Page 30 - Revista da Armada
P. 30
NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (18)
As coisas que interessam...
Se me perguntarem um dia qual o tema
principal dos meus escritos nesta revis- ou tamanho, aparentemente insignificantes… saudades. Pareceu-lhe, naqueles dias, mais
ta, terei resposta pronta: são as coisas pequenas coisas na verdade… importante que servisse para matar a fome
pequenas… A nossa vida é cheia de peque- de quem precisava.
nas coisas que moldam as nossas vidas, por Não desconfiei de nada quando me convi-
vezes tão insignificantes aos olhos de alguns, daram para o lançamento de um livro no Mu- Munidos de tão preciosa carga lá partimos
que não são valorizadas… seu de Marinha. O escritor desse livro é um num bote numa tarde quente. A emoção de
amigo de longa data. O livro tem interesse quem recebeu a doação era evidente… Ao
Pois ao contrário, a minha história, e estas histórico extremo, visto descrever exatamente outro dia, tinha na minha secretária, num por-
histórias, estão repletas de coisas pequenas, a saída dos Portugueses de Timor, em 1975 – tuguês excelente, um carta agradecida que
mas de extrema importância. Comecei a es- um tema caro a muitos. Mas havia mais uma afirmava reconhecimento e concluía: “nunca
crever na revista por puro acaso. Escrevi pri- surpresa… poderemos pagar, mas ficarão para sempre nas
meiramente sobre a minha missão em Timor nossas orações”… Muitas vezes na vida acre-
– missão que viria a moldar toda a minha car- Havia uma exposição sobre Timor, com fo- dito que essas orações muito me ajudaram…
reira e toda a minha vida. Depois houve quem tos, livros e outros objetos alusivos à ex-colónia
gostasse (… ainda não percebi bem porquê). mais distante de Portugal. No meio das fotos, Esta pequena iniciativa silenciosa e muitas
lá estava eu… assim… sem aviso… numa fo- outras mais, oficiosas e não oficiosas, dos por-
Durante anos paguei um preço (particular- tografia tirada em Dezembro de 1999, quando tugueses naquela época terão reafirmado a boa
mente entre os meus próprios pares) – acha- eu próprio lá estive… Fiquei emocionado… impressão que os timorenses já guardavam dos
va-se que as histórias tinham “segundas inten- portugueses e dos marinheiros em especial. A
ções”, ou que eu “expunha a minha intimidade Foi emTimor que conheci a fome. Não a mi- mim reforçou-me a ideia que já tinha… esta-
mais do que conviria” e, esta última e perigosa nha, mas a de outros seres humanos, em tudo mos sempre ao nosso melhor quando pensa-
característica, achavam alguns, iria gravemente iguais a todos os outros, exceto na particulari- mos nos outros…
prejudicar a minha já pouco promissora car- dade de terem nascido num país ocupado e te-
reira militar… rem sido perseguidos na sua identidade, no seu São estas as coisas importantes da vida. Aju-
íntimo… A fome é a grande niveladora do so- dar, ficar reconhecido, acreditar. Por esta lógi-
Respondi sempre a essas críticas com a ver- frimento, condiciona tudo à sua volta, o amor, ca daqui vai um Muito Obrigado, profunda-
dade simples (…um valor muito esquecido o ódio e, especialmente, esvazia a alma… mente, reconhecido aos amigos que naquele
entre nós). A verdade é que não sei escrever dia me convidaram para tão feliz evento… .
de outro modo... Não escrevo para agradar ou As tradutoras do hospital em que os portu- Mais uma pequena coisa que muito alegrou
desagradar a ninguém, não escrevo para meu gueses trabalharam tinham pouco que comer. a minha vida…
próprio benefício e não sei escrever sobre nada É um sentimento que incomoda na alma – na
que não sinta profundamente… é este o meu nossa se a ouvirmos. Falei a bordo com o co- Em relação aTimor, espero (…e esperam os
único segredo importante… O outro segredo zinheiro e com o despenseiro. O último dis- portugueses de bom sentir, particularmente os
significativo é o de apreciar o ruído do vento, pôs pão em grande quantidade e umas latas mais humildes) que encontre o seu caminho
as ondas a bater na praia, o escuro do céu que de leite em pó – que não “iriam fazer falta a no mundo e na língua de Camões… estará
antevê a tempestade e o sol da manhã num dia bordo”… O cozinheiro alentejano – o mítico sempre no coração desta nação de marinhei-
frio de inverno. Tudo coisas da vida sem peso “cardeal poupas”, cantor e eternamente bem- ros…. É verdadeiramente uma nação irmã… .
-disposto, produziu um saco de linguiça da
sua terra… . Que tinha reservado para matar
Doc
COMISSÃO CULTURAL DA MARINHA
Mostra “O Contratorpedeiro Tâmega”
A4 de outubro, a Biblioteca
Central da Marinha (BCM) lização da pesca na Zona Norte.
inaugurou uma Mostra Do- Em abril de 1926 apoiou o raid
cumental e Iconográfica subordi- do avião “Sagres” que partiu de Lis-
nada ao tema “O Contratorpedei- boa com destino aos arquipélagos
roTâmega”, que esteve patente ao da Madeira e dosAçores. Em 26 de
público até 19 de outubro, nas ins- julho de 1926 participou nos exer-
talações da Biblioteca, em Belém. cícios da Força Naval em Sesimbra
levando a bordo o Presidente da
O Contratorpedeiro Tâmega foi República, general Óscar Carmona.
o quarto e último navio da clas- Destaca-se a única vez que se
se “Douro”, tendo sido lançado deslocou ao estrangeiro, a Espanha
à água em 21 de outubro de 1922, na presença do Presidente da em 1929, mais concretamente à Exposição Ibero-Americana de Sevilha.
República, Dr. António José de Almeida, e do Ministro da Marinha, Em 1930 esteve presente no lançamento da primeira pedra do porto
Capitão-tenente Azevedo Coutinho. de Setúbal, cerimónia a que presidiu o general Óscar Carmona. Por di-
versas vezes, no ano de 1937, esteve no Arsenal do Alfeite. Em agosto
Durante os 18 anos ao serviço da Armada (1924-1942), a sua ativi- desse mesmo ano, fez a subida do plano inclinado daquele estaleiro.
dade operacional pautou-se essencialmente por exercícios, manobras Foi abatido ao efetivo dos navios da Armada em 2 de setembro de
e lançamento de torpedos para adestramento das guarnições, bem 1942 e vendido em hasta pública no ano de 1943.
como visitas oficiais e de rotina a portos nacionais, e ainda à fisca-
30 DEZEMBRO 2012 • Revista da Armada