Page 281 - Revista da Armada
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ESTÓRIAS – 7



                                    O CARINHAS
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              pesar de jogar com regularidade no
              totoloto e às vezes na lotaria, sempre
         Apensei que estas são daquelas coisas
         que só aos outros é que saem, tal como certas
         histórias de Marinha que vejo reproduzidas,
         por exemplo, na Revista da Armada. A sorte
         grande e o totoloto continuam repetidamente
         a não me sair mas, desta vez, a tal história de
         Marinha aconteceu comigo e como se com-
         preenderá, foi para mim como se me tivesse
         saído o totoloto ou a sorte grande.
           Para melhor localizar a história, começarei
         por referir que o meu curso de Marinha (o Curso
         Pêro de Alenquer de 1954 a 1957, que este ano
         comemora 50 anos de entrada para a Escola Na-
         val) há já alguns anos que se reúne regularmente
         na terceira 3ª feira de cada mês para almoçar no
         restaurante da antiga Cooperativa Militar, agora
         I.A.S.F.A. , e isso voltou a acontecer no passado  de Marinha, ao que eu disse muito bem e que   Logo de seguida o Carinhas diz-me “se-
         mês de Maio de 2004, mais precisamente no dia  eu, precisamente, vinha dum almoço do meu  nhor comandante deixe-me dar-lhe um abra-
         18, no dia em que esta história se passou.  curso da Escola Naval.    ço“. Pára o carro a meio da Alexandre Hercu-
           A estes almoços, umas vezes aparecem mais,   A partir daí ele passou a tratar-me por senhor  lano, sai, eu também saio e lá demos um forte
         outras vezes menos, mas naquele dia éramos  comandante e perguntou-me onde é que eu ti-  abraço, para depois voltarmos ao carro e se-
         apenas 11 jovens de 67 anos para cima. A con-  nha estado no período de 1957 a 1961. Nes-  guir viagem. A cena evidentemente repetiu-se
         versa foi animada e não se falou nem em des-  ta altura estávamos na Avenida da Liberdade  à chegada ao Jardim da Parada.
         graças nem em doenças. Estiveram presentes o  quase a virar para a rua Alexandre Herculano.   No seguimento da conversa lá foi dizendo que
         José Manuel Pires de Matos, o José Carlos Bor-  Lá lhe contei de forma resumida que depois  durante toda a vida tinha vindo a saber de mim
         ges Delgado, o Manuel Albuquerque Brandão,  da Escola Naval tinha estado embarcado em  através dos filhos da escola taxistas, que sabia que
         o Rui Brilhante Pessoa, o José Sarmento Gou-  vários navios, que em 1960 tinha feito  a espe-  eu tinha estado adido naval dizia ele, mas não
         veia, o José Lopes Carvalheira, o António Mar-  cialização em comunicações em Vila Franca  sabia onde. Lá lhe disse que não tinha sido adi-
         tins Godinho, o João Geraldes Freire, o Gil Cor-  e que em 1961 tinha ido para a Índia para o  do naval, mas que tinha estado na Missão Mili-
         reia Figueira, o António Gomes da Silva e eu,  N.R.P. Afonso de Albuquerque.  tar Portuguesa junto da NATO em Bruxelas e que
         Mário Santiago Baptista Coelho.      “Então o senhor comandante esteve prisio-  depois tinha ficado na Bélgica como funcionário
           Depois do almoço descemos pacatamente a  neiro na Índia? “. Disse-lhe que sim e logo de  internacional civil da NATO por mais 20 anos.
         rua de S. José até ao largo da Anunciada e aí se-  seguida pergunta-me se eu conhecia um se-  Ao despedirmo-nos o Carinhas ia-me ma-
         parámo-nos, uns continuaram em frente, mas eu,  nhor que devia ser comandante que ele tinha  tando, disse que agora já podia dar noticias
         o Martins Godinho e o Rui Pessoa fomos pela  conhecido em 2º tenente, chamado Santiago  minhas aos escolinhas “e mais (isto eu não
         Avenida da Liberdade abaixo até aos Restaura-  Baptista Coelho, que se casou em 1959 na Ma-  devia dizer, mas digo porque aqui é que ele
         dores. Aí despedimo-nos e eu apanhei o primei-  deira com uma senhora francesa.  me ia matando) senhor comandante, se guar-
         ro táxi que estava na paragem e pedi para me   Logo, logo, pensei que o nosso chauffeur me  do sempre da Marinha a melhor das recorda-
         levar a Campo de Ourique ao Jardim da Parada  tinha reconhecido e que estava a meter-se comi-  ções, muito se deve ao tempo que estive con-
         onde tinha deixado o meu carro.    go, mas verifiquei de seguida que não era o caso  sigo no Santa Maria “. E com esta fiquei como
           O chauffeur, que verifiquei depois ser dos  e que o que ele estava a pretender era ter noticias  que paralisado nem me lembrei de lhe pedir
         que gostam de falar, respondeu-me dizendo  minhas. Respondi-lhe evidentemente que era eu.  número de telefone ou de saber como podia
         que “ainda bem porque no Jardim da Parada,  Passados os primeiros momentos de surpresa, já  voltar a vê-lo. Fico com a esperança de nova-
         há lá um chafariz com agua muito fresca e como  íamos a meio da Alexandre Herculano, o bom  mente o acaso me levar a entrar no primeiro
         se costuma dizer na Marinha  ...“  do nosso chauffeur diz-me “eu sou o Carinhas,  táxi da fila e ser esse o táxi do Carinhas.
           ( já não me lembro o que é que ele disse que  era o grumete mais moderno no N.R.P. Santa Ma-  Contei esta história aos “filhos da escola” e
         na Marinha se dizia, mas para a história não tem  ria quando estivemos a fazer 2 faróis na Madeira  a outros amigos de Marinha e começaram a
         a mínima importância).             e fui eu que fui a casa do senhor comandante  aparecer várias pessoas a insistir para que esta
           Perguntei-lhe então se tinha estado na Mari-  em Campo de Ourique levar a prenda de casa-  longa conversa fosse partilhada com outros e
         nha e rapidamente me disse que sim, que tinha  mento da guarnição, um cinzeiro de pé, porque  que a Revista da Armada seria o local ideal. Por
         feito 4 anos de serviço militar de 1957 a 1961.  o senhor comandante fumava muito”.   isso aqui vim contar-vos esta história verdadei-
         Retorqui que tinha piada a coincidência, pois   Efectivamente, eu fui Imediato do N.R.P. San-  ra, não fazendo mais do que cumprir uma “or-
         afinal tínhamos estado os dois ao mesmo tempo  ta Maria que em 1959 transportou os materiais  dem“ da viúva do nosso chefe do curso o Almi-
         na Marinha e adiantei que tinha entrado para a  e deu todo apoio logístico à construção dos fa-  rante ECN Ribeiro da Silva, que foi a primeira
         Escola Naval em 1954 e saído em 1957.  róis do Ilhéu Chão nas Desertas e do Ilhéu Ferro  pessoa a enviar-me um e-mail nesse sentido.
           Nesta altura o nosso chauffeur começa a en-  no Porto Santo, comissão esta que durou quase  Promessa cumprida.
         tusiasmar-se e conta-me que na praça de táxis  um ano e durante a qual me casei com a minha           Z
         havia vários “filhos da escola” e que, de vez  mulher de nacionalidade francesa. E é verdade   Mário J.S. Baptista Coelho
         em quando, lá se juntavam, sempre para falar  que também fumava muito.                           CMG REF
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2004  27
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