Page 99 - Revista da Armada
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Operação “PRESTIGE”
Operação “PRESTIGE”
Questões Jurídicas
Questões Jurídicas
caso “PRESTIGE” envolveu um navio) e num tipo penal concernente a Especificamente, no caso do armador,
quadro complexo de preocu- crime ecológico. Não se tem conheci- terá alguma importância a forma como
O pações e intervenções, das quais mento de dados jurídicos mais concretos lhe foi indiciada a saída de águas territo-
já foram apreciadas, em número anteri- em relação a esta questão. riais espanholas e a questão relativa à
or, as questões relativas à actuação do 5. Terá sido nesta fase que a SMIT sociedade classificadora, elementos que
CN, do IH, e às acções mais relevantes TAK – uma empresa de nível interna- têm o seu peso ponderado em termos de
no âmbito da DGAM. Subsistem as pro- cional altamente especializada em mis- responsabilidade do armador (e do
blemáticas jurídicas, que abraçaram sões de salvamento (salvage) de navios - capitão).
todo o evoluir da situação. É delas que interveio, eventualmente tendo subscrito 2. Complementarmente, haveria que
se tratará no presente comentário. com o armador uma cláusula contratual analisar qual o envolvimento dos Estados
que implicava um procedimento jurídi- onde se situam o porto de origem do navio
OS FACTOS E AS LINHAS DE co de tipo no cure no pay, assumindo, – Letónia - e mesmo o de destino. Sendo
ACTUAÇÃO então, a missão de salvamento da algum deles Estado integrante da União
plataforma. Europeia, encontra-se este obrigado ao
– Apurando, apenas, os elementos que 6. O “PRESTIGE” é um navio mono- esquema jurídico e técnico das inspecções
poderão contribuir para uma análise da casco, sabendo-se que a obrigatoriedade do PORT STATE CONTROL (Controlo de
questão sub judice, dir-se-á: de utilização de casco duplo, já definida Navios pelo Estado do Porto), estabelecido
em termos comunitários, só entrará em a nível comunitário, entre outras, pela
1. Ao que se sabe, o navio terá tido os vigor daqui a alguns anos, devendo os Directiva nº 95/217CE, do Conselho, de
primeiros sintomas de avaria – já estaria navios de casco simples ser retirados da 19JUN, e Directiva nº 96/40/CE, da
adornado e já com início de derrame -, navegação em 2015, matéria que, como Comissão, de 25JUN. Neste aspecto, a
a poucas milhas (4,5) da costa da é sabido, reassumiu importância acresci- questão que se coloca é se o navio era
Galiza, existindo informações, não con- da e que será, eventualmente, objecto substandard, isto é, se não cumpria os nor-
firmadas, que ainda teria sido possível de alteração, designadamente no sentido mativos internacionais estabelecidos, fun-
encontrar uma solução de abrigo para o - já publicamente defendido por alguns damentalmente, pelas convenções da
petroleiro a fim de executar operações países - da antecipação daquele prazo- International Maritime Organization
de trasfega, uma vez que na área exis- -limite. (IMO), na sua essência a SOLAS e a
tem águas profundas que o permitiriam. 7. Existem informações, algo dispares, MARPOL 73/78. A título de complemen-
O Estado espanhol, visivelmente, enca- as quais revelam que o navio foi objecto to, refira-se que tal regime se encontra em
rou tal possibilidade de outra forma. de reparações recentes, bem como exis- vigor para Portugal desde a entrada em
2. Quando o derrame assumiu pro- tem elementos que nos apontam para vigor do Decreto-lei nº 195/98, de 10JUL.
porções maiores, as autoridades de que a última inspecção terá ocorrido, em 3. Neste entrosamento, aliás, os proce-
Espanha terão ordenado a saída do St. Petersburgo, em Outubro de 2002. dimentos adoptados pelos Estados do
navio – versão não confirmada, embora 8. A bandeira com que o navio nave- porto podem, inclusivé, implicar a
existam indicações que foram publici- gava - BAHAMAS -, é, usualmente, consi- detenção do navio, obrigando-o às
tadas, no sentido de ao navio ter sido derada como bandeira de conveniência, reparações tidas como tecnicamente ade-
indicada uma rota para Sul - para fora isto é, uma bandeira que assume requisi- quadas e necessárias a uma navegação
das proximidades da costa espanhola tos e condições ao nível técnico e inspec- segura. É nesta vertente que assumirá
(uma vez que lhe recusaram a entrada tivo com graus de exigência diferenciados alguma preponderância a questão da
em porto espanhol), não lhe determinan- em relação a registos convencionais. reparação efectuada, e bem assim as
do, ao que se sabe, uma rota de nave- inspecções realizadas.
gação precisa. – Atenta a exiguidade do espaço dis- 4. Não é despiciendo considerar,
3. Relativamente ao quadro de ilícitos, ponível para se aferir uma questão de especulando sobre os dados conhecidos,
sublinha-se, desde logo, o facto algo enorme envolvente jurídica como a pre- que a actuação do Estado espanhol
notório da condição estrutural do navio sente, sistematizam-se, da seguinte poderia ter assumido uma outra configu-
(pela idade e pela situação de manu- forma, os pólos principais da apreciação ração, tendo que se efectuar, contudo,
tenção em que este se encontrava) ser quanto à responsabilidade: desde logo, uma análise de propor-
de alguma precariedade, o que fará cionalidade: se, por um lado, uma área
pressupor responsabilidade do armador 1. Avaliando os elementos de facto bastante abrangente das costas da Galiza
(e, eventualmente, do próprio capitão). supra descritos, entre outros, tem que ser é detentora de uma classificação em ter-
4. O navio ficou sem a sua tripulação aferida, desde logo a questão da respon- mos ambientais (zona ambiental protegi-
(supostamente também devido a razões sabilidade. Esta será, sempre, por princí- da, ou equivalente - Rede Natura), a
de segurança, e por operação SAR), pio, atribuível ao proprietário/armador (no apreciação que se fez da ameaça teria,
tendo o capitão sido posteriormente caso de nacionalidade grega), e, eventual- sempre, que ter tido em conta os perigos
detido pelas autoridades espanholas. mente, ao Estado de bandeira (Flag State), de ocorrência de danos bastante mais
Presumivelmente, terá sido efectuada confirmada que pudesse ser a imputação vultuosos, uma vez que a determinação
incriminação do foro penal com base de algum comportamento emergente rela- para o navio se afastar da costa, nas
em desobediência (por recusa de cola- tivamente às suas obrigações de Flag State condições em que este se encontrava
boração na passagem de cabos ao (FS), designadamente de cariz negligente. equivaleria, no limite, a indiciar o seu
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2003 25