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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


                                        Peças para Recordar





                  50. O POLÍPTICO DE JÚLIO POMAR DO MUSEU DE MARINHA


                  A  dispersão de territórios lusos por vários continentes obrigou Portugal a dispôr de uma notável frota
                 de navios mercantes para fazer o transporte de pessoas e bens entre esses espaços, constituindo como
                 que uma carreira das linhas de navegação portuguesas, tendo o meio aéreo só começado a interferir
                 neste sistema a partir da década de sessenta e essencialmente na movimentação de pessoas.
                  Assim circulava entre a metrópole e os territórios ultramarinos mercadoria de variadíssima ordem,
                 normalmente produtos acabados, alimentares como azeite e vinho, vestuário, calçado e muitos outros
                 relacionados com a vivência das populações embarcando os navios no regresso madeiras e matérias
                 primas, algodão, sisal, farinha de peixe, soja, coconote, copra, café, cacau e alguns minerais.
                  Havia também o transporte de pessoas, desde os importantes funcionários do Estado e das gran-
                 des companhias até aos emigrantes que já estavam estabelecidos ou se iam estabelecer nos vastos
                 territórios de além mar, verificando-se que, muitas vezes os funcionários aproveitavam estas via-
                 gens  para gozar as suas licenças graciosas (licenças de longa duração após um largo período de
                 serviço), usufruindo assim de agradáveis cruzeiros marítimos.
                  Portugal possuía no início dos anos 60 uma importantíssima frota de navios onde se salientavam
                 os paquetes Infante Dom Henrique (23000t), Príncipe Perfeito (19000t), Vera Cruz (21000t), Santa Ma-
                 ria (21000t), Pátria (13000t), Império (13000t), Angola (13000t), Moçambique (13000t), Niassa (10500t),
                 Uige (10000t), Timor (7600t), Índia (7600t) e ainda o Funchal (9800t) para além de muitos navios mis-
                 tos e outros exclusivamente de carga geral.
                  Sublinhe-se que quase todos os principais navios de passageiros foram utilizados como transpor-
                 te de tropas durante a guerra do Ultramar e constituíram o elo vital no apoio logístico.
                  Para fazer face às viagens mais ou menos demoradas o problema da habitabilidade nos grandes
                 espaços, designadamente  nos navios de  maiores dimensões, era amenizado recorrendo a uma de-
                 coração de bom gosto, incorporando quase sempre obras de arte de grandes artistas nacionais.
                  Assim no Infante Dom Henrique, entre outras, podiam-se observar uma escultura do Infante
                 D. Henrique, obra do escultor Álvaro Brée, um painel em esmaltes de Ramos Chaves sob cartão
                 de Manuel Lapa e um políptico, constituído por quatro painéis, designado “Estaleiro de Naus”
                 de Júlio Pomar, que se situava no salão de música da 1ª classe.
                  Após este navio ter sido abatido à Marinha Mercante Nacional, as obras citadas foram deposi-
                 tadas no Museu de Marinha, tendo sido posteriormente adquiridas pela Marinha passando assim
                 a fazer parte do acervo do Museu.
                  Pela sua importância destacamos o políptico “Estaleiro de Naus”, constituído por quatro painéis
                 pintados a óleo sobre tela de 4,95x2,00m da autoria de Júlio Pomar e executado em 1960.
                  Júlio Pomar, um dos mais importantes artistas plásticos contemporâneos, representado em vá-
                 rios museus e galerias nacionais e estrangeiras, nasceu em Lisboa, em 1926, frequentou as Escolas
                 António Arroio e de Belas Artes de Lisboa e Porto, integrando em 1946 o movimento designado
                 por neo-realista que se estende até 1957, ano em que passa a incluir nas suas composições cenas
                 de caracter social, sendo o políptico em questão executado  nesta época. Nas quatro telas estão
                 representadas duas naus em construção, envolvidas em andaimes e onde se consegue vislumbrar
                 vários operários a laborar. Apresentando de uma maneira geral tons escuros, foi uma obra execu-
                 tada segundo técnica gestual que caracterizou o artista neste período.
                  Esta belíssima composição de Júlio Pomar enriquece notavelmente a Secção de Construção
                 Naval do Museu, recorda a nossa Marinha Mercante e constitui uma das peças mais valiosas
                 do Museu de Marinha.


                                                                  Museu de Marinha
                                                                 (Texto de Luís Roque Martins, CALM EMQ –
                                                                  – Director da Revista da Armada)
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