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PONTO AO MEIO-DIA






                               A Falta Evidente





                berto que está novo período de  levaram as forças navais a operar no  enquadra-se nos requisitos que a
                reflexão sobre o futuro das  litoral, intimamente com as forças  Marinha tem apresentado e daria ao
          AForças Armadas, designada-       aéreas e terrestres, desempenhando  Estado Português o instrumento mais
          mente sobre um Conceito Estratégico de  agora um papel de apoio mais directo às  eficaz, rápido e flexível para gestão de
          Defesa Nacional que condicionará, no  operações em terra, papel esse que  crises e apoio à sua política externa. No
          final do ciclo de planeamento, as gran-  tradicionalmente sempre tiveram.  plano militar seria o verdadeiro cata-
          des opções sobre o equipamento das  Ganhou novo vigor a dimensão maríti-  lisador de forças conjuntas nacionais
          Forças Armadas, é sempre bom vir repe-  ma das operações. Diz-se marítima  pela sua própria natureza e meios ao
          tir verdades imutáveis e conceitos evi-  porque não se limita às forças pura-  dispor. Com efeito, construido à volta
          dentes, que, porque o tempo passa e as  mente navais; engloba também aviação,  do navio de assalto anfíbio e do Ba-
          decisões tardam, tendem a ser esque-  forças anfíbias, forças de operações  talhão Ligeiro de Desembarque do
          cidas.                            especiais, enfim, tudo o que possa ser  Corpo de Fuzileiros, este grupo-tarefa
            Entrámos francamente no período em  projectado do mar para terra ou possa  terá que interoperar com unidades do
          que o abate dos navios da geração 60/70  influenciar o teatro de operações em  Exército e da Força Aérea nas mais va-
          está em marcha o que agudiza a neces-  terra. Com efeito, a análise das várias  riadas situações, forçando uma prática
          sidade de estabelecer programas e ini-  operações dos últimos anos mostra que  que obriga ao aperfeiçoamento da dou-
          ciar projectos que já hoje deviam estar  se iniciaram sempre a partir do mar,  trina, dos procedimentos e da com-
          em execução. Não será demais recordar  inclusivamente de submarinos pelo  patibilidade do material que não se
          que desde que se começa a pensar num  lançamento de mísseis de cruzeiro e  encontra noutras situações. A escolta e a
          projecto até que o navio seja lançado  ao  projecção de forças de operações espe-  capacidade de combate deste grupo, nas
          mar decorre quase uma década. Agu-  ciais.                           três dimensões, é dado pelas fragatas,
          dizou-se assim a carência de navios  É este novo ambiente operacional, de  submarinos e navio reabastecedor que
          indispensáveis para as missões militares  que tivemos experiência em primeira  são indispensáveis também para outros
          e de serviço público, que são imutáveis  mão na Guiné-Bissau, que exige que a  tipos de operações, para garantir a
          na sua essência, qualquer que seja o  componente militar da Marinha tenha  autoridade do Estado e manter a vi-
          Conceito Estratégico de Defesa Nacional  capacidade para gerar um grupo-tarefa  gilância e a presença no Espaço Estra-
          aprovado.                         anfíbio que garanta, à nossa escala, a  tégico de Interesse Nacional.
            Dizer que a segurança de Portugal  projecção de forças com capacidade de  A realização desta capacidade dar-
          passa por uma importante dimensão  assalto de superfície e aéreo, o apoio de  nos-ia um peso regional que nos vai fal-
          naval é quase uma redundância, mas  fogos, o acesso seguro ao litoral e o con-  tando, juntando credibilidade e argu-
          tem que ser frequentemente recordado  trolo do mar na área de operações con-  mentos para a defesa das nossas posi-
          aos estrategos de tendência continental,  juntas. Esta capacidade constituiria um  ções nas alianças quando discutimos
          que não poderão ignorar que a arquitec-  multiplicador de força para o coman-  estruturas de comando, cargos nacio-
          tura de segurança da Europa também  dante da operação, que passaria a dispor  nais, etc. Seria uma força anfíbia de re-
          inclui uma importante dimensão maríti-  de um elemento valioso como força  duzida dimensão, mas eficaz e com-
          ma. Portugal em particular e a Europa  avançada, com capacidade de pré-posi-  patível com outras do Sul da Europa,
          em geral têm a sua economia depen-  cionamento, simultaneamente com a  que juntas representam uma capacidade
          dente do tráfego marítimo, com tendên-  capacidade de executar tarefas de vigi-  expedicionária credível, com evidente
          cia para um aumento da navegação de  lância, interdição, reconhecimento, pro-  significado político.
          cabotagem, o que continua a exigir  tecção colectiva, etc.            Apesar de um investimento nesta área
          investimento para garantir a liberdade e  O fosso tecnológico que hoje existe em  nos dar uma real capacidade imediata,
          a segurança da navegação, sobre a qual  relação à superpotência será maior daqui  apesar da evidência e da simplicidade do
          impende agora a nova ameaça do terro-  a um ano e muito maior daqui a cinco  conceito acima exposto, não se julgue que
          rismo. Em simultâneo, surge a necessi-  anos, o que faz com que só uma ou duas  esta ideia tenha fácil aceitação. Com efeito,
          dade de exercer apertada vigilância  potências europeias possam combater na  neste “país de marinheiros” as teses ma-
          sobre navios empenhados em activi-  primeira linha, interoperando com as  rítimas não passam e, possivelmente, ve-
          dades ilícitas de contrabando de arma-  forças daquela. Em termos de coligações  remos os futuros investimentos espalha-
          mento e apoio a organizações terroristas.  internacionais em que eventualmente  dos por diferentes áreas que nunca se
          É uma nova realidade que tem originado  venhamos a tomar parte, poderemos es-  traduzirão num produto operacional tão
          novas solicitações ao país e para a qual  tar a par da maioria das marinhas eu-  imediato e tão útil como este o seria.
          temos que estar preparados, já que esta  ropeias e limitados a partilhar das tare-
          actividade de vigilância e interdição  fas que lhes estão reservadas, se houver         J. Ferreira Barbosa
          marítima é exercida por forças navais  investimento em navios, material e na                     CALM
          convencionais apoiadas por modernos  formação de pessoal, que permita travar
          sistemas agora designados C4 ISR (1).  a crescente desactualização e a tendência  Notas
            A evolução dos conceitos e dos  para o zero naval.                  (1) Command, Control, Communications, Com-
          teatros de operações nos últimos anos  A força anfíbia aqui preconizada  puters, Intelligence, Surveillance, Reconnaissance


         4 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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