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Navio-Escola “Sagres”
Volta ao Mundo 2010
3ª PARTE
Aopulência arquitectónica da cidade de receberam, uma vez mais, os melhores elo- e Tierra del Fuego. Foi de forma inquestioná-
Buenos Aires e o seu ar cosmopolita gios dos nossos convidados. Contámos com vel que a capital Argentina conseguiu superar
europeu são a imagem refinada deste a presença do Almirante Omar Godoy, CEMA as nossas melhores expectativas. Até ao oce-
país colossal. A Argentina, estendendo-se do Argentino, de elementos do Corpo Diplomá- ano ainda seriam 15 horas de navegação em
Trópico até à Antárctida e dos Andes até ao tico, Autoridades Civis e Militares, pessoas de canais estreitos.
Atlântico, detém recursos naturais inimagi- cultura, etc.. A jornada para o Sul foi desgastante. Apro-
náveis. Desta riqueza material, destacamos Nesta cidade desembarcaram o Oficial e veitámos os primeiros dias para treinos e ma-
uma ampla carta de vinhos e a carne nutenções que sabíamos não serem
bovina, que sustentam uma gastrono- possíveis de realizar no próximo mês
mia riquíssima. Também na cultura, devido ao frio esperado. Cedo se apro-
os Porteños podem ombrear com o xima uma depressão muito cavada
velho continente. Orgulhosos da cria- e seria insensato apanhá-la em mar
ção doTango, preservam o bairro que aberto. Fomos obrigados a procurar
o viu nascer. No El Caminito, o tango abrigo. Curiosamente, buscámos re-
dançado na rua funde-se com o fana- fúgio no Golfo de San Matías. Neste
tismo do futebol, as crianças imitam local, há quase cinco séculos atrás,
o ídolo nacional Maradona, ao som também Fernão de Magalhães parou
das guitarras que entoam a sua mú- na sua demanda da passagem para as
sica. Apesar de estar longe da pátria Molucas. Por estarmos a percorrer os
e de se encontrar banhada nesta des- mesmos caminhos deste ilustre nave-
lumbrante cultura argentina, a coe- gador português, vários elementos da
sa Comunidade Portuguesa preserva A “Sagres” nas “TERRAS DO FIM DO MUNDO”. guarnição desenvolveram um interes-
afincadamente as nossas tradições e sante estudo sobre a sua vida. O livro
recebeu-nos de forma entusiasta. A sua visi- Guarda-marinhasArgentinos que nos acompa- Fernão de Magalhães – Para Além do Fim do
ta ao navio e a sua participação no desfile de nhavam desde Mar del Plata, e recebemos um Mundo, está entre os mais requisitados, pas-
guarnições foram momentos memoráveis.Vá- grupo de Guarda-marinhas Chilenos que nos sando de mão em mão, tem satisfeito a ânsia
rias minhotas trajadas a rigor deram alegria e acompanharam até Ushuaia. Oportunidade de conhecimento de muitos curiosos. Discu-
cor ao cortejo em que cada navio seguia com para conhecermos melhor as suas marinhas e tem-se os seus métodos, a sua perseverança e
a comunidade respectiva. Durante a estadia países e eles nos conhecerem a nós como Ma- a sua bravura. Procuram-se nas cartas náuti-
sentimo-nos constantemente acarinhados e rinheiros e como Portugueses. Foi um convívio cas os locais referidos por António Pigafetta,
por consequência, muito orgulhosos por tra- muito interessante que demonstrou a facilida- o cronista que permitiu que os seus feitos não
zer Portugal aos nossos emigrantes. Num acto de de entendimento entre marinheiros e que fossem escamoteados.
de solidariedade ímpar, este organizado gru- permitiu criar laços de amizade. De capa, apesar da protecção do golfo, ain-
po reuniu uns simbólicos seiscentos quilos de Antevendo também as dificuldades do clima da fomos varridos por ventos na ordem dos
ajuda humanitária. Alguns medicamentos e que iríamos enfrentar, o nosso sistema de apoio quarenta e cinco nós. A sua passagem, dei-
leite em pó, que o navio transportará até às ví- logístico conseguiu colocar a bordo, em tempo xou algumas marcas no velame, razão pela
timas do sinistrado Chile. As caixas continham recorde, os necessários reforços de agasalho. qual, tivemos que fazer algumas reparações.
etiquetas com o incentivo “Fuerza Chile”. Basicamente roupa interior térmica, gorros e Desenvergar a Gávea Baixa, que ficou com
Nada melhor que alguém CFR Bessa Pacheco uma costura aberta de alto
que reconstruiu a vida nou- a baixo, empenhou muita
tro país para reconhecer o mão-de-obra. No corredor
esforço necessário para re- do Paiol do Mestre, a vela
construir a vida no nosso adquire outras proporções,
próprio país. Estes portu- a Cruz de Cristo que lá no
gueses foram pedra basilar alto parece pequena, tem
na consolidação desta vi- agora o tamanho de um
sita na nossa memória fu- homem. Os paioleiros lide-
tura. Também neles estava ravam uma vasta equipa de
estampado o orgulho de ajudantes, que com a aju-
poderem mostrar esta “Sa- da da máquina de coser,
gres” bem portuguesa aos repararam o estrago causa-
seus descendentes, amigos do pelo vento. O trabalho é
e colegas. feito com profissionalismo e
Várias recepções e várias O trajecto da “Sagres” entre Ushuaia e Punta Arenas, com passagem pelo Cabo Horn. boa disposição.
homenagens fizeram parte Após alguns dias de mau
deste que é o contributo da Marinha Argentina protecção para pescoço. A nossa “Sagres” é o tempo, em que a temperatura média do ar
para as celebrações do bicentenário do país. único navio do grupo que tem a ponte a céu baixou 20ºC e a água do mar 15ºC, passámos
A população acorreu em força a visitar os na- aberto. – Bravos, estes portugueses! Dizem os pelo CaboVirgens que marca a entrada do Es-
vios e totalizou-se num só dia um número de camaradas dos outros navios. treito de Magalhães e entrámos o Estreito de
visitas que não se atingia desde a presença do Por fim, revigorados e com o sentido de mis- Le Maire, entre a Tierra del Fuego e a Isla de
navio na Expo98: 22 640 pessoas! Na recep- são cumprida, largámos dia nove de Março, Los Estados, onde se situa o farol de San Juan
ção a bordo, o Bacalhau e o Pastel de Nata em direcção à Região da Patagónia Argentina del Salvamento, imortalizado por Júlio Verne
4 MAIO 2010 U REVISTA DA ARMADA