Page 155 - Revista da Armada
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levando-o aos pólos pelas correntes oceânicas, enquanto no NE dos EUA, à mesma latitude, eficientes em termos energéticos, investir em
conduzidas pelo vento. Os ventos que sopram houve um Verão estranhamente fresco. Os inú- energias renováveis e assegurar a captura e se-
sobre as superfícies marítimas põem em movi- meros fogos foram causadores de 30% do CO 2 paração do carbono. Também ficamos com a
mento importantes correntes oceânicas que de- emitido para a atmosfera. A onda de calor foi esperança que em breve os EUA e a Austrália
sempenham um papel determinante nos climas acompanhada por uma seca sem precedentes assinem o protocolo de Quioto.
de várias regiões. que destruiu colheitas. Por exemplo, na Ucrânia Apesar desta esperança no poder do homem,
A corrente do Golfo é um dos exemplos mais perderam-se 80% das colheitas de trigo. há a recordar também que, segundo Elizabeth
conhecidos. Esta corrente desloca água quente Não pode deixar também de ser referido o Kolbert, a transição da última era glacial para o
do Golfo do México até à Islândia, contribuin- rasto desolador do Katrina, que em 29 de Agos- actual Holocénico foi extremamente instável,
do para um clima europeu mais suave. Na sua to de 2005 arrasou Nova Orleães. incluindo o episódio Younger-Dryas. Segundo
origem estão os ventos alísios, ventos que, so- Segundo previsões do IPCC, as grandes tem- ela “a temperatura não aumentou de uma for-
prando de leste para oeste pelos 15º de latitude pestades e as inundações e secas extremas tor- ma lenta nem constante, ao invés, o clima os-
norte, empurram a água do Atlântico para o mar nar-se-ão mais pronunciadas à medida que o cilou várias vezes, de temperado para glacial e,
dos Sargaços. Neste lugar cria-se uma espécie aquecimento global progredir. Este aumento novamente, para temperado. Há 15.000 anos, a
de cúpula, a água concentra-se e o mar sobe de calor é favorável também à proliferação de Gronelândia aqueceu abruptamente 8,9 graus
cerca de um metro acima do ní- em quinze anos ou menos. Num
vel normal. A água, obviamente, episódio particularmente traumá-
tende a sair desta cúpula e é este tico ocorrido há 12.000 anos, a
fluxo, desviado pela costa ameri- temperatura média da Gronelân-
cana e pela rotação da Terra que dia subiu 9,4 graus em apenas
forma a corrente do Golfo. uma década” (final do episódio
Existem muitas outras corren- Younger-Dryas). Se a História ser-
tes criadas pelos ventos em todos vir de padrão de medida então o
os oceanos do planeta, como as Holocénico deverá durar 10.000
correntes frias do Labrador ou de anos. Segundo Elizabeth Kolbert,
Humboldt. o aspecto mais surpreendente é
que “o único período climático
E QUAIS SÃO AS que se conhece tão estável como
CONSEQUÊNCIAS? Al Gore a explicar o movimento da Corrente do Golfo. A vermelho estão ilustradas as o nosso, é o nosso. Além disso, o
correntes quentes de superfície e a azul as correntes frias de maior profundidade. facto de os climatologistas terem
Um clima mais quente modifi- descoberto que estamos a viver
cará o planeta de várias formas. À medida que a insectos nocivos e de doenças nas plantas. Es- este período de estabilidade excepcional no
Terra se tem tornado mais quente o nível do mar tações de crescimento mais longas permitirão preciso momento em que, pelos seus cálculos,
tem subido alguns centímetros. Uma atmosfera que insectos como os gafanhotos tenham um ele se está a aproximar do fim parece ainda
ainda mais quente levará a subidas ainda maio- maior número de ciclos reprodutivos durante mais improvável”.
res do nível do mar. Isto acontece principalmen- a Primavera, o Verão e o Outono. As larvas de A verdade inconveniente é que precisamos
te porque as temperaturas mais elevadas dos outros insectos passarão o Inverno mais con- de reduzir os gases de efeito estufa para tentar-
oceanos levam à expansão da água do mar, o fortavelmente. mos desacelerar em direcção a uma cada vez
que significa que os oceanos passam a ocupar Paradoxalmente, à medida que a tempera- maior instabilidade climática de consequências
um maior volume. Esta necessidade crescente tura global média aumenta, os Invernos têm-se imprevisíveis, mas potencialmente catastróficas.
