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REVISTA DA ARMADA | 486
HOMENAGEM NACIONAL AOS COMBATENTES
A MEMÓRIA E O FUTURO
A 10 de Junho, Dia de Todos os Portugueses, as homenagens oficiais cumprem o dever de recordar os que publicamente se distinguem anual-
mente através da excelência das suas competências. Complementarmente, a Comissão para a Homenagem Nacional aos Combatentes vai nes-
se dia, pela 21ª vez, recordar todos os que em Armas morreram ao serviço de Portugal.
E porque combater deixa marcas indeléveis nas vidas dos que por amor de Portugal deram muitos dos seus dias em favor das causas nacionais,
vamos também homenagear os combatentes vivos e o vínculo permanente das suas famílias a Portugal, a geração futura, para que o sentimen-
to maior sobre essa dádiva patriótica tenha continuidade.
Nos céus da Guiné, há quarenta anos, do crescente maometano iluminando te- Foto SCH L Mário Carvalho
eu, como tantos outros, cumpria o nuemente a noite de portugueses de tan-
meu destino de militar piloto-aviador, es- tas etnias, ao som cavo de ondas peque- amar esta Pátria, dos que hoje se entre-
tava a combater. Passara um ano sobre o nas a bater nas margens, dei por mim a gam para assegurar a continuidade do
aparecimento dos mísseis STRELA, dois lembrar-me dos combatentes que morre- esforço secular dos nossos antepassados
meses apenas depois do último avião ter ram por amor a Portugal naquelas terras. para salvaguardar a nossa identidade, dos
sido abatido, um FIAT G-91, um mês ape- Enquanto este pequeno grupo de pilotos que irão responder “presente” perante os
nas depois de ter observado os “fumi- dava a sua vida por um Portugal do Futu- novos desafios que se impõem às gera-
nhos” correndo velozes atrás de um piloto ro, outros se quedaram por ali tão perto. ções vindouras.
que já se tinha ejetado e que, apesar de Emocionado, lembrei-me que, a poucas
ferido, sobreviveu nas bolanhas da Guiné, milhas do cais onde meditava, o Geba to- Aos jovens dos anos sessenta e setenta
tendo regressado ao combate com todo o mara como seu um dos meus melhores foi-lhes pedido muito e eles deram tudo,
empenho e toda a coragem em defesa dos amigos da Academia Militar, fatalidade muitas centenas de milhar deram parte
desígnios de Portugal. causada por agrestes condições de tempo da sua vida combatendo em armas e mui-
com que os céus da Guiné por vezes nos tos milhares morreram lutando por Portu-
Aparecera em Lisboa o livro “Portugal punham à prova. E depois… lembrei-me gal. Mas o seu percurso está a terminar.
e o Futuro”, pensado e amadurecido em de outros companheiros que já tinham É mais do que justo afirmar que essa ge-
terras da Guiné. Já se meditava sobre um enriquecido a linhagem dos eleitos ao se ração deixou um claro e inequívoco teste-
novo Portugal. entregarem pelo ideal de Portugal, o meu munho de amor pátrio. E é imperioso que
camarada porta-bandeira da Academia
Em certo dia cuja data não registei, Militar, homem de Cavalaria abatido em
voando em missão de ataque ao solo, ti- terras de Angola, mais um outro do meu
nha já largado o armamento, ao recupe- curso, piloto também, abatido por sobre
rar da longa descida, cabeça voltada para o Rovuma, outros de Infantaria e de Arti-
trás na pesquisa de eventuais ameaças, vi, lharia… e não pude esquecer que destas
claramente, caminhando para mim, uma águas partiu a Força que fez o resgate de
bola pequena envolvida por uma névoa um outro piloto, prisioneiro durante anos
que parecia estar a querer encontrar-se em Conakry, e com este evento lembrei-
comigo… e eu sem saber o que era. Mas -me dos heróis e dos mortos da Marinha
que a esfera vinha decidida, isso vinha… em apoio dos nossos soldados e na defe-
e eu não queria enfrentá-la… continuei sa dos interesses de Portugal no mundo,
a manobra evasiva mais uns segundos… nomeadamente durante a invasão de Goa.
não me perguntem quantos… ela desa-
parece, veloz, atrás de mim e… passados E na manhã seguinte, pela alvorada, lá es-
momentos explodiu, disse-me o outro pi- távamos os quatro, equipados para o voo,
loto da parelha. prontos para prosseguir os combates ne-
cessários para que se cumprisse Portugal.
Uns dias depois outra e outra dessas
bolas de névoa correram atrás dos meus Quarenta anos depois, quiseram con-
amigos… O míssil tinha regressado, ago- vidar-me para que me emocionasse de
ra mais sofisticado, sem fumos. Mas ha- novo, e de modo muito especial, presidin-
via que prosseguir o combate. Com esfor- do à Comissão Executiva para a Homena-
ços redobrados em missões de reconhe- gem Nacional aos Combatentes no dia 10
cimento e com pequenos ajustamentos de Junho de 2014, cerimónia a que venho
nos processos de vigilância, a nossa luta assistindo incógnito desde há uns bons
continuou. anos. Aceitei esta missão com a consciên-
cia de que promover a reflexão sobre a
Numa das noites depois de uma missão memória dos que combateram por Portu-
em que um dos nossos foi perseguido por gal é a melhor forma de ajudar a aumen-
esse novo “fantasma” fomos jantar a Bis- tar a assertividade dos que continuam a
sau. A lua já rasteira ajudava a compor o
ambiente nas margens do Geba. Sob a luz
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