Page 357 - Revista da Armada
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ções, sem fronteiras que, me embriagavam o em que o incerto é a certeza mais absoluta, a ca. Deste modo, estas frases podem ser cata-
espírito – mas não, por fim perguntou? injustiça muitas vezes a ordem do dia e a hi- logadas de muitos modos, eu – com soberba
-Então já conseguiu riscar o céu? – E des- pocrisia um véu omnipresente, conveniente presunção – gostaria de pensar que são um
ta vez sorria. para muitos, para esconder a verdade…Trans- poema longo – Um Poema do Alfeite – já que
-Não, ainda não consegui…respondi porta, sobretudo, esperança. A esperança que de certa maneira, o Alfeite não é apenas um
eu cabisbaixo, ainda embriagado de tan- cada um deve ter em si próprio, para vencer lugar físico, mas muito mais um lugar no nos-
ta emoção. as adversidades. so coração. Para os leitores, com firme con-
Fugimos então para a realidade trivial, fria Foi então que, finalmente, percebi. A prin- vicção apenas no sentido imediato, físico e
do momento (um subterfúgio, que eu, tão co- cipal diferença entre mim e este simples real, devo pedir humildemente – ainda esta
bardemente como outros, utilizo para fugir do Grumete é que eu penso sentir o mundo, de vez – desculpa…
que realmente me corre no espírito…). Disse- forma diferente, com manhas de intelectual E enquanto partia, nesse dia, alegrei-me
-me que era da Covilhã. Quis vir para a Ma- barato, só porque li Camões, gosto dos sone- por momentos na certeza de que daqui por
rinha porque gostava do mar e da sensação tos de Florbela Espanca e meto as mãos nas muitos, muitos anos, quando eu, o Grumete
de liberdade, que ele lhe transmitia. Era ór- carnes, artérias e nos medos das pessoas, com e todos os que agora somos tivermos passa-
fão de pai e a mãe vivia com uma das irmãs, que me cruzo….Mas, nada disso. Para ler o do, ficarão estes sentimentos, cristalizados,
numa aldeia, onde – dizia resoluto – já nada mundo é só preciso ter alma, e essa não se não nestas palavras sem arte ou jeito, mas
o prendia…Era asilante. aprende…Está escrita no nosso íntimo e re- na novidade, irrepetível, do sentir, que não
Nos tempos livres gostava de ler e como flecte-se num céu qualquer, como à sua ma- é meu, nem de ninguém. Esta é, acredito, a
que para me provar, sacou de um exemplar neira me ensinou aquele simples rapaz que verdadeira essência da vida. Aquilo que nos
amarrotado das “Aventuras de João Sem sabia ser possível riscar o céu…O mesmo já torna pessoas e que nos permite, se assim qui-
Medo” de José Gomes Ferreira. Trata-se, para havia compreendido Fernão Lopes há mui- sermos, tornar cada vida única, nossa....Ficará
aqueles leitores que não leram esta obra, de tos, muitos anos, conforme o demonstra na por fim, sempre, a certeza que pelo menos
uma viagem mística de um sofredor herói (o citação acima… um simples marinheiro, no Alfeite, teve arte
João Sem Medo), que insiste em manter a E este escrito, dirão muitos, é por demais para saber riscar o céu, enquanto muitos de
felicidade apesar de uma aventura por um estranho, nem sequer fala da nossa Marinha. nós ainda nem sabemos lê-lo…
mundo cheio de dificuldades, alegorias do Ao contrário, eu acho que a definição de Ma- Z
quotidiano vivido (ainda hoje) no nosso país, rinha, qualquer Marinha, tem que ser poéti- Doc
Bicentenário do Nascimento do ALM Barroso
Bicentenário do Nascimento do ALM Barroso
pressão a diversas rebeliões
durante o Período Regencial.
Na Guerra da Tríplice Alian-
ça contra o Paraguai, partici-
pou em operações no Rio Pa-
raná e depois no Rio Paraguai
até à Batalha de Curupaiti. Co-
mandou a Força Naval Brasi-
leira na Batalha do Richuelo.
Deve-se a vitória à sua cora-
gem e iniciativa.
Barroso era um homem do
mar, o paradigma do coman-
dante de navio veleiro do sé-
culo XIX, que passara boa par-
te de sua vida pisando num
convés. O Almirante Joaquim
Marques Lisboa, Marquês de
Tamandaré e Patrono da Mari-
m 29SET04 decorreu a cerimónia de no Freitas, Adido de Defesa e Naval do Brasil, nha do Brasil, o tinha como amigo e o mante-
inauguração de uma placa comemo- que proferiu as seguintes palavras: ve como seu Chefe de Estado-Maior das For-
Erativa do Bicentenário do Nascimento ”Comemora-se hoje o bicentenário de nas- ças Navais em Operações no Rio da Prata de
do ALM Francisco Manoel Barroso da Silva cimento do Almirante Barroso, bravo coman- Abril de 1865 a Dezembro de 1866.
junto ao prédio onde nasceu à Rua Garret dante da divisão naval que derrotou a Es- Recebeu o título honorífico de Barão do
n.º 13-23. quadra paraguaia no rio Paraná, próximo à Amazonas em 1866, em reconhecimento
Estiveram presentes diversas personalida- embocadura do Riachuelo, em 11 de Junho pelos relevantes serviços prestados à nação
des, nomeadamente o VALM Alexandre da de 1865, garantindo o bloqueio do Paraguai brasileira. Deixou o serviço activo como Al-
Fonseca, Comandante Naval em representa- durante a Guerra da Tríplice Aliança. mirante e fixou residência em Montevidéu,
ção do ALM CEMA, o VALM Sachetti, Presi- Francisco Manoel Barroso da Silva nasceu no Uruguai, onde faleceu em 1882.”
dente da Academia de Marinha, CALM Ro- em Lisboa em 1804 e veio para o Brasil, com De seguida o VALM Alexandre da Fonse-
que Martins, Director da Revista da Armada, os seus pais e a Família Real Portuguesa, em ca e o Encarregado dos Negócios do Brasil
CALM Leiria Pinto, Presidente da Comissão 1808. Ingressou como Aspirante na Acade- descerraram a placa comemorativa.
Cultural de Marinha, o CMG Beça Gil, Di- mia de Marinha em 1821. Como Guarda- A cerimónia terminou com as palavras do
rector do Museu de Marinha, Ministro Con- -Marinha e, depois como Tenente lutou na Comandante Naval enaltecendo a figura do
selheiro Hélio V. Ramos Filho, Encarregado Guerra da Cisplatina, a bordo de navios da homenageado.
de Negócios do Brasil e ainda o CMG Girla- Marinha Imperial Brasileira. Actuou na re- Z
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2004 31