Page 16 - Revista da Armada
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versidade de embarcações tradicionais de triangulares de estai à proa. va, essencialmente, ao transporte de carga
carga do Estuário do Tejo, apresenta-se de Os Varinos destinavam-se, em grande pesada, com destaque para os materiais de
seguida uma breve descrição das suas ca- medida, ao transporte de mercadorias en- construção (incluindo areia e saibro), possuía
racterísticas e funções. tre as margens do estuário, nomeadamente algumas adaptações técnicas: a proa era mais
produtos hortícolas, rama de pinho seco, arqueada e a “popa fechada” para aliviar o
CARACTERÍSTICAS E FUN- cortiça, ferro, areia, farinha, açúcar, vinho embate aquando das operações de carga e
ÇÕES DAS EMBARCAÇÕES e sal, entre outros. descarga (Cf. Leitão, 2002: 93). “Íamos à praia
TRADICIONAIS do Alfeite carregar areia, que transportávamos
Os pequenos Varinos, utilizados para para a Doca de Santo Amaro, para as obras.
navegar nas águas pouco profundas a Transportávamos ainda pedra da Doca de
As Fragatas, embarcações à vela de um montante de Lisboa (incluindo os esteiros, Santo Amaro para os fornos de Salvaterra e
só mastro (com um ligeiro caimento para a valas, canais e pequenos rios afluentes do Benavente, para fazer cal. Depois, quando
ré, aparelhando uma vela latina quadran- Tejo), eram também conhecidos como descíamos o rio vínhamos carregados de pi-
gular e uma triangular de estai) e “de fun- Barcos de Água Acima (em geral, com to- nho para a Doca de Santo Amaro, para abas-
do redondo e proa direita” (Leitão, 2002: nelagem inferior a 50 ton.) – Figura 3. tecer os fornos de pão de Lisboa. Quando o
41), possuíam as maiores dimensões, em- Para além das características do fundo, o cangueiro não tinha serviço, dava entrada no
bora a sua tonelagem fosse muito variável leme apresentava-se muito comprido para Grémio e andávamos no rio a carregar cortiça
(Figura 2). compensar a menor área submersa e, assim, e madeira, isto por volta de 1942. Chegámos
O calado destas embarcações constituía, poder chegar a locais de águas pouco pro-
contudo, um factor condicionador a vir ao porto de Sarilhos carregar ma-
da sua navegação em águas pouco deira para a Covina, localizada a se-
profundas, restringindo o seu acesso guir a Sacavém. Este cangueiro (“Ma-
aos designados “portos baixos”. Não ria Júlia”) tinha 50 toneladas” (António
obstante, era uma embarcação rela- Fernandes Júnior, 2011).
tivamente rápida, conforme é expli-
cado por António Fernandes Júnior Os Botes apresentavam traça seme-
(2011), um antigo Arrais de Fragata: lhante às Fragatas, embora sendo de
“As fragatas tinham quilha e por isso menor porte. Armavam “uma vela
aguentavam mais a bordejar. Já os grande de carangueja e, por vezes,
varinos, como tinham o fundo chato duas velas à proa – um estai e uma
rolavam mais com a vela cheia; por bujarrona” (Carrasco, 1997: 23). Lei-
isso, andavam menos”. tão diferencia os Botes, propriamente
De acordo com Leitão (2002: 91), ditos, dos Botes de meia-quilha, con-
as Fragatas, conjuntamente com os siderando que “as diferenças funda-
Varinos, tinham como ocupação Fig.3 - Barco de Água Acima carregado de cortiça. mentais que existem entre [eles] são a
consequência natural do fundo forte-
principal “a descarga de navios e o mente abaulado e dos bojos volumo-
transporte da sua carga de trigo, fa- sos do bote de meia-quilha”, acres-
rinha, carvão de coque, maquinaria, centando ainda que este último barco
etc., para várias zonas do porto de ao ser concebido “para navegar em
Lisboa”, carregando também “azei- sítios com pouca água e assentar no
te em Vila Franca de Xira, cimento fundo na maré baixa, (…) é um pouco
em Alhandra, cortiça em Sacavém, mais pequeno que o bote da mesma
Montijo, Moita, Alhos Vedros, Bar- época, calando menos não só em
reiro, Seixal, Amora e Caramujo”. consequência do seu tamanho mais
O leque de produtos transportados reduzido, mas também porque os
pelas Fragatas era, naturalmente, bojos bem cheios lhe proporcionam
mais amplo, destacando-se ainda: uma maior flutuabilidade em relação
“o vinho, que era carregado (…), por ao tamanho” (Leitão, 2002: 96).
exemplo desde a Arealva. Também
transportávamos muito açúcar, café, A capacidade média de carga destas
feijão, madeiras, amendoins e peles embarcações oscilava, em geral, entre
proveniente das colónias. No Cais do Fig.4 - Cangueiro (à direita) atracado no Porto de Lisboa. 20 e 50 ton., destinando-se essencial-
mente ao transporte de produtos hor-
Ginjal laborava a firma João Theotónio Pe- fundas, fruto do seu reduzido calado. tícolas, rama de pinho seco, cortiças, cereais
reira Júnior, Lda. (…). A Fragata “Maria Ali- Transportavam, entre outros produtos, a e vinho. Estas embarcações “carregavam tam-
ce” era propriedade desta empresa, na qual madeira e o arroz provenientes das Lezírias, bém encomendas (as mercearias) para Salva-
transportávamos vinhos, azeite, vinagre para o arroz e a pasta de tomate produzida nas terra, Benavente e outros portos (…) a partir da
exportação para as ex-colónias, mas tam- fábricas de Salvaterra de Magos ou o vinho doca do Jardim do Tabaco. Havia igualmente
bém para abastecimento da frota bacalhoei- a partir do Carregado, Azambuja, Cartaxo, vários botes que transportavam encomendas
ra nacional” (António José Fernandes, 2011). Salvaterra, Muge e Almeirim (Cf. Leitão, para Lisboa e para o Barreiro” (António Fer-
Por sua vez, os Varinos apresentavam 2002: 91). O transporte de cortiça até às nandes Júnior, 2011).
como principais características estrutu- unidades industriais localizadas no Estuário Um outro tipo de Bote era o Bote do Pi-
rais diferenciadoras a arqueação da proa do Tejo ou o transporte de carga geral era nho. Destinava-se ao transporte de rama
(“proa redonda”) e o fundo chato, que lhes também assegurado por estas embarcações. e toros de pinho para os fornos de pão da
garantia a acessibilidade a locais de águas No que diz respeito ao Cangueiro, as suas cidade de Lisboa, com uma capacidade de
pouco profundas, nomeadamente nos bra- características eram muito próximas de uma carga que variava entre 20 e 50 ton., apare-
ços de rio e esteiros da margem Sul, onde Fragata (incluindo o velame, ainda que o lhando uma pequena vela latina triangular
a profundidade é reduzida. À semelhança mastro apresentasse maior caimento), em- (vela de estai) à proa e uma grande vela la-
das Fragatas, possuíam um só mastro com bora fosse, em geral, de dimensão inferior tina quadrangular de carangueja junto ao
caimento para a ré, aparelhando uma vela (Figura 4). mastro (é conhecida uma excepção a este
latina quadrangular e uma ou duas velas Sendo uma embarcação que se destina- velame; trata-se do Bote do Pinho “Fernan-
16 JANEIRO 2013 • REVISTA DA ARMADA