Page 141 - Revista da Armada
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com profundo desespero. E nesse momen-  E continuei, enquanto ele, quedo e sério,  do e louco, que ouve os sons nocturnos,
         to, houve silêncio, também em mim. Um  me ouvia:                      que se libertam dos corredores sombrios e
         eco profundo, naquele deserto em que   - E pior que a morte, será certamente a  enfermarias solitárias, onde muitos calaram
         muitas vezes me encontro e me sei reco-  morte do amor e da amizade, porque sem  o seu sentir. São esses, que me inspiram
         nhecer, de tanta viagem feita…     amor não há vida e ainda que respiremos,  – talvez por isso muitas destas páginas
           A resposta nasceu escorreita, pois está  já estamos mortos. Por isso, tens aqui um  cheiram a lágrimas e sabem a sal…
         naquele lugar de coisas seguras, que guar-  amigo, tens a tua mulher, tens – ainda – a   O meu amigo continua vivo. Quando
         do no cofre da alma, para abrir em dias  vida. Não morras antes de estares morto. E  vou visitá-lo recebe-me, com um sorriso
         frios – Sabes uma lágrima vale o mesmo  ri-te, ri-te o mais que puderes. Rir, mesmo  mais ou menos trocista dizendo:
         que o sorriso daquela criança, ranhosa,  contrariado, preenche a alma e expulsa a   - Doutor, tu és meio doido…
         que encontrei em Timor. O valor de uma  morte egoísta, que nos escraviza o ser.  A que eu respondo no mesmo tom:
         lágrima é igual ao sentir do pôr-do-sol,   Finalmente, calei-me. Ele ficou no seu   - Pois é, dantes havia, no Hospital da
         em dias de veraneio, na falésia do teu  leito e também não disse mais nada. Aper-  Marinha, a 8ª Enfermaria para resolver
         contentamento. O valor de uma lágrima é  tei-lhe a mão e saí.         problemas como eu, agora só se escreveres
         sensivelmente igual ao sentir do primeiro   Na verdade, sentirá o leitor anónimo,  à Direcção…
         beijo, numa mulher, do qual só às vezes  a morte, a vida, a doença e o amor são   Ainda cá estou – dizia ele, na última
         te lembras. O valor de uma lágrima é,  páginas de um mesmo livro, que nós não  visita que lhe fiz, entre as náuseas da tera-
         estou certo, igual ao silêncio do homem  escrevemos. Podemos, isso sim, lê-lo com  pêutica. E eu espero que por cá fique muito
         que vai entrar em batalha, é igual ao som  altivez, com dignidade, no bom e no mau,  tempo. A Marinha terá nele, uma melhor
         rouco e profundo do cantor no refrão triste  na aflição e na bonança. Cada lágrima  pessoa e um ainda melhor Oficial…E pode
         da sua vida. As lágrimas, não têm preço e  contém tudo isto, pois se lágrima é sofri-  agora - também ele com convicção - expli-
         são a coisa mais valiosa do mundo. Não  mento, também é alívio. Contém – neste  car a quem o quiser ouvir, o valor das suas
         fazem ruído e podem ser muito ruidosas.  sentido – todos os ingredientes que fazem  lágrimas e do seu padecer
         Podem ser medo, mas muitas vezes são  a vida.                                                         Z
         coragem…                             E eu sou, certamente, um ser meditabun-                       Doc.




            Poesia





                      Poemas de Mar, Ar e Vento


                                                   A Barra







         Apitos secos, vozes, ansiedade...                    Era todo um sentir distinto, suave como o veludo,
         Chegar aquela ilha, após vinte dias de solidão.      um misto de ansiedade e desejo, parco de palavras, rico de emoções.


         O céu de um azul preto, pesado de emoções,
         prometia a tempestade que o nosso coração sentia.    Já se adivinhava o molhe na distância,
                                                              crescendo no estranho silêncio que me invadia.
         Começou a pingar. Devagar primeiro, grossos pingos, depois depressa,
         como num pranto de dores antigas, pesadas.
                                                              E, lentamente, muito lentamente, uma alegria foi crescendo em mim,
                                                              na exacta medida em que a terra crescia.
         O mar permanecia plano, como um espelho - enganador,
         reflectia faces jovens, plenas da esperança, que a chegada arrasta.

                                                              Só então, no preciso momento em que passámos a Barra, percebi:
         Um grumete, no castelo, tinha perdido o pescoço.     não era o navio, o vento, o mar, a chuva...
         Encolhido no capote escuro, sorria...


         Outros, estranhamente apáticos, olhavam por cima de si próprios,  ... é a vida que é assim -  partir ou chegar,
         para um ponto no vazio, da própria alma.             sorrir ou chorar...



                                                      O VIAJANTE
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2003  31
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