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A Visita e o Despacho de navios
                 A Visita e o Despacho de navios


               m estudo atento da evolução  nidos pelo Estado em sede do próprio  trinária dos conceitos e opções legais fi-
               dos actos públicos efectuados  controlo de navios pelo Estado de ban-  nalmente estatuídas pelo Governo.
         Ua navios e embarcações que  deira (Flag State Control), ambos fe-      Diferente da presente matéria, e te-
         chegam e largam de portos nacionais  nómenos desenvolvidos a partir dos  mática que aqui não abordaremos por
         indicia, com clareza, que determinados  anos oitenta.                 constituir uma questão do foro técni-
         actos típicos nunca deixaram de ser as-  O regime aprovado pelo DL 370/2007  co relativa a certificação e vistorias de
         sumidos pelo Estado, tanto num sen-  visa, especificamente, criar um novo  navios de bandeira de um país pela
         tido de constituírem actos soberanos,  quadro legal que torna mais ágil, e des-  própria autoridade com poderes de ad-
         como sendo actos técnicos reveladores  burocratizador, o conjunto jurídico de  ministração e Flag State, é aquilo que a
         de um controlo efectuado com vista a  actos e procedimentos que regulavam  doutrina francesa clássica apelida de
         garantir condições de segurança ma-  os institutos da vista de chegada, da  visites périodiques e visites extraordinai-
         rítima. Já existiam tais tipos de actos,  visita de saída, de validação e confir-  res; estes são actos técnicos regulados
         estabelecidos como tal, no Regulamento  mação de documentos do navio   e do  por disposições internas. Em Portugal,
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         da Polícia e dos Portos de 1811, nos textos  despacho de largada, de molde a con-  nos portos, tais actos constituem, qua-
         do Regulamento de 1839, nos regula-  tribuir para uma maior celeridade em  se totalmente, competência do IPTM,
         mentos de vistorias de 1868 e no Regu-  tempos gastos pelos navios, e respec-  sobretudo quanto a navios com mais
         lamento Geral das Capitanias de 1892,  tivos operadores, no porto e no espaço  de 12 metros de comprimento e todos
         entre muitos outros exemplos que aqui  portuário. Assegurando-se, contudo,  os de passageiros, ficando os restantes
         se não apontam em virtude do espaço  que não é possível desenvolver a acti-  actos de vistoria a cargo das Capitanias
         útil para comentário.              vidade comercial marítima sem que a  dos Portos e seus peritos (num forma-
           De entre alguns daqueles actos que  mesma se faça em condições de segu-  to que se encontra, presentemente, em
         corporizam, em sentido estrito, o con-  rança marítima.               processo de análise e actualização téc-
         trolo público efectuado pela autoridade   No pensamento clássico latino, au-  nico-administrativa).
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         pública do Estado nos portos, assumem  tores como Camille Girault, Baldi  ,   No contexto do que brevemente vem
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         especial relevância a visita e o desemba-  Franchi, Ripert, Rodiére  ) e Pescatore,  dito, porque a presente matéria assume
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         raço - acto que, desde 2002, é qualifica-  especialmente o primeiro  , bem como  peso fundamental com impactos direc-
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         do como despacho de largada de navios.  os clássicos portugueses  , iniciavam  tos nos mecanismos de celeridade eco-
         Ambos são actos típicos da Autoridade  alguns dos mais importantes capítulos  nómica e funcionamento dos portos,
         Marítima, e ambos são determinados  das suas obras destinadas ao direito  parecerá útil apontar as grandes linhas
         pelos capitães dos portos desde a cria-  marítimo/regulação e polícia da nave-  da reforma ora operada, a saber:
         ção do cargo, em 1804.             gação, com a matéria da visite des navi-  1. O acto de visita de entrada a navios
           Esta temática ganhou acuidade acres-  res, dando uma especial ênfase à visite  e embarcações é, quanto ao seu âmbito
         cida face à revisão, recentíssima, ope-  de partance e à matéria reguladora da  de aplicação, regulado de forma objecti-
         rada pelo Decreto-Lei nº 370/2007, de  partenza di porto. Em Portugal, de for-  va pelo artigo 2º do diploma, no qual se
         06 de Novembro, do regime jurídico da  ma algo inexplicável, tais matérias fo-  definem, de forma taxativa, as situações
         visita de entrada, da visita de saída e  ram sendo retiradas do âmbito dos es-  em que pode ocorrer. Especificamente,
         do despacho de largada de navios, que  tudos académicos do direito marítimo,  existe uma situação de obrigatoriedade
         veio alterar, em determinados aspectos  mantendo-se quase como uma estrutura  jurídica - a de arribadas -, sendo que em
         de forma substantiva, os quadros le-  legal específica, muito devido ao facto  todas as outras o capitão do porto pode
         gais que haviam sido estabelecidos nos  do verdadeiro código marítimo português  determinar a realização da visita. Este
         anos setenta, mais precisamente com os  - o Regulamento Geral das Capitanias  acto público deixa, assim, de ser obri-
         diplomas enquadradores do desembara-  - estar funcionalmente sediado, e sus-  gatório à entrada e saída de todos os
         ço de navios, o Decreto-Lei nº 265/72, de  tentado, no quadro de intervenção da  navios dos portos nacionais, como era
         31 de Julho e o Decreto-Lei nº 325/73,  Marinha/Autoridade Marítima, o que  exigível pelo DL 519/80.
         de 02 de Julho, e o decreto-lei que reins-  terá incomodado, em determinada altu-  2. Manteve-se, contudo, total con-
         tituiu a visita de polícia (o Decreto-Lei nº  ra, alguns interventores e operadores do  trolo em sede da Autoridade Maríti-
         519/80, de 05 de Novembro.         universo marítimo. Crê-se que tais tem-  ma. As seis situações estabelecidas no
           Os trabalhos de revisão legislativa,  pos estão passados.           nº1 do artigo 2º do diploma estabele-
         cujos inícios anteprojectados remon-  Por outro lado, mesmo que se enten-  cem os casos nos quais, por razões de
         tavam já a 2004, indiciavam uma di-  da que parte da doutrina maritimista  polícia, por dúvidas técnicas desig-
         ficuldade que se antevia de alguma  portuguesa, eventualmente devido à  nadamente resultantes de avaria, por
         forma sensível: o ser, ou não, possível,  sua excessiva mecanicidade processual  questões relativas à origem do navio
         conjugar actos clássicos de soberania,  própria da lide contenciosa, tende a  e/ou cargas, e, sobretudo, face à neces-
         culturalmente típicos da intervenção  desconsiderar a necessidade de estudo  sidade de avaliação do acesso de na-
         pública do Estado, com os novos teci-  a avaliação de tais actos públicos, tão  vio a águas territoriais ou do caso em
         dos legais que integram quer o con-  tradicionais no direito marítimo stricto  que o navio nelas pretenda fundear, o
         trolo de navios pelo Estado do porto  sensu, impõe-se revisitar a necessidade  capitão do porto pode, em virtude da
         - vulgo Por State Control – e os restan-  do seu estudo até a nível académico,  análise que efectue da situação, deter-
         tes mecanismos de inspecção já defi-  dando-se sequência à sustentação dou-  minar a visita.

         6  JANEIRO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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