Page 298 - Revista da Armada
P. 298
VALORES, IDENTIDADE E MEMÓRIA 6
Comando no mar
Desafios de liderança e de gestão
s oficiais da Armada têm orgulho no conceito de que, para dente do Leadership Institute da University of Southern Califórnia, na
o exercício do comando de unidades navais, nada é tão re- sua obra Organizing Genius, afirma: o gestor administra, o líder ino-
Olevante como a capacidade de liderança. Mas, será este o re- va; o gestor é uma cópia, o líder é o original; o gestor aceita o status
quisito determinante? Ou, face à grande complexidade dos navios e quo, o líder modifica-o; o gestor é um bom militar, o líder é o mili-
à especialização técnica do pessoal, os comandantes devem, antes, tar de referência.
revelar perícia na gestão? À medida que um oficial da Armada progride na carreira, coman-
Sabemos que todo o comandante de unidade naval, para ser um da unidades navais de acrescida dimensão e complexidade, que exi-
líder de sucesso, também deve ser um bom gestor. Na realidade, são gem maiores capacidades de gestão e liderança, devido à natureza
duas competências essenciais para manter um desempenho coerente das missões, à quantidade e qualidade dos recursos materiais e hu-
em todas as missões, apresentar resultados globais positivos ao longo manos que lhe são confiados, e aos possíveis efeitos do seu empre-
do tempo e coordenar esforços e energias sistematicamente. Então, go. Porém, no exercício das funções de comandante de uma unidade
onde um comandante de unidade naval actua como gestor e como naval, onde deve um oficial da Armada actuar como gestor e onde é
líder? Ou, mais importante mais relevante o desempe-
ainda, os requisitos de ges- nho como líder?
tão e de liderança associa- Na tentativa de encontrar
dos ao comando de uma uma resposta simples para
unidade naval alteram-se à uma questão tão complexa,
medida que o oficial progri- começaremos por clarificar
de na hierarquia e assume o a forma como os requisitos
comando de navios maiores de gestão e de liderança de
e mais complexos? um comandante de unida-
A resposta a estas duas de naval se modificam à
questões exigiria uma re- medida que o oficial pro-
flexão aprofundada, caso gride na hierarquia. Esta
se pretendesse alcançar intrincada problemática ne-
maior perfeição racionati- cessita de ser dilucidada se-
va do que a apresentada. gundo as vertentes interna e
Com efeito, em tão curto externa do navio. Na óptica
texto não se pode usar uma interna o comandante per-
argumentação analítica que, cebe que, quanto mais sobe
para ser exaustiva e não ter os dogmatismos e axiomatismos que a na hierarquia militar, e maior e mais complexa é a sua unidade naval,
escassez de espaço impõe, deveria estender-se por algumas dezenas menos controlo directo tem sobre a guarnição e a conduta das activi-
de páginas. Ciente desta limitação e sem qualquer pretensão acadé- dades diárias, maior é a sua dependência dos oficiais imediatamente
mica, procura-se apenas reflectir de forma construtiva sobre as face- subordinados para conhecer o que se passa, e a informação de apoio
tas do tema, que a experiência pessoal no comando de dois navios, à tomada de decisão é frequentemente filtrada pelo oficial imediato,
enriquecida e clarificada pelos comentários, por vezes contrastantes, pelos restantes oficiais e pela formação de comando. Para além disso,
de alguns camaradas, levou a atribuir maior relevância. o comandante também tem de delegar mais competências nos oficiais,
Comecemos por fazer uma distinção básica, em sentido abstracto, para poder pôr em prática as suas determinações. Por outro lado, a
entre a postura funcional do gestor e do líder: o gestor “faz as coisas complexidade das tarefas é tanta que o comandante não se pode preo-
de forma certa”; o líder “faz as coisas certas”. Implícito a este conceito cupar com pormenores, e a competição entre subordinados em rela-
está o facto de o gestor cuidar da eficiente materialização dos objec- ção ao seu tempo para analisar situações e tomar decisões aumenta,
tivos definidos pelo seu superior hierárquico, tirando partido de um e está sempre para além do seu controlo directo. Na vertente externa
conjunto de situações, processos, factos e recursos materiais e huma- o comandante verifica que a natureza das missões atribuídas ao seu
nos, a quem atribui tarefas e estabelece metas de desempenho. Nes- navio é mais complicada e os objectivos decorrentes sujeitos a inter-
te âmbito, o gestor resolve problemas, cuida dos recursos aplicados, pretação mais exigente. A medição do sucesso no desempenho tor-
cumpre o seu dever e reduz os custos. Convirá notar que, como a sua na-se mais difícil e a incerteza presente no processo decisório é mais
preocupação crítica é a eficiência, o gestor apela, sobretudo, aos aspec- difusa, pelo que o risco aumenta. As relações com outras entidades,
tos quantitativos dos recursos materiais e humanos à sua disposição. como sejam o comando superior, comandos do mesmo escalão e uma
O líder, depois de receber os objectivos definidos pelo seu superior multiplicidade de actores militares e civis com interesse na missão, são
hierárquico, interpreta-os e decompõe-os para o seu sector de respon- mais importantes, diversificadas e, por vezes, delicadas.
sabilidade. Em seguida, estabelece a sua visão inspiradora da acção Nestas circunstâncias, e de forma muito simplificada, os requisitos
dos subordinados, que motiva e conduz na concretização, com eficá- de gestão e liderança no exercício do comando de uma lancha de fis-
cia, das metas de desempenho. Neste âmbito, o líder produz alterna- calização e de uma fragata podem ser traduzidos, respectivamente,
tivas criativas, maximiza a utilização dos recursos, obtêm resultados pelas expressões: “sigam-me” e “vão em frente e façam desta forma”.
e aumenta os benefícios. Importa notar que, como a sua preocupação Em ambas as situações os comandantes definem e comunicam uma
crítica é a eficácia, o líder apela, preferencialmente, aos aspectos quali- orientação clara para o cumprimento da missão do navio, o que uni-
tativos dos recursos materiais e humanos à sua disposição. fica, motiva, conduz e inspira os subordinados. Porém, os escalões de
É neste contexto e sobre a problemática da postura funcional do actuação como gestor e líder são distintos. Em consequência, na ver-
gestor e do líder, que Warren Bennis, reputado professor e presi- tente externa, é muito maior o contributo que o comandante de uma
8 SETEMBRO/OUTUBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA