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HISTÓRIAS DA BOTICA (70)
O Camarada do Sporting…
e aquela outra maneira de ser…
Desta vez é que são elas….Estava mesmo nador cessante, “muita tranquilidade”. Existe velhas glórias do clube verde e de como o trei-
a pedi-las.Até que enfim se espalhou ao também naquela instituição uma forte tradição nador de saída, à sua maneira, encarnava muitas
comprido, veja só do que ele se lem- de tolerância para com os dirigentes que vão das características daquela margem da 2ª circu-
brou desta vez…Todos estes desabafos e inter- aparecendo, alguns com pouco conhecimento lar – ele que lá tinha sido jogador. Comentou-
jeições se aplicarão (ainda mais) a este escritor de futebol. Exceptua-se, é claro, um determina- -se, também, o facto de as escolas do Sporting
de meia tigela, depois desta redacção impru- do dirigente com uma predilecção por engar- terem produzido a maioria das grandes glórias
dente. Acontece que sou do Sporting Clube de rafar águas, refrigerantes e cervejas e que afir- recentes do futebol nacional, como o foi Figo
Portugal. Não é por mero acaso que aqui admito mou esta ideia histórica: a sua ciência e cultura (porventura um dos portugueses mais famosos
tal fraqueza, é por tradição familiar e uma certa provinham dos “muitos livros que leu…” Esta de sempre, conhecido por todo o mundo), sim
forma de estar que – acredito eu – caracteriza os frase, aliás, foi injustamente reproduzida no se- e até aquele jovem que nasceu na bela ilha da
verdadeiros adeptos daquele clube. manário Expresso como a frase mais cómica, da Madeira e que agora, certamente por impera-
semana em que foi publicamente proferida…. tivos da moda, tem brincos e maquilha as so-
Nas andanças do Alfeite, a casa da Marinha Temos, também, uma relativa tradição de contas brancelhas (o que aparentemente não lhe tem
onde o verde da natureza mais pesa, dei de ca- seguras, o que se tornou uma raridade no pa- afectado a garra futebolística).
ras recentemente com outro adepto do Sporting.
Temos contudo, aparte daque- norama nacional. No nosso país, que está em O futebol em qualquer clu-
la mesma simpatia desportiva, contínua crise económica, estranhamente pare- be é isto mesmo: falar de gló-
importantes diferenças. Eu sou ce nunca faltar o dinheiro para aquele desporto rias passadas e presentes, bem
mais discreto e prefiro a escrita nobre. Neste particular poucos clubes falam tão como um avivar de amizades.
como manifestação da inquie- abertamente das suas dificuldades financeiras, Não deverá ser nunca um
tação que amiúde me atravessa como o clube de Alvalade. modo de exacerbar ódios, por
o espírito. Ao contrário, aque- objectivos que são efémeros e
le Oficial, velho conhecido de Que pseudo-adeptos do Sporting tenham muito pouco importantes para
embarques passados, faz do pensado em agredir, matar e esfolar, por maus o que realmente deveria ser va-
futebol uma parte importan- resultados é tabu para os antigos do Sporting, lorizável na vida de cada um
te da sua vida: perde poucos habituados a travessias de desertos bem mais de nós… Na nobre Instituição
jogos, alguns até mesmo no longos do que o actual. Como já compreendeu que servimos, a Marinha, estão
estrangeiro e trata os interve- a esta altura o leitor amigo, é precisamente por representados todos os clubes
nientes daquele desporto no- este sentir que eu tanto gosto do Sporting anti- de futebol. Embora tenha pre-
bre por tu… go e das pessoas que verdadeiramente gostam senciado múltiplas e acesas
deste clube. Consideramos, de uma forma geral, discussões entre os simpatizan-
Dizia-me então o dito Oficial que na vida é preciso saber perder com tanta tes marinheiros, dos diversos
entusiasmado: honra como quando se ganha…Acreditamos clubes, nunca vi uma desaven-
muitos, e eu subscrevo daqui inteiramente, que ça séria entre camaradas motivada por futebol
– Não queres lá ver ó Doc, a vitória a todo o custo no futebol é errada e que – dessas que acontecem amiúde, noutros en-
que os adeptos do Sporting já são iguais aos ou- não existem fins desportivos que justifiquem os quadramentos, noutras instituições. Parece que
tros. Será que a maléfica Globalização a tanto meios que aqueles descontentes se propunham cada um de nós – do mais humilde, ao mais res-
obrigou? – E continuava no mesmo tom ruido- utilizar. São lirismos, dirão muitos, mas são es- ponsável – terá também percebido o verdadei-
so que o caracteriza – Que animais são aqueles, ses lirismos que aparentemente se estão a per- ro valor da bola, dos jogadores e daquele circo
que querem invadir o estádio, partir a cara ao der nesta nova vaga de adeptos, para os quais a (…em que actuam algumas feras) chamado fu-
treinador, matar e estragar… Aquilo não é ser vitória é tudo e justifica toda a violência. tebol nacional…É um motivo de orgulho para
sportinguista… Concluiu finalmente. a Marinha, que aqui merece menção honrosa
Fomos dali para o almoço eu e aquele distinto e, nesse sentido, também deve ser fonte de or-
Referia-se, aquele Camarada do Sporting, camarada. Ali se comentaram mais uma vez as gulho para todos os que envergam primeiro, e
aos recentes acontecimentos em que adeptos antes de tudo, as cores da casa…
daquele clube tentaram invadir o estádio e pro- A esta altura, sinto-o daqui, já existe um so-
vocaram toda a sorte de desacatos, após uma noro ranger de dentes de outros marinheiros,
série de maus resultados desportivos...Na verda- de outros quadrantes futebolísticos, que não
de, concordei intimamente com o meu amigo. gostam assim tanto do SCP, nem da publici-
Eu próprio me afastei dos estádios por uma falta dade que aqui lhe faço…Vou sair de mansi-
de correcção de muitos adeptos que atinge, pelo nho, com carradas de tranquilidade, afinal foi
menos na linguagem, a selvajaria. O desrespeito o que fiz em muitos dos outros escritos e este
roça frequentemente níveis que noutros meios, não será diferente. Sou, ficou-se a conhecer, do
fora dos estádios de futebol, mereceriam inter- Sporting, mas por isso não vale a pena estragar-
venção da polícia. No entanto, estes comporta- -me as escovas limpa-vidros. Estas estão presas
mentos aberrantes são tolerados como a “nor- a um carro, discreto, de uma marca francesa
malidade” aceite como expectável… e de uma cor esverdeada…símbolo daquela
outra maneira de ser…
Não é essa a tradição dos sportinguistas. A
tradição daquele clube – aceitarão mesmo os Z
seus adversários – é a de perder com boa cara
(como aconteceu durante anos consecutivos), Doc
ganhar quando menos se espera e apresentar
em todas as situações, como bem dizia o trei-
30 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA