Page 369 - Revista da Armada
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tal, dizem o que é preciso ser ouvido e não o Para o almirante Melo Gomes dirijo, REFLECTINDO…
que seria mais agradável de escutar. pois, uma saudação muito especial, de-
Toda esta aparente linearidade não tol- sejando-lhe a sorte que não pode faltar
da a minha capacidade de análise e sou o a quem comanda. O saber, que reconhe- LAICISMO E DIÁLOGO
primeiro a reconhecer que, embora deixe cidamente existe, e o apoio que a Mari-
a Marinha mais sólida e mais pronta para nha nunca rejeitou ao seu Comandante, INTER-RELIGIOSO
enfrentar o futuro, este mostra-se profun- farão o resto.
damente difícil e com desafios, como tal- Senhores Almirantes, Senhoras, o mundo ocidental, o modelo de Estado adoptado é,
vez nunca tenha tido nas últimas déca- Senhores, sem excepção, o de Estado laico, o que significa que
das, em número e em intensidade. Ao longo dos três anos do manda- No poder político é e actua de forma claramente inde-
to reafirmei sem- pendente de qualquer confissão religiosa.
pre, nas minhas Desviando-se deste conceito, numa atitude quase jacobina,
intervenções públi- aparece o laicismo que, como ideologia, proclama a laicidade
cas, três mensagens absoluta do Estado mas, indo mais longe, quer eliminar a expres-
– ESPE RANÇA, são do fenómeno religioso no plano externo, social, chegando ao
DETER MINAÇÃO ponto de proibir o uso privado de símbolos religiosos em espa-
Foto CAB L Figueiredo
E CONFIANÇA – ços públicos. Se lhe fosse possível, o laicismo procuraria cons-
que desde o primeiro truir o Estado exclusivamente fundamentado na razão pura.
dia, na minha Apre- Surpreendentemente, um dos países onde as atitudes laicistas
sentação à Marinha, mais se têm manifestado é na França, Nação que se considera
nesta mesma Casa da mãe da liberdade e dos direitos do homem, ainda que os Estados
Balança, considerei Unidos contestem tal afirmação. Na verdade a Constituição ame-
traduzirem a atitude ricana, onde aqueles valores estão expressos, foi assinada em Fila-
É que, apesar de todo o trabalho desen- que todos tínhamos que ter para enfren- délfia em 17 de Setembro de 1787, dois anos antes da Revolução
volvido, considero que o actual quadro le- tar os desafios que se anteviam e preparar Francesa, de 14 de Julho de 1789. A decisão laicista da proibição do
gal definidor das missões e actividades da a Marinha do futuro. véu muçulmano nas escolas francesas só contribuiu para a transfe-
Marinha está longe de ser pacificamente Hoje, três anos volvidos, a missão é rência de jovens para escolas privadas muçulmanas, prejudicando
aceite, apesar de ser Lei. Este mesmo qua- a mesma e a atitude não pode ser ou- mais ainda a sua integração na comunidade francesa.
dro continua a ser atacado por diversos tra. Mas a conjuntura recomenda que O laicismo contraria o respeito pelas especificidades religiosas e
sectores do próprio Estado, por interesses se acrescente uma quarta mensagem culturais de cada um e pelo livre uso dos seus elementos identifi-
corporativos, de poder, ou de simples pro- – SERENIDADE. Deve estar sempre cadores, prejudicando tanto as liberdades individuais como, igual-
tagonismo circunstancial, sem cuidarem presente. Hoje, é forçoso, é obrigatório, mente importante, o ambiente do diálogo inter-cultural defendi-
do interesse nacional, ou da real capacida- que o esteja, por todas as razões. do pela ONU, do diálogo inter-religioso que o Papa João Paulo II
de de cumprimento da missão. Camaradas e companheiros desta ines- tanto incentivou e que Bento XVI deseja continuar, e do diálogo
Por outro lado, a dificuldade geral em quecível viagem, mediterrânico que a Europa se esforça por dinamizar através de
entender valores e referências da Insti- Onde nada há a mudar é na forma de diversas instituições, por vezes aparentemente redundantes: o
tuição Militar, ou a pressão para impor terminar as minhas palavras e de a to- Grupo 5+5 para o Mediterrâneo ocidental, o Fórum Mediterrâni-
modelos que sob a capa de conjuntos, cla- dos saudar. co para o Diálogo e Cooperação, o Diálogo Mediterrânico entre a
ramente chocam com a cultura e prática VIVA A MARINHA! NATO e sete países do Sul, a iniciativa da Organização para a Se-
identitária de qualquer Marinha, consti- gurança e Cooperação na Europa (OSCE, que comemorou muito
tuirão, certamente, dificuldades acrescidas Após a sua alocução , o Almirante discretamente o 30.º aniversário em 1 de Agosto último) e o mais
com que há que contar. Vidal Abreu abraçou o Vice-CEMA, amplo Processo de Barcelona criado pela União Europeia.