de mais espaço “empurra” a superfície dos oce- tornado mais nevados nas latitudes elevadas do O mais provável, porventura inevitável, é sen-
anos para cima. Para além disto, as temperaturas hemisfério norte, porque um maior calor nas tirmos cada vez mais alterações climáticas, que
mais elevadas são a causa da fusão de muitos baixas latitudes gera mais evaporação. Este facto se cruzarão com o declínio do petróleo e gás
glaciares. Partes das enormes camadas de gelo leva a crer que o actual aquecimento pode ser, natural e afectarão dramaticamente a produção
que cobrem a Antártida e a Groenlândia podem na verdade, o prelúdio de outra era glacial. de alimentos, levando a que muitas pessoas pas-
também começar a fundir. Os escoamentos re- sem fome, e morram, nas próximas décadas.
sultantes destas fusões dirigem-se para os oce- REFLEXÃO FINAL Z
anos, adicionando-lhe massa e contribuindo A. Dias Correia
também para a subida do nível do mar. Os gelos Com a escolha do título do artigo pretendi CFR
marinhos que flutuam no Árctico, junto ao Pólo que o leitor, ao longo da sua leitura, se aperce- Bibliografia
Norte, também se podem fundir. Contudo, uma besse que o aquecimento global pode estar a Elizabeth Kolbert, “Ice Memory”, The New Yorker, 7
vez que este gelo já está a flutuar no oceano, a antecipar um outro problema bem mais catas- de Janeiro de 2002.
sua fusão não terá qualquer efeito na subida do trófico para a humanidade. Tal como já aconte- Elizabeth Kolbert, “Field Notes from a catastrophe”,
nível do mar. O efeito contudo pode influenciar ceu com o episódio Younger-Dryas pode subita- Bloomsbury, 2006, 192 pp.
Documentário “Uma Verdade Inconveniente”, de
significativamente a Corrente do Golfo podendo mente iniciar-se o processo inverso ao actual e Davis Guggenheim.
dar início a uma nova era glacial. num espaço de tempo relativamente curto ini- Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáti-
Temperaturas mais elevadas causarão maior ciar-se de novo uma era de glaciação. Custa a cas (IPCC) (www.ipcc.ch).
evaporação de água, o que poderá agravar as acreditar, porque a memória do homem é cur- Notas
secas em alguns locais e aumentar a precipita- ta, mas a memória da Terra regista precisamente 1. Na escala de tempo geológico, o Holoceno ou
ção noutros. Uma atmosfera mais quente pode este tipo de alternância. Holocénico é a época do período Neogeno da era Ce-
também alterar as direcções dominantes do ven- Al Gore termina o seu documentário deixan- nozóica do éon Fanerozóico que se inicia há cerca de
to e as correntes oceânicas. O aquecimento não do a esperança de que é possível ao homem 11.500 anos atrás e se estende até ao presente. Iniciou-
será distribuído uniformemente pelo planeta, al- inverter a tendência de aquecimento e muito -se com o fim da última era glacial principal, ou Idade
do Gelo. A época é informalmente chamada Antropoge-
gumas regiões ficarão mais quentes, enquanto facilmente atingir os níveis de emissão de ga- no, por abranger todo o período de civilizações.
outras arrefecerão. ses de efeito de estufa de 1970. Segundo ele, 2. Reconhecendo o problema das alterações climá-
A onda de calor de 2003 terá causado 30.000 numa linguagem simples, não é preciso mais do ticas globais, a Organização Meteorológica Mundial
mortos, incluindo mais de 13.000 só em Fran- que usar equipamentos eléctricos mais eficien- (WMO) e o Programa das Nações Unidas para o Am-
biente (PNUA) criaram um Painel Intergovernamental
ça. As temperaturas subiram acima dos 40º tes energeticamente, usar com mais efi ciência sobre Alterações Climáticas (IPCC) em 1988, aberto a
graus centígrados em muitos locais da Europa, os transportes públicos, adquirir carros muito todos os membros das NU e da WMO.
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2007 9