Page 208 - Revista da Armada
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Capitão de Mar e Guerra José Mendes Teodoro
          Capitão de Mar e Guerra José Mendes Teodoro

                                          Uma História Exemplar

              onheci o Teodoro em 1958. Eu tinha ido                           – e acabado o curso, os aprovados entravam na
              para a velha “SAGRES” como imediato                              classe de fuzileiros. E estes podiam concorrer ao
         Ce ele era o carpinteiro do navio.                                    Serviço Especial.
           As nossas funções obrigavam a um relaciona-                           Como voluntário, o Teodoro foi frequentar o
         mento frequente – o navio era velho, a limitação de                   curso de FZE – que era duro – e foi aprovado,
         avarias uma preocupação permanente e a oficina                         ingressando na nova classe. Já podia finalmente
         de carpintaria tinha sempre muito que fazer.                          concorrer ao Serviço Especial.
           Fiquei sabendo que o Teodoro entrara para a Ar-                       Concorreu ao primeiro que houve e em
         mada voluntariamente e tendo como habilitações a                      DEZ 66 era finalmente oficial.
         3ª classe da instrução primária. Pretendendo fazer                      Dessa data a AGO 89 percorreu os diversos
         carreira frequentara o curso de telegrafista, mas não                 postos, de STEN a CMG. Foi instrutor na Escola
         tinha o ouvido necessário para o Morse, que na altura                 de Fuzileiros, imediato de Companhias de Fuzi-
         era a pedra base das comunicações por rádio.                          leiros e do CEFA, chefe de Repartição na DIN,
           Mostrando a perseverança que sempre o havia                         chefe Serv. Gerais do G1EA, adjunto do Coman-
         de caracterizar, concorreu a carpinteiro, para o que                  do da Escola Naval. Em JAN 92 foi nomeado co-
         se encontrava perfeitamente habilitado. Passado o                     mandante da UAOACM, cargo que exerceu até
         período regulamentar foi promovido a sargento. À                      finais desse ano, quando passou antecipadamente
         sua custa e nas horas que o serviço deixava vagas                     à reforma a seu pedido.
         fez a 4ª classe. Depois, também à sua custa, fez  causa, concorrer à Escola do Exército, mas veri-  Na sua carreira militar, o Teodoro recebeu
         num ano o 1º e o 2º anos dos liceus, noutro ano  ficou que a tal disposição do regulamento desta  expressivos louvores, que testemunharam o seu
         fez o 3º, o 4º e o 5º e depois o 6º e o 7º.  tinha sido alterada recentemente – passara a apli-  empenhamento e dedicação ao serviço. Ainda
           Entretanto eu voltara à “SAGRES”, como co-  car-se aos sargentos do Exército e da Força Aérea,  arranjava tempo, como sempre fizera, par conti-
         mandante, e lá estava ele, sargento carpinteiro e  em exclusivo. Por detrás desta alteração estava  nuar a estudar e, no ano lectivo de 93-94 concluiu
         desejoso de fazer carreira pela Armada.  uma “zanga” entre os dois ministros, causada  o curso de engenheiro civil no Instituto Superior
           Foi comigo para a nova “SAGRES” e no úl-  pelo facto de um sargento da Armada, que fora  Técnico. Que frequentara, mais uma vez, à sua
         timo exame houve oportunidade de se lhe dar  devidamente autorizado a concorrer à Escola do  custa e sem prejuízo para o serviço.
         merecida ajuda. O dia do exame coincidia com  Exército – e entrara – ter sido declarado desertor   Diz o povo que querer é poder, e a história de
         a partida do navio para uma comissão de vários  no Ramo de origem. Sem consequências penais,  todos os dias está cheia de exemplos da veraci-
         meses. O navio saiu à hora prevista e o Teodoro  naturalmente. Por ali nada a fazer, portanto.  dade deste ditado – para aqueles que realmente
         ficou a fazer o seu exame. Foi embarcar na Praia   Acabara de ser criada a classe do Serviço Es-  querem. O Teodoro foi um deles.
         da Rocha, onde o esperávamos pairando ao fim  pecial, destinada a sargentos e praças com o 5º   Por motivo de doença, o comandante Teodo-
         da tarde. Foi recebido com aplausos quando su-  ano dos Liceus. Pensou pois que podia ir por ali  ro faleceu em 06OUT01. Razões circunstanciais
         biu a bordo. Tinha o 7º ano.       – até tinha mais habilitações do que as exigidas.  não me permitiram estar presente no seu funeral.
           Esta era a habilitação necessária na altura para  O concurso, em princípio, era extensivo a todas  Tê-lo-ia feito se tivesse podido.
         ingressar na Escola Naval. No Exército, uma dis-  as classes. Mas, por esquecimento talvez, não ti-  As palavras que escrevi são apenas a expressão
         posição legal permitia aos sargentos, com menos  nha sido incluída a classe de carpinteiros. Mais  sincera da minha admiração profunda e grande
         de 25 anos e com as habilitações académicas  uma vez o Teodoro ficava de fora.  amizade. Oxalá o exemplo dele possa servir de
         exigidas, concorrer em pé de igualdade com os   O seu caso, entretanto, tornara-se conhecido e  inspiração àqueles que, mais do que é comum,
         restantes candidatos. Bastaria que o Ministro da  a sua perseverança criara-lhe apoiantes. Um ami-  têm de enfrentar na vida dificuldades que a maio-
         Marinha promovesse a publicação de disposi-  go e camarada, ao tempo comandante dos Fuzi-  ria julgaria serem intransponíveis.
         ção idêntica para a Marinha. Sondado, este não  leiros veio com uma solução: a especialização   Não desistam. O Teodoro nunca desistiu.
         se mostrou disponível para o fazer, invocando  em fuzileiro-especial estava aberta aos voluntá-       Z
         exemplo similar anterior, pouco favorável.  rios de qualquer posto e classe que satisfizessem     S. Horta
           Procurou então o Teodoro, em desespero de  as condições – que eram essencialmente físicas        VALM


                  Honra ao Mérito - O Adeus da Marinha
                  Honra ao Mérito - O Adeus da Marinha

              erimónia da entrega, em 27MAR03 , pelo Almirante Chefe do Estado-
              -Maior da Armada, da Medalha Naval de Vasco da Gama ao Eng.º José
         CPedro Coelho Fernandes e ao Eng.º Eduardo Coelho Monteiro Fernandes,
         filhos do Dr. José Pedro Pereira Monteiro Fernandes, insigne Vogal da Comissão
         do Domínio Público Marítimo, a quem  esta condecoração foi atribuída, a títu-
         lo póstumo, pelos relevantes serviços prestados tendo contribuído de maneira
         saliente para o desenvolvimento da Comissão e para o prestígio da Marinha.
           Durante 52 anos, só interrompidos pelo seu falecimento, noticiado no
         nº 357 de SET/OUT02 desta Revista, o Dr. Monteiro Fernandes, antigo Di-
         rector-Geral do Património, foi vogal da CDPM com enorme dedicação e
         inigualável assiduidade, evidenciando excepcional competência e profi-
         ciência que permanecerão, como um exemplo e uma referência, na me-
         mória de todos os que  tiveram o privilégio de o conhecer.
                                                               Z

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