Page 2 - Revista da Armada
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MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE
ELMANO SADINO
Manuel Maria Barbosa du Bocage é uma das mais brilhantes figuras das letras
portuguesas, nascido na cidade de Setúbal a 15 de Setembro de 1765, numa casa hoje
situada na Rua Edmond Bartissol. A sua vida é um misto de mito e realidade onde se
misturam formas lendárias de uma tendência boémia e quezilenta, de verve fácil e afiada
que granjeou muitos inimigos e lhe valeu algumas passagens pela prisão. Bocage foi,
sobretudo, um homem de excessos que obscureceram uma formação clássica muito
cuidada e um génio literário com uma obra multifacetada, onde se contam os mais belos
sonetos alguma vez escritos em língua portuguesa, magníficos poemas líricos, várias
canções, peças de teatro e muitas traduções de língua francesa e clássicos latinos, como
Virgílio e Ovídio.
Tinha 16 anos de idade quando se alistou como voluntário no exército e, um ano
depois, integrou a recém-criada Companhia de Guardas Marinhas preparando-se
para uma carreira na Armada. Mas o génio intranquilo com a mão nervosa na pena e
na espada levaram-no à prisão, de que se livrou com o exílio para a Índia. D. Maria I
nomeou-o Guarda Marinha do Estado da Índia, com carta patente assinada em Fevereiro de
1786, embarcando na armada que partiu a 14 de Abril. Mas não foi ali que o seu espírito
descansou: em 1789 desertou em Damão e foi parar a Macau onde viria a ser preso e
reenviado ao reino, demitido do cargo. Desta época é o soneto onde fala da sua má
ventura, comparando a sua vida com a de Camões:
Camões grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
[...]
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Integrou a Academia das Belas Letras (Nova Arcádia), adoptando o pseudónimo
de Elmano Sadino, mas cedo se incompatibilizou com os confrades a quem chegou a
dirigir versos acutilantes de crítica. Pina Manique mandou-o prender em 1797, por
ser “desordenado de costumes”, permanecendo no Limoeiro e no Real Hospício das
Necessidades durante mais de um ano. Cansado e, talvez, pressentindo uma morte
próxima, abrandou a sua vida e dedicou-se às letras, numa estreita colaboração com os
Padres Oratorianos que conhecera no Hospício.
Morreu em Lisboa, com um aneurisma, no dia 21 de Dezembro de 1805. Num soneto
que escreveu com graça, diz-nos de si próprio “... eis Bocage em quem luz algum talento”.
São palavras modestas para a dimensão artística do grande poeta e homem de letras que
foi Manuel Maria Barbosa du Bocage.
J. Semedo de Matos
CFR FZ