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HISTÓRIAS DA BOTICA (21)
O Crítico...e o sorriso...
O Crítico...e o sorriso...
empre fui sério e meditabundo. A vida em que o desenlace do filme despertava A sua presença tornava os dias mais peque-
sempre me pareceu pesada e cinzenta. maior tensão emocional no espectador, quer nos e fazia com que coisas banais e muitas
STalvez seja essa atitude, basicamente fossem violentos: vezes deselegantes – que a vida tem – se tor-
triste, que me levou a valorizar quem, ao -Ó pr´a eles!! Chega-lhe...Aguenta lá esta nassem motivo de boa chalaça...Daquelas, que
contrário, consegue rir e gracejar de tudo, ó Animal... gostamos de recordar quando o tempo passa...
mesmo dos castigos que a vida impõe... Ou, digamos, mais íntimos: E, apesar do pronto improviso, nunca o
A este propósito encontrei nos navios, - Eeh pá...Oh prá quilo...Tás aqui tás a ouvi na crítica fácil, mesquinha e torpe, que,
vários militares com jeito para o gracejo fácil, levar...com o talha- bestas!! – Este último e infelizmente, caracteriza tanto o nosso
a piada certa e arguta e uma resistência aos mítico instrumento era sempre mais subenten- tempo. Por outro lado, perpassava em toda a
elementos, muito superior à minha...Contudo, dido do que propriamente visionado, mas o sua postura a bordo uma camaradagem forte,
de todos esses ficou-me um oficial, que comentário conseguia sempre o aplauso deste reconhecida por todos.
muitas vezes recordo. Era alto, moreno, com e doutros espectadores envergonhados... No meu íntimo cheguei a acreditar que era
um ar gingão, típico do macho latino. Era Fora estes momentos, o Crítico era um imune ao sofrimento, pois nunca o vi triste,
também gago, como eu, mas nem por isso apaixonado pela Marinha, na sua faceta ou desamparado. A verdade é que acabei por
deixava de falar muito...Tinha uma opinião operacional, e vivia com grande dedicação o lhe admirar a existência simples e alegre...da
sobre tudo e sobre todos – e era sempre uma seu mister, naquela missão por terras ameri- qual guardarei sempre memória viva.
opinião bem humorada. canas, em que o navio estava empenhado. Penso, hoje, que em cada navio, em todos
Com o tempo e em silêncio – porque gosto Achei então, que a sua presença a bordo e, os postos e em muitas situações, existem pes-
das palavras, especialmente das que são particularmente, junto dos oficiais era de soas assim com este dom, de fazer sorrir ou
usadas por outros – fui sorvendo a gíria e a grande importância. Decerto que o crítico era outros. – São fortes. Mais fortes que a vida...
música, cantada, em frases soltas, por este mais importante a bordo que qualquer médi- Talvez noutras profissões, façam falta pes-
oficial, que alegrava todos à sua volta com co macambúzio, sem jeito algum para falar soas com este carisma tão especial, já que
frases, a que dava um sabor próprio do tipo: em público... vivemos num país desorganizado nos procedi-
- Sabes Doc, hoje tenho uma pequena
urgência, médica, a resolver no banco do bar
azul, lá na esquina - um buraquinho no estô-
mago, que se resolve com uns xaropes, que
eles lá têm, muito diferentes das perfumarias
estrangeiras que tu nos queres impingir...
E toda a Câmara ria...
Nos meses a navegar, em que convive-
mos, fui apreciando esta capacidade para
improvisar com as palavras, sempre de uma
forma airosa, sã e, particularmente, muito
criativa. De tudo, no entanto, nada era tão
divertido, como ouvi-lo comentar os filmes
que, a tempos regulares, passavam no video-
-leitor da Câmara.
Nem que o filme tivesse já sido visto e
revisto, não interessava. Havia sempre um
comentário jocoso a ser produzido, uma
piada a propósito, um conjunto lógico de
ideias reais e irreais, sempre divertidas e sem-
pre, com uma simbologia própria, original...
Lembro a este propósito um filme que
devo ter visto três vezes, só nessa viagem,
que se intitula “O Especialista”, certamente
conhecido por muitos leitores. Para os que o
não viram basta dizer que se trata de uma
produção típica de Hollywood, com os
nomes sonantes de Sylvester Stalone e a
Sharon Stone. Ora o nosso Crítico divertiu
muitos à custa desta maravilha da 7ª arte,
senão confirme o leitor:
- Aqui temos o Pecialista, um gand´ a fil-
malhaço, em que eles são maus, elas são
boas...actrizes...e a porrada é muita....
E durante o filme continuava, com maior
ou menor emoção, sobretudo nos momentos
30 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA