Page 217 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
50. O POLÍPTICO DE JÚLIO POMAR DO MUSEU DE MARINHA
A dispersão de territórios lusos por vários continentes obrigou Portugal a dispôr de uma notável frota
de navios mercantes para fazer o transporte de pessoas e bens entre esses espaços, constituindo como
que uma carreira das linhas de navegação portuguesas, tendo o meio aéreo só começado a interferir
neste sistema a partir da década de sessenta e essencialmente na movimentação de pessoas.
Assim circulava entre a metrópole e os territórios ultramarinos mercadoria de variadíssima ordem,
normalmente produtos acabados, alimentares como azeite e vinho, vestuário, calçado e muitos outros
relacionados com a vivência das populações embarcando os navios no regresso madeiras e matérias
primas, algodão, sisal, farinha de peixe, soja, coconote, copra, café, cacau e alguns minerais.
Havia também o transporte de pessoas, desde os importantes funcionários do Estado e das gran-
des companhias até aos emigrantes que já estavam estabelecidos ou se iam estabelecer nos vastos
territórios de além mar, verificando-se que, muitas vezes os funcionários aproveitavam estas via-
gens para gozar as suas licenças graciosas (licenças de longa duração após um largo período de
serviço), usufruindo assim de agradáveis cruzeiros marítimos.
Portugal possuía no início dos anos 60 uma importantíssima frota de navios onde se salientavam
os paquetes Infante Dom Henrique (23000t), Príncipe Perfeito (19000t), Vera Cruz (21000t), Santa Ma-
ria (21000t), Pátria (13000t), Império (13000t), Angola (13000t), Moçambique (13000t), Niassa (10500t),
Uige (10000t), Timor (7600t), Índia (7600t) e ainda o Funchal (9800t) para além de muitos navios mis-
tos e outros exclusivamente de carga geral.
Sublinhe-se que quase todos os principais navios de passageiros foram utilizados como transpor-
te de tropas durante a guerra do Ultramar e constituíram o elo vital no apoio logístico.
Para fazer face às viagens mais ou menos demoradas o problema da habitabilidade nos grandes
espaços, designadamente nos navios de maiores dimensões, era amenizado recorrendo a uma de-
coração de bom gosto, incorporando quase sempre obras de arte de grandes artistas nacionais.
Assim no Infante Dom Henrique, entre outras, podiam-se observar uma escultura do Infante
D. Henrique, obra do escultor Álvaro Brée, um painel em esmaltes de Ramos Chaves sob cartão
de Manuel Lapa e um políptico, constituído por quatro painéis, designado “Estaleiro de Naus”
de Júlio Pomar, que se situava no salão de música da 1ª classe.
Após este navio ter sido abatido à Marinha Mercante Nacional, as obras citadas foram deposi-
tadas no Museu de Marinha, tendo sido posteriormente adquiridas pela Marinha passando assim
a fazer parte do acervo do Museu.
Pela sua importância destacamos o políptico “Estaleiro de Naus”, constituído por quatro painéis
pintados a óleo sobre tela de 4,95x2,00m da autoria de Júlio Pomar e executado em 1960.
Júlio Pomar, um dos mais importantes artistas plásticos contemporâneos, representado em vá-
rios museus e galerias nacionais e estrangeiras, nasceu em Lisboa, em 1926, frequentou as Escolas
António Arroio e de Belas Artes de Lisboa e Porto, integrando em 1946 o movimento designado
por neo-realista que se estende até 1957, ano em que passa a incluir nas suas composições cenas
de caracter social, sendo o políptico em questão executado nesta época. Nas quatro telas estão
representadas duas naus em construção, envolvidas em andaimes e onde se consegue vislumbrar
vários operários a laborar. Apresentando de uma maneira geral tons escuros, foi uma obra execu-
tada segundo técnica gestual que caracterizou o artista neste período.
Esta belíssima composição de Júlio Pomar enriquece notavelmente a Secção de Construção
Naval do Museu, recorda a nossa Marinha Mercante e constitui uma das peças mais valiosas
do Museu de Marinha.
Museu de Marinha
(Texto de Luís Roque Martins, CALM EMQ –
– Director da Revista da Armada)