Page 78 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA




                                   Capacidades,


               Virtualidades e Necessidades



                s Estados Unidos da América, para  país, no curto e mesmo médio prazo. Sem  financeiros impostos, prevaleceu o sistema
                surpresa de alguns, adoptaram re-  oponentes assumidos não é realizável a  de força naval com carácter minimalista.
          Ocentemente (Quadrennial Defense  apreciação de intenções e muito menos o  Daqui se conclui que a componente naval
          Review, 30 SET 2001) o modelo de planea-  cálculo analítico de possibilidades relativas.  do sistema de forças nacional foi concebida
          mento de forças com base em capacidades,  Por outro lado, se forem construídos cená-  utilizando o método baseado em capaci-
          abandonando em consequência o método  rios muito ousados ou de probabilidade  dades e orientado para as missões, sendo
          baseado na ameaça. À primeira vista pode  remota haverá que planear para contrariar a  todavia restringido ao mínimo possível face
          pensar-se que tal opção decorre dos aconte-  hipótese mais gravosa (worst case) o que  às disponibilidades de financiamento.
          cimentos de 11 SET passado. Mas não é  implica inevitavelmente requisitos de forças  As virtualidades da abordagem por
          exactamente assim. Com efeito, o citado  completamente irrealistas para os recursos  capacidades são muitas e variadas.  Selec-
          documento refere que a viragem conceptual  disponíveis.              cionando apenas algumas das mais impor-
          vinha sendo desenvolvida há bastante  A abordagem por capacidades é especial-  tantes podemos começar pela transparência.
          tempo e os eventos terroristas que abalaram  mente útil quando as ameaças são incertas,  As missões e as restrições ligadas às capaci-
          a superpotência apenas confirmaram a  difusas e de natureza muito variada. Isto  dades são públicas, discutindo-se também
          necessidade da mudança. De outro modo,  porque o ênfase não é colocado na identifi-  de forma aberta os níveis de meios e o
          não seria possível estudar, aprovar e fazer  cação de adversários específicos (“quem”)  racional de cálculo. Em contraposição, os
          publicar uma reformulação de defesa tão  nem no factor tempo (“quando”), mas sim  cenários de ameaça são sempre reservados e
          elaborada, em menos de 20 dias.   noutros elementos, designadamente no  geram desconfiança nas pessoas que os não
            A Marinha portuguesa vem assumindo a  “como” os antagonistas poderão hostilizar.  conhecem em profundidade.
          abordagem por capacidades pelo menos  Assim, dentro da abordagem por capacida-  Um outro aspecto, essencial para as
          desde o início dos anos 90, conforme se  des concebem-se duas variantes: uma orien-  Marinhas, prende-se com a composição re-
          demonstra por documentação e legislação  tada para as missões e outra para os recur-  lativa dos meios a adquirir. Se o leque de
          entretanto publicada e mormente pela leitu-  sos. No primeiro caso relevam as missões  missões for amplo, como é o nosso caso,
          ra da primeira versão do estudo “Contri-  que estiverem definidas para as FA e no  torna-se vantajoso apostar numa configu-
          butos para o Planeamento de Forças da  segundo caso os recursos disponíveis para  ração equilibrada do sistema de forças, o
          Marinha”. Na segunda versão, datada de  as equipar. O dimensionamento dos meios  que implica preferir capacidades diversifi-
          Junho de 1998, o assunto foi aprofundado,  requeridos deduz-se, conforme a orientação  cadas, embora de menor potencial, em vez
          quer no plano teórico, quer na sua aplicação  preferida, da eficácia exigida para desempe-  de robustecer uma ou duas capacidades,
          prática ao dimensionamento do sistema de  nhar as missões estabelecidas ou dos cons-  ficando a zero nas restantes. Um sistema de
          forças naval. Abrindo um parêntesis, diga-se  trangimentos financeiros, procurando, neste  forças naval desequilibrado nas suas
          que o conteúdo e o alcance destes estudos  caso, a optimização do sistema de forças no  capacidades serve um espectro de missões
          vai muito para além das concepções de  quadro das disponibilidades. Na prática,  muito estreito. A diversificação oferece
          planeamento de forças, porque integra  salvo condições especiais, existe sempre  ainda a vantagem, mais importante quan-
          todos os elementos necessários para que as  alguma escassez de recursos, pelo que se  do a riqueza não abunda, de permitir a atri-
          entidades competentes possam tomar de-  pode afirmar que a congregação das duas  buição às Marinhas da quase totalidade das
          cisões, em tempo oportuno, sobre a Marinha  variantes é uma constante. Registe-se ainda  missões de serviço público relativas ao mar,
          que Portugal pode ter.            que, apesar de se afastar a ameaça como  o que melhora substancialmente o binómio
            Regressando ao tema principal, em que  base da lógica subjacente à edificação de  custo/eficácia, pois evita a duplicação de
          consiste afinal a metodologia de planeamen-  forças, não será avisado esquecer totalmente  recursos, quer operativos, quer estruturais.
          to de forças baseada em capacidades?   as potenciais ameaças. Esse aspecto deverá  As capacidades são alimentadas por
            Dos vários esquemas de raciocínio que  estar reflectido na criteriosa definição das  meios e proporcionam a execução de múlti-
          são conhecidos merece crescente aceitação a  missões a partir dos conceitos estratégicos  plas missões, ou seja, uma determinada
          teoria que, em termos muito sintéticos, con-  aprovados, tendo presente as capacidades  capacidade, por exemplo a capacidade
          sidera duas grandes alternativas: uma com  oponíveis, mas não constitui o alicerce do  oceânica de superfície, serve um número
          base na ameaça, outra em função de capaci-  racional perfilhado.     significativo de missões específicas das FA,
          dades. Quando se pensa essencialmente na  No caso da Marinha portuguesa foram  conforme consta no Sistema de Forças
          ameaça o principal propósito é anular ou  reconhecidos, através de estudo exaustivo  Nacional (SFN 97) aprovado. Assim, tor-
          derrotar o/s oponente/s.  Há então que  projectado no longo prazo, três níveis de  nam-se evidentes as missões afectadas pela
          imaginar cenários e deduzir as forças para  dimensionamento do seu sistema de forças:  falta ou deficiência em qualquer capaci-
          fazer face às contingências possíveis.  o conjunto de meios tido como necessários  dade. Também são claras as consequências
          Contudo, na actualidade, não estão identifi-  para executar as missões com grande eficá-  de não manter continuamente as capaci-
          cados estados, coligações ou unidades políti-  cia, o conjunto de meios desejáveis para  dades preenchidas com os meios anteci-
          cas que possam constituir ameaças militares  desempenhar as missões com vulnerabili-  padamente determinados.
          directas à NATO ou aos seus membros.  dades de reduzida expressão e o conjunto de  Finalmente, valerá a pena extrair algo
          Aplicando esta constatação a Portugal  meios que proporcionam uma eficácia míni-  que nos ajude a pensar nas necessidades.
          admite-se a falta de credibilidade política de  ma, aceitando portanto vulnerabilidades  Para isso é preciso ter em conta que as
          qualquer cenário de cariz ameaçador para o  importantes. Face aos constrangimentos  capacidades podem ser visualizadas de


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