Page 270 - Revista da Armada
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JS – Como é normal, recebo encomendas de  de Luz», quatro vozes, um quinteto de cordas,  obra a uma dada formação, isso implica um
         outras entidades. Uma delas, a «Foco Musical»,  piano e percussão. Ainda a Orquestra Nacional  conhecimento de cada instrumento?
         com quem colaboro desde 1998, no sentido de  do Porto e os Coros do Círculo Portuense de   JS – Claro, mas há uma muito ténue linha en-
         compor obras sinfónicas para sensibilizar crian-  Ópera, a Orquestra e Coros do Conservatório  tre conhecer os instrumentos e saber escrever
         ças para a música erudita. Foi pensada conjunta-  de Viseu e a Orquestra e Coros do Gabinete  bem para cada um deles. Por exemplo, pode
         mente com professores, ocupou-me cinco anos  de Educação Artística da Madeira, aonde vol-  acontecer numa peça que julgamos simples e
         em que compus quatro obras sinfónicas. A mais  tarei em breve, mas sempre como intérprete  o pianista dizer-nos que é complicada de ser
         conhecida é a «Quinta da Amizade».  das minhas obras...               executada, que não é idiomática, que “não está
           RA – Acaba de sair a segunda edição com   RA – Curioso. Porquê ... «sempre das mi-  debaixo de dedos”...
         Banda Desenhada e edição em Castelhano...  nhas obras»?                 Se o compositor conhecer muito bem a téc-
         e que foi a?...                                                             nica do piano, a peça pode parecer
           JS – A primeira do projecto, escrita                                      muito mais virtuosista e ser simples de
         para dar a conhecer, na linha do «Pedro                                     executar.
         e o Lobo» de Prokofiev, os instrumentos                                       RA – Ser mais... ergonómica!
         da orquestra, fazendo-os corresponder                                        JS – Exactamente! Por isso este con-
         a um dado animal da fábula.                                                 tacto é muito importante.
           Depois vem «O Achamento do Bra-                                            RA – E o seu compromisso com a
         sil» que procura familiarizar as crianças                                   Banda como é que se  desenvolve?
         com o mundo da ópera: a classifica-                                           JS – Em diversos planos. Há um, no
         ção das vozes, do que é uma abertu-                                         plano protocolar, que vai ao encon-
         ra, um acto, uma ária, um recitativo, o                                     tro de emergências. Há pouco tempo
         libreto, etc.                                                               aconteceu a banda necessitar do Hino
           RA – Vimos e ficámos fascinados! So-                                       da Geórgia para um serviço que acon-
         bretudo a pequenada que, na plateia,   Jorge Salgueiro dirigindo a Orquestra Nacional do Porto e o Coro Infantil   tecia num prazo a que não poderíamos
         se erguia, uma mancha aqui outra aco-  do Círculo Portuense de Ópera.       recorrer a apoio diplomático em tempo
         lá, e que, com os seus instrumentos, se   Convento de São Bento da Vitória – Porto.  útil: tivemos de recorrer à Internet e rea-
         “misturavam” com a Orquestra.        JS – A minha carreira não é de todo a de ma-  lizar a instrumentação para a banda. Aconte-
           JS – A terceira foi «O Conquistador», (não  estro. No entanto, considero importante dirigir  ceu algo parecido com hino de Moçambique
         chegou a ver? ... Não, não) que é uma cantata  as minhas obras pois esse acto encerra também  e com a marcha «Cisne Branco» do Brasil. São
         sobre D. Afonso Henriques…         uma transmissão do testemunho do meu pen-  exemplos…
           A última, «A Floresta de Água», é a que recor-  samento sobre a obra que é impossível escre-  Outro é o da relação com as populações que
         re a menor número de instrumentistas, cerca de  ver em notas de música. Falo de sensibilidade,  surge sempre que a Banda vai tocar a uma dada
         dez, e cujo objectivo principal é dar a conhecer  de posicionamento social, de pensamento es-  localidade. Implica um trabalho de investigação
         as formas musicais.                tético, como ser humano, de atitude perante a  de música e músicos que sejam aglutinadores e
           RA – Explique-se melhor...       obra e de relacionamento com os outros. Até a  representativos daquela gente e integrá-los no
           JS – Quando falamos em forma, referimo-  postura física é importante... na minha música é  concerto que a Banda realiza nessa localidade.
