Page 258 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO DIA
A Direcção de Navios
e os Novos Desafios da Marinha
á exactamente 10 anos atrás, no qualquer bem de equipamento) é usual sem ela noutros casos, de transportar e
âmbito da revisão da Lei Orgâ- recorrer-se à metáfora dos organismos reabastecer o helicóptero com munições
Hnica da Marinha, foi definida vivos: uns como outros passam pelas e combustível ou apenas de o receber
uma nova arquitectura para a organiza- fases de concepção, de obtenção, cons- temporariamente.
ção da logística do Material deste ramo trução, de manutenção e de abate. E uns Os conceitos das operações militares
das Forças Armadas. O factor inovador como outros carecem de cuidados e de navais estão em permanente evolução,
teve tanto de simples como de signifi- atenções permanentes, umas vezes de suscitada pelo acelerado ritmo de mu-
cativo, consistindo na integração num natureza preventiva, outras de nature- dança nas relações entre Estados, nações
único elemento orgânico – a Direcção za correctiva, capazes de repor as con- e grupos em conflito, envolvendo áreas
de Navios (DN) – das responsabilida- dições de funcionamento especificadas. geográficas vastas e dispersas e elemen-
des integrais pelo Navio (1), abrangen- Um Navio é uma estrutura concebida tos tão incertos e fluidos como sejam as
do também as Unidades Auxiliares de para permanecer e operar no mar du- etnias, os recursos económicos ou as es-
Marinha (2) e os sistemas baseados em rante períodos de tempo mais ou me- calas sociais. Emerge, em consequência
terra que possuam afinidades tecnoló- nos longos, mas de uma forma autóno- e entre outros factores, a questão da co-
gicas e de sustentação logística com os ma, independentemente de se encontrar municação entre os agentes humanos e
que operam a bordo. próximo ou afastado das suas bases de materiais de comando e controlo das
A DN, então criada, herdou o patrimó- apoio ou de simples portos comerciais. plataformas navais, que tem que ser
nio material e humano, bem como a não Desta singela condição decorre, desde permanente e de banda larga, propi-
menos importante Cultura detida pelos logo, o envolvimento de uma multi- ciando a troca em tempo real de voz,
organismos então extintos: a Direcção- plicidade de disciplinas da engenharia dados e imagem, entre plataformas na-
-Geral do Material Naval, as Direcções (4): estruturas, mecânica, electrotecnia, vais, terrestres e aéreas. Esta é uma das
de Serviço de Construções e de Manu- electrónica, materiais, aeronáutica, in- áreas de projecto e operação dos navios
tenção e o Gabinete de Estudos. formática e até a engenharia do ambien- de maior relevância nos tempos moder-
A partir de então cabe à DN ocupar- te (5), são ciências sempre presentes. A nos, materializando o conceito de “net-
-se da engenharia do Navio ao longo de Higiene e Segurança no Trabalho e a work centric warfare”, em designação
todo o seu ciclo de vida e da globalidade Ergonomia são igualmente preocupa- popularizada por um teorizador mili-
das tecnologias envolvidas. Não o faz, ções da DN, desde cedo incorporadas tar americano.
naturalmente, de uma forma isolada. nas soluções de projecto, como factores De tudo isto se ocupa a DN, procu-
Com efeito, o modelo utilizado, que per- da indispensável atenção que se impõe, rando garantir a construção ou aquisi-
siste há já umas largas dezenas de anos, de modo crescente, prestar ao factor hu- ção, e a futura sustentação (com o con-
assenta numa lógica de partilha triangu- mano a bordo. tributo dos dois outros organismos já
lar de tarefas logísticas: a DN ocupa-se O mar é um ambiente hostil, que fre- referidos, com os quais opera na lógica
da engenharia do Navio e de tudo quan- quentemente exige às estruturas flu- da “logística triangular”) de sistemas
to respeita ao seu primeiro armamento tuantes esforços extremos. Em paralelo, de elevada capacidade e complexidade
(3), a Direcção de Abastecimento trata do é necessário atender à natureza agressi- tecno lógica.
aprovisionamento de – entre outros bens va tanto do meio líquido em si como da A acção futura da DN terá que ser ali-
– tudo quanto se relacione com o suporte atmosfera marinha que rodeia o navio, nhada pela evolução da tipologia dos
de vida do Navio ou a sua manutenção, tudo requerendo cuidados de concepção meios navais, bem como da doutrina e
o Arsenal do Alfeite encarrega-se do pro- inicial e de manutenção continuada ao dos princípios da Logística, ambas de-
jecto – quando necessário – e da manu- longo do ciclo de vida. terminadas pela mudança verificada nas
tenção dos meios navais flutuantes, bem Mas um Navio da Marinha é também operações navais, que se adivinha venha
como da sua construção nos casos que se um activo militar, uma plataforma que a prosseguir em ritmo acelerado.
ajustem às suas capacidades e às neces- transporta as armas e os sensores dedi- Um dos novos paradigmas relativos
sidades da Marinha. À DN, nesta espe- cados à identificação dos alvos e ao guia- à arquitectura dos navios está associa-
cial relação entre três organismos distin- mento dos projécteis até eles. Determi- do à incerteza quanto aos ambientes e
tos, cabe ainda desempenhar o papel de nada categoria de Navios, entre os quais cenários de utilização dos meios navais,
regulador funcional, contribuindo para se incluem as fragatas da classe Vasco bem como ao seu elevado custo de ob-
o grande objectivo de assegurar que os da Gama, as futuras fragatas a transferir tenção: ambos os factores acentuarão a
navios que o país confia à Marinha estão da Marinha dos EUA, os Navios Patru- tendência no sentido da sua polivalên-
em condições de cumprir as missões que lhas Oceânicos (NPO) presentemente em cia, traduzida na acumulação de capa-
lhes cabem, dentro de critérios aceitáveis fase de construção e o Navio Polivalente cidades antes dispersas por unidades
de prontidão e custo-eficácia. Logístico, ainda em projecto, constituem especializadas (v.g. MCM, ASW, AAW,
Para descrever o ciclo de vida de um também plataformas para operação de ASUW (6), de apoio a operações de bai-
Navio (ou mais genericamente de um helicópteros com capacidade nuns casos, xa intensidade). Existem já algumas so-
4 AGOSTO 2004 U REVISTA DA ARMADA