Page 315 - Revista da Armada
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Apresentação no Clube Militar Naval
Apresentação no Clube Militar Naval
do Livro “Homens em Fundo Azul Marinho”
do Livro “Homens em Fundo Azul Marinho”
o dia 29MAI03, ao fim da tarde, no Clube Militar Naval foi fei- mar, comandos inesperados para os jovens oficiais oriundos da Escola
ta a apresentação do Livro “Homens em Fundo Azul Marinho” Naval e até das Radionavais e uma maior valorização do papel dos sar-
Ndo Professor Moreira Freire. O autor foi apresentado pelo CMG gentos e praças.
Brito Subtil, o Prof. Doutor Firmino da Costa abordou a parte Sociológica Trata-se, no Cap.IV, do enredo e dos factores externos que condiciona-
do Livro, tendo antes o CMG Cyrne de Castro se referido à parte naval do ram a interacção do meio circundante da Armada e dos seus homens e das
texto da forma seguinte: acções/reacções que daí resultaram, no seio da Corporação. Com as novas
O autor, bem conhecido da maioria dos presentes, veio do Colégio Mili- tecnologias dos navios modificaram-se as relações homem-máquina, pois
tar, frequentou a Escola Naval entre 1960/64 integrando o Curso “Luís de os equipamentos de bordo passaram, com certa rapidez, de puramente
Camões” e, posteriormente, especializou-se em Artilharia, tendo embar- mecânicas a sucessivamente eléctricas e electrónicas.
cado em diversos navios. Afastou-se da Marinha devido a opções morais As condições financeiras do Estado e as mudanças estratégicas impos-
e ideológicas que são do foro íntimo de cada um e foi amnistiado em 1974. tas pelas campanhas do Ultramar obrigaram a mudanças sócio-culturais
Doutorou-se em 1988 na Universidade de Lisboa, sendo professor catedrá- e a ajustamentos indispensáveis entre as envolventes e a ossatura interna
tico no ISCTE, no Departamento de Sociologia. principal da Armada.
Passemos agora à parte naval da obra intitulada Citam-se os progressos verificados com a inte-
“Homens em Fundo Azul Marinha”, em cuja capa gração na NATO e, posteriormente, com a criação
se distingue, no fundo azul, aquilo que parecem ser dos Fuzileiros e da Reserva, Naval e Marítima, que
umas grades sombreadas. Quanto ao objectivo na- carrearam para a Armada elementos humanos de
val do ensaio – a Armada nos meados do Séc. XX indiscutível valor que muito enriqueceram a Cor-
– isso coincide praticamente com uma parte signi- poração, tendo alguns deles optado pela carreira
ficativa dos 50 anos da minha carreira naval como naval, aproveitando as mudanças de quadros que
aviador e oficial de Marinha. a dinâmica social impôs.
O autor principia por considerar a Armada, na Não deixou o autor de abordar a erupção incon-
generalidade, quer como Corporação Profissional trolável da juventude por ocasião de Maio de 1968
(com ritos, símbolos, tradições, usos e costumes), (em França) e das consequências que não deixou
quer como ramo das F. A. (logo, órgão do Estado), de provocar em Portugal, onde se passou a discutir
quer ainda como Organização Empresarial (sujeita mais abertamente certo tipo de problemas como a
então à sociologia das organizações e do trabalho). descolonização, as liberdades públicas e as ideias
A obra, na sua globalidade, pode ser-talvez-dividi- democráticas, factores estes aos quais a Armada
da em quatro partes fundamentais: os Homens; o não estava certamente impermeável.
Navio e o Mar; o Enredo (os envolventes) e, final- O Professor Freire divide, por fim, as suas con-
mente, os Objectivos e os Valores. Os primeiros dois clusões em antropológicas (que constituem o
capítulos respeitam de facto aos Homens, abordan- Cap.V) e sociológicas que são as últimas seis pá-
do o seu recrutamento, aprendizagem, aquisição de ginas do texto).
referências e valores comuns (e daí a sua integração Nas primeiras aborda os fins da Corporação e a
num “corpo”, conjunto humano da Marinha, a Corporação), as suas pra- sua estética, fazendo comentários analíticos sobre os objectivos da institui-
xes, linguagem, fardamento, rituais tradicionais que se mantêm e passam ção naval e dos seus valores de referência, onde o autor ainda continua a
de geração em geração e, ainda, as diferenças em relação aos universitários ver a honra, a hostilidade, a lealdade, o espírito de aventura, a heroicidade
da mesma idade e aos cadetes dos restantes ramos das F. A. e o brio (“talant de bien faire”), conjunto este de valores estéticos que o au-
O autor discute ainda se a Armada se estruturaria nesse tempo em um tor julga ainda marcados por um certo romantismo.
corpo (oficiais) ou mesmo em dois corpos (oficiais, sargentos/praças), Em apreciação final, julga-se que o texto em apreço remeta, em parte, da
une as suas categorias hierárquicas, punições e recompensas, analisando experiência do próprio autor – muito possivelmente doloroso em certos
as principais origens sociais de ambos os corpos e a sua participação e ac- aspectos! – numerosas leituras e conversas, ainda, uma investigação do-
ção colectiva dentro da Corporação. Afirmou que, atendendo à evolução cumental e bibliográfica de público acesso. Constitui uma síntese analítica
em curso do ensino obrigatório em que todo o cidadão ficará habilitado da nossa Armada na 2ª metade do Séc. XX, sem quaisquer objectivos de
com 12 anos de estudos, será de prever que, num futuro próximo, as pra- índole académica e suficientemente distanciada das paixões semelhantes
ças se encontrem habilitadas desta forma e daí passemos a dispor talvez aos acontecimentos citados. Abrange um passado recente, partilhado por
não de dois corpos mas sim de três, tanto mais que já existem, para outros muita gente ainda felizmente viva, que pode vir a interessar futuros escri-
fins, o CMN, o CSA e o CPA. O navio e o mar são analisados no Cap.III, tores deste período da vida nacional.
abordando-se as características mais notáveis da vida de embarcado num Apresenta uma organização e sistematização de fácil leitura e compreensão,
navio que tanto se distancia da vida normal em terra. tendo o texto, nas palavras do autor, esperado 10 anos para ser publicado.
O autor discute a acção humana nos espaços confináveis e estáveis, ci- Porquê tanto tempo?
tando a tese de doutoramento do Cte. Almeida Cavaco sobre as relações - Pela intencionalidade científica da perfeição?
humanas a bordo dos navios mercantes e comparando depois as diferen- - Por procurar distanciamento psicológico?
ças entre os dias no mar e os dias em terra, passando seguidamente para os Mas o homem é apaixonado e tem sentimentos
aspectos mais salientes do combate naval, abordando-se as suas diferenças - Por tentativa temporal de imparcialidade?
em relação ao combate terrestre e a sua permanente proximidade com Mas existem tensões interpessoais e fidelidades intergrupais
situações de risco marítimo inerentes aos vencedores e aos vencidos. Ou por todas elas?
A ponta final deste capítulo estuda, a integração na Armada dos cha- Acredito que o Professor Freire tudo tenha tentado para ser imparcial.
mados “navios novos” que pelas suas características inovadoras obriga- Se o conseguiu ou não... compete aos leitores decidir.
ram a grandes modificações em certos hábitos (por exemplo, o rancho Z
único), além de melhorias em certos aspectos da habitabilidade e das J. Cyrne de Castro
comunicações, proporcionando com o desenrolar da guerra no Ultra- CMG
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2003 25