Mas já que a batalha externa continua rá VALM Pires Neves, a quem passou o O Papa João Paulo II recusou a condição que lhe foi apre-
a ser dura, é importante que a batalha inter- testemunho. Depois, num gesto largo, sentada de tirar a Cruz Peitoral para ir orar no Muro das La-
na se possa concentrar no aperfeiçoa mento agradeceu de forma sentida a todos a mentações de Jerusalém. A sua notável coragem foi reconhe-
do actual modelo, dando cada vez mais so- presença amiga. cida, nesta e noutras ocasiões, assim como ficou bem evidente
lidez ao conceito de uma só Marinha, com Seguidamente, o Almirante Vidal a admi ração universal pelo seu contributo para a aproximação
a dimensão estratégica que lhe dão as suas Abreu deslocou-se para o exterior da dos povos através do diálogo e do entendimento entre religiões,
componentes militar, de autoridade marí- Casa da Balança, onde recebeu as Hon- culturas e civilizações.
tima, de investigação e desenvolvimento e ras Militares prestadas por uma Força Mantendo o modelo de Estado laico mas contrariando o
cultural, e com a resposta, nacional e in- de Marinha constituida pela Banda da laicismo, esta atitude de aceitação das diferenças e de respeito
ternacional, que em todas elas, já mostrou, Armada e Fanfarra, Estandarte Nacio- humano é, sem sombra de dúvida, o meio mais nobre e efi-
efectivamente, ser capaz de dar. nal e uma Companhia a três pelotões caz de recusar o “Choque de Civilizações” preconizado por
Esta matéria, pela sua importância, de Fuzileiros comandados pelo 2TEN Samuel Huntington.
mereceu mesmo uma reunião dedicada FZ RC Rodrigues Trigó. Este assunto é hoje muito importante: para a Europa, quando
do Conselho do Almirantado, no passado Depois de prestada continência se debate a admissão da Turquia à União Europeia; para Portu-
dia 7 de Novembro, em que tive a opor- e tocado o hino “Maria da Fonte”, gal, quando adeptos de uma “democracia directa” consideram
tunidade de expor em detalhe, a todos os o Almirante Vidal Abreu passou as instituições, e algumas tradições, como obstáculos que urge
vice-almirantes, a minha visão do futuro Revista à Força de Marinha, a qual combater, se não for possível eliminar, por prejudicarem a rela-
a curto e médio prazo. seguidamente desfilou ao som da ção “directa” entre o poder político e os cidadãos.
Por ter plena consciência das dificulda- “Marcha dos Marinheiros”. Será oportuno referir que “secular” é um conceito de signi-
des que se avizinham, nunca alguém me A cerimónia terminou com uma ficado idêntico a “laico”, mas mais frequentemente aplicado a
ouvirá criticar decisões do futuro CEMA, passagem de um helicóptero naval quem se afastou da condição de religioso ou a um serviço que
hoje já de todos conhecido, que deve ter Lynx, em atitude de cumprimento. deixou de ser religioso; pelo contrário, “confessional” é relativo
toda a liberdade de decidir, face às cir- Finda a cerimónia, o Almirante a uma crença ou confissão religiosa. Entre muitos outros, o Irão
cunstâncias. Ele, como eu, como todos os Vidal Abreu saiu pelo portão da é, actualmente, um Estado confessional.
que nos antecederam, terão sempre como Avenida da Ribeira das Naus onde Z
referência última os superiores interesses recebeu “os apitos da Ordenança” António Emílio Sacchetti
da Marinha e do País. por quatro Mestres. Z VALM
REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2005 7