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REVISTA DA ARMADA | 491
Stratεgia 7
MAHAN − TANGENTES A PORTUGAL
Celebra-se neste mês de dezembro de 2014, um século sobre a Motivações religiosas
morte de Alfred Thayer Mahan, que "é, e será sempre, o pon-
to de referência e de partida para qualquer trabalho sobre poder Mahan estudou profundamente as guerras navais, desde a an-
no mar”, como escreveu o historiador Paul Kennedy no seu livro tiguidade clássica até à guerra civil americana, com o objetivo
“The Rise and Fall of British Naval Mastery” (1976). de mostrar a importância de se dominar o mar para a grandeza
e o desenvolvimento das nações. Mahan proporcionou, assim, à
Mahan focalizou as suas investigações e a sua produção literá- nação americana um roteiro de ascensão à supremacia global,
ria na influência do poder no mar (sea power) na ascensão (e na baseado na edificação de um pujante poder do Estado no mar.
queda) das grandes potências mundiais. Importa, contudo, acrescentar que por detrás deste expansionis-
mo “à la Mahan” estava uma profunda fé cristã e uma enorme
O facto de Mahan ter refletido sobre a utilização do poder no convicção do dever de difundir essa fé.
mar com vista ao domínio dos espaços marítimos e, consequen-
temente, do mundo faz com que as suas teorias extravasem o De facto, Mahan, que era protestante, acreditava que Deus
âmbito da estratégia marítima e naval, para entrarem no domí- tinha destinado os EUA para uma missão civilizadora. Segundo
nio da geopolítica e da geoestratégia. ele, “a grande tarefa que agora se coloca ao mundo civilizado da
Cristandade, a sua grande missão (…), é trazer para o seu seio
Dessa forma, Mahan, além de ser o mais conhecido e mais mar- e educar nos seus ideais as civilizações antigas e diferentes que
cante estrategista marítimo da História, aparece ao lado de Hal- a rodeiam”1.
ford Mackinder, Friedrich Ratzel, Rudolf Kjellen, Karl Haushofer e
Nicholas Spykman como um dos maiores vultos da geoestratégia. Esta noção de predestinação (neste caso, aplicada à nação
americana) é muito caraterística do protestantismo. De qualquer
Não cabe neste texto evocar a vida nem o pensamento de maneira, existem em Mahan motivações religiosas que têm afini-
Mahan. Gostaria apenas de aproveitar este espaço e a circuns- dades com a expansão portuguesa. Recorde-se que esta também
tância de se assinalarem 100 anos sobre a sua morte para abor- foi impulsionada, inter alia, pelo desejo de propagar e difundir a
dar, de forma breve, três tangentes de Mahan ao nosso país e à fé cristã e, no caso dos portugueses, a religião católica.
nossa História.
Ou seja, tal como, nos séculos XV e XVI, os portugueses em-
preenderam a tarefa dos Descobrimentos para, entre outros mo-
tivos, expandir os seus ideais e a sua religião, também Mahan
considerava que os EUA tinham, no fim do século XIX / princípio
do século XX, o direito e o dever de expandir os seus ideais e a
sua religião aos outros povos.
Política de alianças
Nas suas obras, Mahan aborda frequentemente a História de
Portugal, nomeadamente o seu relacionamento com Espanha,
França e, sobretudo, Inglaterra. Neste particular, numa das fra-
ses mais interessantes de Mahan sobre o nosso país, ele afirma
que “In truth, Portugal is nearer to the sea than to Spain, and
must fall naturally under the influence of the power controlling
the sea”2. Não é uma afirmação original, mas é demonstrati-
va do pensamento de Mahan relativamente a Portugal. Por um
lado, via o nosso país como relativamente fraco e, por isso, ca-
recendo sempre de estar aliado a países mais poderosos. Por
outro lado, percebia a natureza marítima de Portugal e a sua
tendência natural para se aliar às potências marítimas das vá-
rias épocas (Inglaterra e EUA), em detrimento das potências
continentais (França, Alemanha e União Soviética). Aliás, mais
do que uma tendência natural, Mahan considerava inevitável
essa aliança com a potência que dominasse o mar, para dessa
forma o país poder tirar partido dele3. Com efeito, nos seus li-
vros, Mahan elogia com frequência as vantagens mútuas deri-
vadas da aliança luso-britânica.
4 DEZEMBRO 2014