Page 5 - Revista da Armada
P. 5
REVISTA DA ARMADA | 486
autores e em algumas ocasiões, com o mesmo significado de do-
mínio do mar, o conceito de controlo do mar é menos ambicioso,
estando limitado no espaço e no tempo.
O controlo do mar é a função primacial das marinhas, sendo
instrumental para a execução de qualquer outra função do poder
naval, como projeção de força, presença naval, resposta a catás-
trofes, assistência humanitária ou segurança marítima.
Com o aparecimento do conceito de sea control, surgiu também
o de sea denial ou, na terminologia portuguesa, negação do mar. O
sea denial consiste em negar a um oponente a capacidade para usar
o mar. Normalmente, o sea denial é a opção empregue pelas potên-
cias continentais, para tentarem contrariar a superioridade naval das
potências marítimas. Foi isso que aconteceu durante a guerra fria,
em que a ex-União Soviética edificou uma numerosa esquadrilha de
submarinos, de forma a contestar o controlo do mar pelos EUA.
Entretanto, como tantas vezes acontece, o novo milénio assis-
tiu a uma certa reciclagem destes conceitos clássicos, expandin-
do-os a outros espaços de atuação.
GLOBAL COMMONS ESPAÇOS COMUNS A partir do final da década passada, começou-se a incluir o ciberespaço no elenco dos
global commons
Em 2003, num artigo extremamente influente (intitulado
“Command of the Commons: The Military Foundation of US He- tado) mas, no caso do mar, o conceito aplica-se apenas às áreas
gemony”), Barry R. Posen ampliou o conceito de common (que correspondentes ao alto-mar e, no caso do ar, às partes do espa-
Mahan aplicava ao mar) ao ar e ao espaço – designando-os como ço aéreo fora da soberania e da jurisdição de qualquer estado.
os global commons.
COMMAND OF THE COMMONS DOMÍNIO DOS
Os global commons não pertencem a nenhum estado e nin- ESPAÇOS COMUNS
guém pode reclamar soberania sobre eles ou proibir o seu uso. São
espaços comuns da humanidade, que permitem o acesso a gran- Naturalmente, as forças militares devem, não só defender es-
de parte do globo – daí decorrendo a sua importância estratégica. ses espaços comuns, como explorá-los e usá-los, o que levou Bar-
ry Posen a introduzir o conceito de command of the commons.
Entretanto, no final dessa década, começou-se a aprofundar a Segundo o próprio Posen, “Command of the commons is analo-
importância do ciberespaço como uma das arenas decisivas para o gous to command of the sea”, só que, naturalmente, mais abran-
desenlace dos conflitos presentes e futuros. Nessa linha, em 2009, gente por abarcar o domínio do mar, do ar e do espaço sobreja-
a “Cyberspace Policy Review” assinada pelo Presidente Obama cente – condição essencial e sine qua non à hegemonia mundial.
identifica o ciberespaço como uma das prioridades de segurança De facto, Posen defendeu que o poder dos EUA, enquanto potên-
dos EUA, emparelhando-o, em termos de importância estratégica, cia global, assentava na capacidade para controlar o acesso e a
aos outros espaços comuns. Pouco depois, em 2010, foi publicado utilização dos grandes espaços comuns da humanidade.
um estudo do Center for New American Security, intitulado “Con-
tested Commons: The Future of American Power in a Multipolar A2/AD
World”, de Janeiro de 2010, que acrescentou, à lista de commons
apresentada por Posen, um novo espaço comum: o ciberespaço. Entretanto, da mesma maneira que o command of the sea
foi expandido, dando origem ao mais abrangente conceito de
Dessa forma, atualmente, no âmbito dos estudos estratégicos command of the commons, também o sea denial viria a ser am-
militares, considera-se que os global commons são o mar, o ar, o pliado a outros espaços, estando na base do moderno conceito
espaço e o ciberespaço. Embora possuam muitas semelhanças, de A2/AD, apresentado no texto anterior.
constituindo, em conjunto, a base que permite a troca de ideias
e de bens em que assenta a globalização, eles têm características De facto, logo em 1997, o então Chief of Naval Operations da
bem distintas entre si. Para começar, o ciberespaço é um domínio Marinha americana, Almirante Jay Johnson, escreveu (num ar-
virtual, ao passo que os outros três commons são espaços físicos. tigo na revista Proceedings) que “no próximo século, os nossos
Além disso, o conceito de espaço comum aplica-se à totalidade inimigos tentarão alvejar concentrações de tropas e de material
do espaço e do ciberespaço (por não pertencerem a nenhum es- em terra e atacar as nossas forças no mar e no ar. Isto é mais que
uma ameaça de negação do mar (sea-denial) ou um problema da
Marinha. Isto é uma ameaça de negação de área (area-denial)”.
Como vimos no texto anterior, os conceitos de Anti-access e de
Area Denial viriam, depois, a surgir pela primeira vez, de forma
explícita, na Quadrennial Defense Review de 2001, acabando por
chegar ao topo da documentação estruturante americana, nomea-
damente à estratégia de defesa dos EUA, em 2012. Isso mostra
bem a sua centralidade no quadro do atual pensamento geoestra-
tégico. E o que é que tem sido desenvolvido para contrapor a mo-
dalidades de ação de A2/AD e para manter o domínio dos espaços
comuns? Esse é assunto que deixarei para o próximo texto.
Sardinha Monteiro
CFR
Mar, ar e espaço – os três global commons identificados por Barry Posen
JUNHO 2014 5