Page 30 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DA BOTICA (70)

O Camarada do Sporting…
   e aquela outra maneira de ser…

Desta vez é que são elas….Estava mesmo             nador cessante, “muita tranquilidade”. Existe       velhas glórias do clube verde e de como o trei-
        a pedi-las.Até que enfim se espalhou ao     também naquela instituição uma forte tradição       nador de saída, à sua maneira, encarnava muitas
        comprido, veja só do que ele se lem-       de tolerância para com os dirigentes que vão        das características daquela margem da 2ª circu-
brou desta vez…Todos estes desabafos e inter-      aparecendo, alguns com pouco conhecimento           lar – ele que lá tinha sido jogador. Comentou-
jeições se aplicarão (ainda mais) a este escritor  de futebol. Exceptua-se, é claro, um determina-     -se, também, o facto de as escolas do Sporting
de meia tigela, depois desta redacção impru-       do dirigente com uma predilecção por engar-         terem produzido a maioria das grandes glórias
dente. Acontece que sou do Sporting Clube de       rafar águas, refrigerantes e cervejas e que afir-    recentes do futebol nacional, como o foi Figo
Portugal. Não é por mero acaso que aqui admito     mou esta ideia histórica: a sua ciência e cultura   (porventura um dos portugueses mais famosos
tal fraqueza, é por tradição familiar e uma certa  provinham dos “muitos livros que leu…” Esta         de sempre, conhecido por todo o mundo), sim
forma de estar que – acredito eu – caracteriza os  frase, aliás, foi injustamente reproduzida no se-   e até aquele jovem que nasceu na bela ilha da
verdadeiros adeptos daquele clube.                 manário Expresso como a frase mais cómica, da       Madeira e que agora, certamente por impera-
                                                   semana em que foi publicamente proferida….          tivos da moda, tem brincos e maquilha as so-
  Nas andanças do Alfeite, a casa da Marinha       Temos, também, uma relativa tradição de contas      brancelhas (o que aparentemente não lhe tem
onde o verde da natureza mais pesa, dei de ca-     seguras, o que se tornou uma raridade no pa-        afectado a garra futebolística).
ras recentemente com outro adepto do Sporting.
Temos contudo, aparte daque-                       norama nacional. No nosso país, que está em                             O futebol em qualquer clu-
la mesma simpatia desportiva,                      contínua crise económica, estranhamente pare-                        be é isto mesmo: falar de gló-
importantes diferenças. Eu sou                     ce nunca faltar o dinheiro para aquele desporto                      rias passadas e presentes, bem
mais discreto e prefiro a escrita                   nobre. Neste particular poucos clubes falam tão                      como um avivar de amizades.
como manifestação da inquie-                       abertamente das suas dificuldades financeiras,                         Não deverá ser nunca um
tação que amiúde me atravessa                      como o clube de Alvalade.                                            modo de exacerbar ódios, por
o espírito. Ao contrário, aque-                                                                                         objectivos que são efémeros e
le Oficial, velho conhecido de                        Que pseudo-adeptos do Sporting tenham                              muito pouco importantes para
embarques passados, faz do                         pensado em agredir, matar e esfolar, por maus                        o que realmente deveria ser va-
futebol uma parte importan-                        resultados é tabu para os antigos do Sporting,                       lorizável na vida de cada um
te da sua vida: perde poucos                       habituados a travessias de desertos bem mais                         de nós… Na nobre Instituição
jogos, alguns até mesmo no                         longos do que o actual. Como já compreendeu                          que servimos, a Marinha, estão
estrangeiro e trata os interve-                    a esta altura o leitor amigo, é precisamente por                     representados todos os clubes
nientes daquele desporto no-                       este sentir que eu tanto gosto do Sporting anti-                     de futebol. Embora tenha pre-
bre por tu…                                        go e das pessoas que verdadeiramente gostam                          senciado múltiplas e acesas
                                                   deste clube. Consideramos, de uma forma geral,                       discussões entre os simpatizan-
  Dizia-me então o dito Oficial                     que na vida é preciso saber perder com tanta                         tes marinheiros, dos diversos
entusiasmado:                                      honra como quando se ganha…Acreditamos                               clubes, nunca vi uma desaven-
                                                   muitos, e eu subscrevo daqui inteiramente, que      ça séria entre camaradas motivada por futebol
  – Não queres lá ver ó Doc,                       a vitória a todo o custo no futebol é errada e que  – dessas que acontecem amiúde, noutros en-
que os adeptos do Sporting já são iguais aos ou-   não existem fins desportivos que justifiquem os       quadramentos, noutras instituições. Parece que
tros. Será que a maléfica Globalização a tanto      meios que aqueles descontentes se propunham         cada um de nós – do mais humilde, ao mais res-
obrigou? – E continuava no mesmo tom ruido-        utilizar. São lirismos, dirão muitos, mas são es-   ponsável – terá também percebido o verdadei-
so que o caracteriza – Que animais são aqueles,    ses lirismos que aparentemente se estão a per-      ro valor da bola, dos jogadores e daquele circo
que querem invadir o estádio, partir a cara ao     der nesta nova vaga de adeptos, para os quais a     (…em que actuam algumas feras) chamado fu-
treinador, matar e estragar… Aquilo não é ser      vitória é tudo e justifica toda a violência.         tebol nacional…É um motivo de orgulho para
sportinguista… Concluiu finalmente.                                                                     a Marinha, que aqui merece menção honrosa
                                                     Fomos dali para o almoço eu e aquele distinto     e, nesse sentido, também deve ser fonte de or-
  Referia-se, aquele Camarada do Sporting,         camarada. Ali se comentaram mais uma vez as         gulho para todos os que envergam primeiro, e
aos recentes acontecimentos em que adeptos                                                             antes de tudo, as cores da casa…
daquele clube tentaram invadir o estádio e pro-                                                          A esta altura, sinto-o daqui, já existe um so-
vocaram toda a sorte de desacatos, após uma                                                            noro ranger de dentes de outros marinheiros,
série de maus resultados desportivos...Na verda-                                                       de outros quadrantes futebolísticos, que não
de, concordei intimamente com o meu amigo.                                                             gostam assim tanto do SCP, nem da publici-
Eu próprio me afastei dos estádios por uma falta                                                       dade que aqui lhe faço…Vou sair de mansi-
de correcção de muitos adeptos que atinge, pelo                                                        nho, com carradas de tranquilidade, afinal foi
menos na linguagem, a selvajaria. O desrespeito                                                        o que fiz em muitos dos outros escritos e este
roça frequentemente níveis que noutros meios,                                                          não será diferente. Sou, ficou-se a conhecer, do
fora dos estádios de futebol, mereceriam inter-                                                        Sporting, mas por isso não vale a pena estragar-
venção da polícia. No entanto, estes comporta-                                                         -me as escovas limpa-vidros. Estas estão presas
mentos aberrantes são tolerados como a “nor-                                                           a um carro, discreto, de uma marca francesa
malidade” aceite como expectável…                                                                      e de uma cor esverdeada…símbolo daquela
                                                                                                       outra maneira de ser…
  Não é essa a tradição dos sportinguistas. A
tradição daquele clube – aceitarão mesmo os                                                                                                               Z
seus adversários – é a de perder com boa cara
(como aconteceu durante anos consecutivos),                                                                                                         Doc
ganhar quando menos se espera e apresentar
em todas as situações, como bem dizia o trei-

30 JANEIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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