Page 289 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


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                                       41. A CARAVELA PORTUGUESA


               Henrique Quirino da Fonseca, de seu nome completo, pertence à ilustre galeria de eminentes oficias da Marinha que
             dedicaram boa parte do seu labor, e profundo saber, à história marítima, à ciência náutica e arqueologia naval. Pode
             dizer-se que essa galeria foi iniciada com Lopes de Mendonça, pai da arqueologia naval, grande inspirador e estímulo de
             Quirino da Fonseca, e nela cabem muitos outros ilustres que já deixaram o nosso convívio como Brás de Oliveira,
             Baldaque da Silva, Almeida d’Eça, Gago Coutinho, Tancredo de Morais, Quintela, Fontoura da Costa, Estanislau de Barros,
             e estão enfileirando nomes já bem conhecidos das novas gerações que só não menciono para não ofender a sua modéstia
             e não correr o risco de omitir algum.
               Entre as obras mais notáveis de Quirino da Fonseca destacam-se:
               Os Portugueses no Mar, de 1926, e sobretudo a Caravela Portuguesa, de 1934, que pode considerar-se a sua obra maior
             e que muito justamente ainda hoje é a de maior referência para todos que se têm dedicado às questões da caravela.
               A peça magistral que foi o estudo de Lopes de Mendonça sobre a caravela, publicado nos Anais do Clube Militar
             Naval, em 1890, e que marca realmente o início dos estudos sobre arqueologia naval, era, deve-se reconhecer, apenas
             uma iniciação e portanto naturalmente limitada pelas poucas fontes até então conhecidas.
               Foi pois com A Caravela Portuguesa de Quirino da Fonseca que este tipo de navio passou a ser estudado, quase até à
             exaustão e a ele se dedicaram novéis e esforçados historiadores, arqueólogos e cientistas na feliz circunstância das
             Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, só tendo sido pena que não tenham sido devidamente apoiados neste
             labor que tanto justificava maiores investimentos financeiros. Talvez por esta circunstância se verifique que A Caravela de
             Quirino da Fonseca continua a ser o marco fundamental no estudo desta apaixonante questão e do mais significativo tipo
             de navio de todos os tempos que a Marinha Portuguesa pôs a sulcar os mares de todo o mundo.
               Prefaciaram obras de Quirino da Fonseca, Lopes de Mendonça, que o considerou mestre incontestado na arqueologia
             naval e um espírito nobremente curioso de verdade e beleza (“Os Portugueses no Mar” - 1923), Júlio Dantas que dizia
             que aliava ao culto das ciências uma tendência acentuada para o convívio das letras (“Viagens Maravilhosas” – 1935) e
             Gago Coutinho que ressaltou a inteligência e tenacidade com que se dedicava aos estudos históricos (“Drama no
             Sertão” - 1936).
               O que é ainda o maior clássico sobre a caravela portuguesa veio à luz pela primeira vez em 1934 pela mão de uma
             prestigiada Editora - a Imprensa da Universidade - Coimbra, com um total de 700 páginas nessa versão inicial, o que
             mostra bem o volume e a substância da obra.
               Na Caravela Portuguesa, Quirino da Fonseca abordou todas as questões que ainda se discutem hoje sobre este tipo de
             navio que é, sem dúvida, o mais apaixonante e que mais interesse tem merecido de todos os investigadores nacionais e
             estrangeiros o que prova bem  que é o navio mais emblemático da história dos Descobrimentos.
               Todas as questões ainda vivas estão já enunciadas na obra em apreço, desde a origem do nome da Caravela, a tipolo-
             gia muito ligada à armação vélica e numero de mastros, a manobra principal - virar de bordo -, as suas dimensões carac-
             terísticas, os elementos construtivos que são apreciados até aos mais ínfimos detalhes, o armamento, a palamenta, as
             dotações de mantimentos, aguada, sobressalentes e até mesmo a botica, que um elemento de grande importância na
             sobrevivência, apesar do seu aspecto primitivo e incipiente: Sem esquecer também as tripulações e seus vencimentos e os
             custos da construção e do armamento, pode dizer-se que Quirino da Fonseca abordou todos os problemas típicos do
             navio desde a sua concepção até á operação.
               Ainda que hoje se possa melhor reconhecer que nem todas as opiniões expressas são totalmente exactas, algumas con-
             tinuam a ser objecto de discussão acalorada, sem que alguém tenha apresentado a conclusão inabalável em tais assuntos
             o que resulta evidentemente da natural e apregoada falta de provas documentais.
               Na Caravela Portuguesa, o Autor faz maior recurso ao Livro Náutico e Livro de Traças de Carpintaria e a outras fontes
             acessórias que são ainda o grosso do corpus documental o qual  só veio a ser acrescido posteriormente por alguns
             Regimentos que são, de facto, de menor valia que os citados documentos.
               São menos citados os cronistas que, em matéria de arqueologia ou construção naval, merecem em nossa opinião
             menos crédito pela sua natural falta de conhecimentos profissionais e logicamente menor capacidade para avaliar assun-
             tos dessa natureza.
               A representação iconográfica na Caravela Portuguesa é talvez menos abundante que noutras obras posteriores, mas
             inclui o principal e, sabendo que a iconografia é uma fonte falível, aquela circunstancia em nada desmerece a obra de
             Quirino da Fonseca que, hoje, passou ela a ser, para os novos investigadores, uma fonte indispensável para qualquer
             estudo sobre caravelas.
               Pelo que fica dito, o Cte Quirino da Fonseca e a Caravela Portuguesa bem merecem a homenagem que aqui lhes é
             prestada e a admiração de todos os portugueses.

                                                                               Biblioteca Central da Marinha
                                                                               (Texto de Bernardino Cadete, CMG ECN,
                                                                               Membro Emérito da Academia de Marinha)
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