havia sempre um
         comentário jocoso a ser produzido, uma
         piada a propósito, um conjunto lógico de
         ideias reais e irreais, sempre divertidas e sem-
         pre, com uma simbologia própria, original...
           Lembro a este propósito um filme que
         devo ter visto três vezes, só nessa viagem,
         que se intitula “O Especialista”, certamente
         conhecido por muitos leitores. Para os que o
         não viram basta dizer que se trata de uma
         produção típica de Hollywood, com os
         nomes sonantes de Sylvester Stalone e a
         Sharon Stone. Ora o nosso Crítico divertiu
         muitos à custa desta maravilha da 7ª arte,
         senão confirme o leitor:
           - Aqui temos o Pecialista, um gand´ a fil-
         malhaço, em que eles são maus, elas são
         boas...actrizes...e a porrada é muita....
           E durante o filme continuava, com maior
         ou menor emoção, sobretudo nos momentos

         30 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA
   243   244   245   246   247   248   249   250   251   252   253