         -nos à estrutura de uma obra musical. Posso  essencialmente a energia e o movimento e isso  Esses arranjos criam laços com as populações
         dar um exemplo muito simples: numa can-  também se transmite no acto de direcção que  que são, a meu ver, de grande importância para
         ção em que as estrofes alternam com o refrão,  deve ser contagiante para os músicos e para o  o incremento da imagem da Banda e da Mari-
         estamos perante aquilo a que chamamos uma  público. É quase como ser o pintor a escolher  nha junto delas.
         alternância entre A e B, o que quer dizer que  a moldura para o seu quadro. Por isso acho tão   RA – Tive excelentes ecos duma experiên-
         a forma de uma canção se pode resumir a um  importante dirigir as minhas obras...  cia em Viana do Castelo. Fale-nos dela antes
         ABAB. A forma é muito importante numa obra   RA – Portanto fazer a mediação entre a par-  de continuar.
         musical pois ela também afere da capacidade  titura e a própria interpretação...  JS – Foi o caso de «Havemos de ir a Viana»,
         de estruturação e pensamento formal                                        um arranjo em que incluía o Grupo de
         do compositor, sendo a mais influente                                       Cantares do Minho.
         na história da música a “forma sonata”                                       Ainda para esse concerto escrevi “Mi-
         estabilizada no classicismo e presente                                     nius” que teve a participação de um mú-
         em quase todo o tipo de obras, nomea-                                      sico de Viana como solista, Augusto Ca-
         damente no primeiro andamento das                                          nário, intérprete de concertina.
         sinfonias. «A Floresta de Água» aborda                                       RA – Isso é muito original ...
         algumas das formas mais usuais (suite,                                       JS – Julgo que sim. É um trabalho de
         cânone, abertura, bagatela, scherzo,                                       proximidade com as populações.
         rondó, sonata, hino, canção, variações)                                      RA – A última peça sua que ouvi foi no
         que as crianças estudam antes de irem                                      Centro Cultural de Belém, «Primavera»
         ver e participar nos concertos. É este o                                   que surpreendeu pela modernidade e
         projecto cuja orquestra (Orquestra Di-                                     pela novidade na exploração dos instru-
         dáctica da Foco Musical) tenho dirigido                                    mentos. E já sob a direcção do Cmdt Car-
         como convidado e sempre que posso.                                         los Ribeiro, o novo Chefe da Banda.
           RA – E que escolas?         Jorge Salgeiro com a soprano Manuela Moniz e o maestro Araújo   JS – Obteve um grande sucesso nes-
           JS – Sobretudo as das áreas da Gran-  Pereira no concerto do Dia da Marinha 2005 – Figueira da Foz.  se seu primeiro grande concerto como
         de Lisboa e do Porto. Agora em Espanha e há   JS – Não só. Há ainda uma parte prática  Chefe da Banda. Está de parabéns e a Banda
         já contactos com o Brasil para a obra de intro-  muito importante, que não é descurada, que  também, é claro.
         dução aos instrumentos.            é convivermos com as dificuldades e especifi-  RA – Sim, sim. Estava comigo um Oficial da
           RA – E como maestro que tem feito?  cidades da obra que escrevemos e da sua rela-  Armada Francesa (gabou o seu Francês) que
           JS – Dirigi diversas formações. A primeira,  ção com os músicos e os seus instrumentos. É  ficou maravilhado com a qualidade da Banda,
         em 1987, foi a Orquestra Juvenil dos Lourei-  uma aprendizagem para lá de tudo o que nos  surpreendido pelo repertório, para ele inteira-
         ros, depois o Coral Infantil de Setúbal, durante  pode ser ensinado.  mente novo, e também pela sua peça. É o seu
         bastantes anos. Outro projecto foi os «Negros   RA – Mesmo na mera adaptação de uma  último trabalho?

         16  AGOSTO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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