Page 213 - Revista da Armada
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que, afável e sorridente, nos recebeu e fez  gumas moedas, trouxeram para casa bonés,  nossas relações do dia-a-dia, pois muitas
         questão de acompanhar pessoalmente num  gorros soviéticos e mesmo máquinas foto-  vezes colocamos de parte pessoas que apa-
         “giro” pelo veleiro. Confidenciou-nos que,  gráficas de modelo oriental?!). E garanto  rentam um carácter mais introvertido sem
         de facto, não estavam muito habituados a  que vi russos e portugueses, cada um na  lhes darmos, ao menos, uma oportunidade
         receber visitas e que, uma vez que se en-  sua língua, a travar extensos diálogos (não  de se revelarem.
         contravam num porto ocidental e, portanto,  dizem os povos de expressão anglo-saxó-  Ainda hoje guardo na memória a imagem
         hostil, a guarnição não tinha licença para ir a  nica que os dois idiomas têm grandes se-  de uma banda a tocar, em nossa honra, no
         terra. Quando saímos, ofereceu-nos algumas  melhanças fonéticas? Muitas mais terão ao  convés do Tovarish, no dia em que largámos
         lembranças. Agradecemos e manifestámos o  fim de duas ou três cervejas!). É, de facto,  de Marselha. Despedida tão bela como essa
         desejo de retribuir a hospitalidade.  incrível ver como um pouco de simpatia  só viria a encontrar nove anos depois quando,
           Outras visitas se seguiram à nossa e, dali  quebra o “gelo” inicial e transforma pessoas  após termos desembarcado no porto da Praia
         a pouco, eram os próprios cadetes sovié-  aparentemente reservadas em verdadeiros  várias centenas de refugiados da guerra civil
         ticos que, vencida a timidez inicial, toma-  poços de exuberância. Sei que é verdade  na Guiné-Bissau e ao iniciarmos o regresso ao
         vam a iniciativa de se deslocar à “Sagres”.  porque estava lá e vi. E quem quer que,  teatro de operações, partiu de um grupo de
         Não eram, ainda, passadas vinte e quatro  como eu, lá tenha estado, naquele dia,  populares no cais uma exclamação em jeito de
         horas desde o primeiro contacto quando  sabe, com toda a certeza, que a descrição  bênção: “Deus convosco, que vocês merecem
         nos reunimos todos na nossa câmara de  do carácter do povo russo feita naquela  tudo!”. Mas isso já é outra história...
         cadetes para uma valente patuscada, com  revista americana é não apenas falsa mas                     Z
         copos, petiscos, música e muitas trocas de  moldada por ideias preconcebidas. Pudés-        J. Moreira Silva
         lembranças (quantos de nós, a troco de al-  semos nós aplicar este caso particular às               1TEN



                                               BIBLIOGRAFIA


                                        “Força do Vento”
                                        “Força do Vento”

                           Livro Sobre os Bacalhoeiros
                           Livro Sobre os Bacalhoeiros


               o passado dia 17 de Maio a bor-                                     à fase da confecção dos panos, consultei
               do do navio de treino de mar                                        alguns livros na expectativa de encontrar
         N“Creoula”, atracado no Cais dos                                          informação acerca deste assunto mas não
         Bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré, em                                    encontrei referências detalhadas.
         Ílhavo, foi apresentado o livro “Força do                                   Foi nesta ocasião, que me passou pela
         Vento”, um exaustivo e inédito estudo sobre                               mente a ideia de começar a escrever o que
         a confecção do velame das embarcações                                     ainda recordava, da forma como sempre
         que participaram na epopeia da pesca do                                   tinha visto executar estes trabalhos, pelas
         bacalhau, editado pela Comissão Cultural                                  mãos dos marinheiros dos navios de vela
         da Marinha (CCM) em conjunto com o                                        em que embarquei, durante a minha longa
         Grupo de Amigos do Museu Marítimo de                                      passagem pela pesca do bacalhau.
         Ílhavo e da autoria do Capitão da Marinha                                   Descreveu depois o modo como está
         Mercante António Marques da Silva.                                        estruturado o seu estudo e declarou: Foi
           Perante numerosa assistência na qual                                    minha vontade recordar uma arte que ain-
         se incluíam as principais individualida-                                                da tive o privilégio de
         des locais, nomeadamente o presidente                                                   conhecer e deixar um
         da respectiva autarquia, o CALM Leiria                                                  testemunho de respei-
         Pinto, iniciou a cerimónia referindo-se à                                               to e admiração, pelos
         biografia do autor da obra.                                                              profissionais do mar
           Salientou a ligação sentimental do                                                    que com tanto saber
         Capitão Marques da Silva ao “Creoula”,                                                  e humildade a execu-
         onde esteve embarcado como piloto,                                                      taram. Por esta razão
         imediato e comandante e a sua brilhan-                                                  me propus registar o
         te carreira que incluiu 27 anos passa-                                                  que aprendi e deixar
         dos no mar, 20 dos quais nas campa-                                                     o mais pormenorizado
         nhas do bacalhau, além do “Creoula”                                                     possível esse registo,
         prestou serviço no “Gazela Primeiro”                                                    de forma a que pos-
         e no “Argus” e nos restantes anos no cargo  seus trabalhos na âmbito das Le-            sa ser consultado, por
         de comandante de navios da ECONAVE, ten-  tras. Concluindo as suas palavras,            quem mais tarde tiver
         do ascendido às funções de superintendente  o CALM Leiria Pinto, na qualidade           a curiosidade de saber
         da empresa. Supervisionou a adaptação do  de Presidente da CCM, formulou                como estes trabalhos
         “Creoula” a navio-escola e exerceu as fun-  o desejo de no futuro a Comissão            se executavam.
         ções de professor na Escola Náutica Infante  possa publicar mais obras deste autor.  Ao finalizar as suas palavras agradeceu os
         D. Henrique. Foi também sublinhada a sua   Seguidamente o Capitão Marques da Silva  apoios recebidos e manifestou a sua comoção por
         actividade não só como modelista naval, com  reportando-se à génese da sua obra afirmou:  o evento ter decorrido a bordo do “Creoula”.
         obras expostas em museus e premiadas em  Ao terminar a construção de um dos meus mo-                  Z
         concursos de artes plásticas, como também os  delos de embarcações de vela, quando cheguei   (Colaboração da Comissão Cultural da Marinha)
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