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A MARINHA DE D. JOÃO III (15)



                      D. Nuno da Cunha nomeado
                      D. Nuno da Cunha nomeado

                                 governador da Índia
                                 governador da Índia


           “No anno de mil & quinhentos & vinte  couberam noutras circunstâncias de monta,  Índia. Mas queria a má sorte que não termi-
         sette, pelas nãos que entam vierão da Ín-  permitem-nos imaginar que o soberano depo-  nassem por ali os incidentes a que viria a ser
         dia, soube el Rei Dom João [...] das diferen-  sitava confiança na sua competência, dedicação  sujeito antes de chegar ao seu destino. João
         ças que entre Lopo Vaz de Sampaio, & Pêro   e honestidade.            de Barros refere que tinha intenções de de-
         Mascarenhas se receavão aver, por o modo   Saiu de Lisboa a 18 de Abril de 1528, ao co-  mandar Melinde, mas ao passar pelo norte
         que se teve no abrir das successões.”  mando de uma esquadra de 11 velas, que inte-  da ilha foi arrastado por fortes correntes que
                                            grava os seus dois irmãos mais novos, Simão  o levaram até às ilhas Comores e a Zenzibar.
         A                                  da Cunha designado para Capitão-mor do  Embora isso não seja confirmado por outros
               situação da Índia apresentava-se com-
               plexa, porque os conflitos ocorridos  mar da Índia, e Pêro Vaz da Cunha destinado  cronistas, Barros diz ainda que o piloto do seu
               na sucessão dos governadores – que  à capitania de Goa. A viagem foi atribulada,  navio não era mais nem menos do que João
         tinham resultado na prisão e embarque                                    de Lisboa, homem sabedor das coisas do
         de Pêro de Mascarenhas para o reino, en-                                 mar, hoje conhecido pelo conjunto de re-
         quanto Lopo Vaz de Sampaio ocupava o                                     gras de navegação, tabelas astronómicas e
         cargo – configuravam uma conspiração e                                    roteiros diversos compilados numa colec-
         uma desobediência ao rei. D. João III tinha                              ção de manuscritos com o seu nome. Mas,
         uma visão clara da gravidade dos factos e,                               naquelas condições não haveria muito a
         sobretudo, do mau caminho que levava a                                   fazer: ainda hoje, quando se desencadeia
         administração ultramarina, cujo controlo                                 a monção de SW, correm as águas de leste
         era limitado pela distância à metrópole,                                 para oeste com uma velocidade que pode
         pelas dificuldades de comunicação e pela                                  atingir 2 nós. Se isto sucede com as ilhas
         ganância incontrolada dos mais altos re-                                 a sotavento ou com ventos fracos, o peri-
         presentantes régios. Numa tentativa de                                   go de naufrágio é bastante grande, tendo
         pôr cobro aos desmandos do Oriente, em                                   em conta que o único meio propulsor era
         1528, nomeou D. Nuno da Cunha para o                                     a vela. Apesar de tudo o navio conseguiu
         cargo de governador. A escolha não podia                                 ir até às imediações de Zenzibar, enquanto
         ser mais notável, de facto. Tratava-se do                                Fernando Lima ganhara bom vento e pas-
         filho mais velho de Tristão da Cunha, o                                   sara para Melinde. O futuro governador,
         fidalgo que D. Manuel escolhera em 1505                                   agora embarcado no navio de seu irmão,
         para primeiro Vice-Rei, e que, à última                                  só em Outubro logrou alcançar Melinde.
         hora, fora substituído por D. Francisco de                               A viagem estava fadada para durar até à
         Almeida, por razões de saúde do próprio                                  eternidade e as piores situações estavam
         (Marinha de D. Manuel (30) - RA nº 358).                                 sempre para vir. De Melinde foi atacar
         Recordemos, contudo, que no ano seguin-                                  Mombaça onde ficou algum tempo e onde
         te, partia ao comando doutra esquadra que                                lhe adoeceu muita gente – ali morreu seu
         acompanhou a de Albuquerque, e depois                                    irmão Pêro Vaz da Cunha. Depois foi até
         de passar em Socotorá, seguiu para a Ín-                                 Ormuz onde esperava adiantar algumas
         dia, onde esteve até 1508 e onde participou                              resoluções que trazia por ordenança. Não
         em numerosas acções de guerra. Nuno da   Nuno da Cunha, 10º governador da Índia.  foi mal recebido e teve notícias de que o
         Cunha acompanhou seu pai nessa viagem   Lendas da Índia.                 veterano António Saldanha, que partira
         e foi armado cavaleiro pelo próprio Vice-Rei,  sobretudo, devido ao atraso com que saíram   com ele de Lisboa, já chegara à Índia. Con-
         após um violento combate em Panane, cuja  de Lisboa. São variados os relatos que nos  tudo, enquanto esperava pela época favorável
         sorte se decidiu a favor dos portugueses, ape-  chegaram, mas todos referem um progres-  à travessia para o Malabar, resolveu enviar o
         sar do avultado número de baixas sofridas.  sivo atraso que se reflectiu na passagem do  irmão, Simão da Cunha, numa expedição ao
         De regresso a Lisboa a carreira do jovem fi-  Cabo da Boa Esperança na fase mais aguda  Bahrein. Era uma acção que não parecia di-
         dalgo prosseguiu com a atribuição do cargo  dos temporais do Hemisfério Sul, desmem-  fícil e que agradaria ao sultão de Ormuz, fa-
         de fronteiro de Safim em 1513, onde perma-  brando-se quase toda a esquadra. Nuno da  vorecendo as relações políticas de Portugal
         neceu alguns anos. Mas quando da majestosa  Cunha, seu irmão Pêro Vaz e D. Fernando de  na entrada do Golfo Pérsico. Em má hora to-
         embaixada enviada por D. Manuel ao Papa  Lima foram parar à costa oriental da Ilha de  mou tal decisão, de que resultou a perda do
         Leão X, seu pai foi o embaixador enviado e  Madagáscar, com o mês de Agosto já adian-  irmão e de quase todo o pessoal atacado por
         ele acompanhou séquito português em toda  tado. Perderam muita água doce e a necessi-  uma doença fatal. Finalmente, em Outubro
         a missão. Mais tarde, em 1521, esteve presente  dade de reabastecer, obrigou-os  a demandar  de 1529 chegou a Goa, onde foi recebido com
         noutra missão diplomática de monta, quan-  terra em más condições, levando à perda da  salvas de artilharia e grandes festas. Espera-
         do da viagem marítima da Princesa D. Bea-  nau capitânia. Tanto quanto nos relatam os  va-o uma primeira missão nada agradável:
         triz até Villefranche, onde se encontrou com  cronistas, não morreu nenhum homem, mas  prender Lopo Vaz de Sampaio e enviá-lo para
         o seu marido Carlos III de Sabóia (Marinha  quando se lançou fogo ao que restava do  a justiça de el-Rei. Assunto que ficará para a
         de D. Manuel (57) - RA nº 385).    navio, nos pavimentos inferiores irremedia-  próxima revista.
           Logo no princípio do seu reinado, D. João III  velmente alagados ficava ainda muita carga            Z
         escolheu-o para contador da fazenda régia, e  de valor, pólvora, artilharia e armas ligeiras   J. Semedo de Matos
         este facto, a par das responsabilidades que lhe  de diversa ordem, que muita falta faziam na      CFR FZ

         14  AGOSTO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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