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VALORES, IDENTIDADE E MEMÓRIA                                                               13


                                 TREINO DE MAR



                       Relevante Missão da Marinha


                                                                                                         Foto CTEN António Gonçalves





























              reino de Mar é o conjunto de acções realizadas a bordo e no Mar  traste com a pequenez de muitos dos gestos quotidianos. Aprendem a
              com o intuito de adquirir habituação, experiência, conhecimen-  dar real valor à vida árdua dos antigos pescadores, bem como render
         Ttos e valências, visando o desempenho de cargos e funções exi-  preito aos audazes navegadores portugueses que, vai para seis séculos,
         gidas pelas artes e ofícios ligados ao Mar.          partiram em busca do mundo ora revelado. O período de embarque
           Treino de Mar sempre foi, também, a missão do Creoula. Ao longo de  permite-lhes também, mesmo que por breves instantes, reflectir sobre
         cerca de trinta e sete anos (1937-1973), com outras tantas campanhas de  a importância do nosso passado marítimo e compreender como o cha-
         pesca de permeio, muitos marinheiros e pescadores aprenderam, no seu  mamento do Atlântico constituiu canto de sereia para os ouvidos dos
         seio, a compreender e respeitar o Mar e os seus desígnios.  nossos marinheiros, tendo-se o Mar instituído, reiteradamente, como
           Também a Marinha, desde longa data, a bordo dos seus navios-esco-  sinónimo de independência nacional, sobejas que foram as ocasiões em
         las, tem sabido transmitir estes preciosos ensinamentos a todos quantos  que ao longo dos séculos esta esteve em causa.
         abraçam a causa do Botão de Âncora, formando, regularmente, apreciá-  Alguns daqueles que embarcaram vai para duas décadas nas pri-
         vel número de reconhecidos e experimentados marinheiros. Mas, tam-  meiras viagens desta nova vida do Creoula, detêm, presentemente,
         bém lhe coube dar esta mesma oportunidade a jovens civis desde que,  responsabilidades naquilo que somos como País, no quadro do de-
         por particular competência, lhe foi confiado o Creoula, oportunamente  sempenho das respectivas funções profissionais. Por certo que os pre-
         classificado como Navio de Treino de Mar (NTM).       ceitos então apreendidos e temperados a bordo, constituem para eles,
           Nesta sua segunda vida, encetada em 1987, o Creoula, impelido por  hoje, uma mais-valia no momento de melhor decidir em prol do inte-
         afeiçoado vento, com quem, presumimos, mantém pacto antigo, tem  resse colectivo.
         perseverado no alargar dos horizontes de Mar dos jovens nele embar-  Por tudo isto, o Creoula constitui actualmente um testemunho vivo
         cados. Em cada nova viagem, qual progenitora baleia com meia centena  da nossa longa e incontornável História Marítima, e um dos derradei-
         de moças e moços no bojo, sai serenamente a barra, deixando-nos assis-  ros elos que verdadeiramente nos ligam ao Mar, estabelecendo, como
         tir ao esfumar da sua graciosa silhueta no longínquo horizonte, como  nenhum outro, a ponte, entre a insubstituível e nostálgica herança e
         que absorvida pelo próprio Mar. A bordo, no entanto, o ambiente não  aquilo que, no futuro, legitimamente, aspiramos ser como entidade
         pode contrastar mais com esta aparente calma de fim de tarde.  cultural autónoma, num mundo pejado de renovados e permanentes
           Durante a exigente navegação, as moças e moços são permanente-  desafios. Para muitos jovens que nele embarcam, a grande maioria, su-
         mente enquadrados, nas mais diversas fainas, pelos experientes ele-  pomos, trata-se do primordial, e talvez derradeiro, contacto próximo
         mentos da guarnição do Creoula, deliberadamente em reduzido núme-  que em toda a existência irão ter com o Mar Oceano, outrora sulcado
         ro, com vista a maximizar o embarque da maior quantidade de jovens.  pelas proas das naves dos insignes argonautas lusos de antanho. Tra-
         Ao cabo de poucos dias de aventura, que habitualmente excede as mais  ta-se de uma Missão sem termo, que somente no estrito respeito desta
         reservadas expectativas, e apenas encontra fortuito paralelo nos recôndi-  condição é possível cumprir. O País de Marinheiros obriga, para que o
         tos sonhos de cada um, eles terão imperceptivelmente assimilado que a  epíteto lhe assente sem soar falso ou pretensioso, que o Treino de Mar
         bordo, tal como na vida, não é possível viver sem forte espírito de equi-  se consubstancie, continuada mente, ano após ano.
         pa, salutar amizade, sentido de entreajuda e sã camaradagem, sendo   Duas décadas volvidas, a Marinha Portuguesa reitera, por intermédio
         que de cada um depende o bem-estar e a segurança de todos, incluin-  do Navio de Treino de Mar Creoula e da respectiva guarnição, o abraçar
         do o próprio navio. Por vezes, pelo experimentar de dias continuados  desta relevante Missão como se fora exclusiva e única, sendo que a Por-
         de navegação com mau tempo, longe do abrigo da costa e do conforto  tugal e às suas gentes – a todos nós em suma –, chegará o momento de
         do lar, vislumbram a verdadeira dimensão do Mar, em absoluto con-  colher dividendos de tão grandiosa quão delicada empresa.  Z

         4  MAIO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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