Page 28 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 496 12
ESTÓRIAS
TODOS EM UM…
FARÓIS E OUTROS ALUMIAMENTOS
Apassagem pelos faróis revelou-me aspectos que desconhecia às vezes bem longe dos faróis que vigiam e controlam remota-
de todo, apesar de já não ser propriamente um novato nes- mente por processos electrónicos.
tas coisas da Marinha.
A figura romântica do faroleiro, ou melhor, da filha do faro-
O sentido de utilidade pública senti-o ali pela primeira vez. leiro, esfumou-se na bruma ou nevoeiro, não lhe servindo a luz
A minha função, não sendo de todo técnica naquela área, per- que continua a indicar aos navios a existência de escolhos ou a
mitiu-me acompanhar o planeamento e execução de projetos ajudá-los a encontrar a rota segura na demanda de portos, fun-
para novos alumiamentos ou somente para modernização dos deadouros ou de simples passagem.
existentes, adaptando-os às novas tecnologias, que na época co-
meçavam a desenhar-se. A tradição portuguesa em farolagem é muito antiga e levou o
O pessoal existente, na altura, estava mais vocacionado para nome de Portugal bem longe. Em Macau, o Farol da Guia foi o
as tecnologias tradicionais do petróleo, do gás e da electricidade. primeiro a iluminar as Costas da China.
Mas impressionava a capacidade demonstrada pela generali-
dade dos profissionais que, sob a designação de faroleiros, re- E a Costa Portuguesa é, porventura, uma das mais bem ilumi-
presentavam muito mais do que essa figura mítico-romântica dos nadas do Mundo.
salvadores de navios, empoleirados na falésia, garantindo o fun-
cionamento dos equipamentos à sua guarda ou fazendo soar as Ainda assim fica-lhes a memória do que já foram e o que ain-
roncas, rompendo o nevoeiro. da representam para os navegadores, que continuam a aferir os
O seu isolamento forçado pela situação inóspita da maioria seus cálculos e leituras posicionais pela marcação dos faróis, tan-
dos faróis onde prestavam serviço, fez deles tocadores de todos to de dia como de noite.
os instrumentos.
Ali aprendi como é possível ser-se especializado em tudo na vida. Ferreira Júnior
Os faroleiros eram a prova provada de como era possível ser-se CMG
tudo num só: desde marinheiros experimentados na condução
de pequenas embarcações, pescadores, electricistas, mecânicos N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
(motorista, torneiro, etc.), pedreiros, canalizadores, carpinteiros,
pintores/caiadores, cozinheiros, jardineiros, agricultores e até,
quando necessário… enfermeiros.
Os Faroleiros terão sido os precursores do 2 em 1, do 3 em 1
ou, melhor, do todos em 1.
Apostava-se, então, nos automatismos a instalar nos faróis,
que permitiriam mantê-los a funcionar, assistidos à distância.
Dispensava-se assim a obrigatoriedade de ter em permanência
pessoal em situações inóspitas, como era o caso do Farol do Bu-
gio ou do Farol das Berlengas.
As funções de arranque e paragem de geradores para alimen-
tação das instalações e carga de baterias de reserva, a substitui-
ção de lâmpadas queimadas ou com capacidade reduzida de ilu-
minação, a manutenção das características de iluminação, tudo
isso passou a fazer-se automaticamente, com controlo a distân-
cia, a partir duma central.
O próprio sistema de alimentação das instalações foi alterado,
com a introdução dos painéis fotovoltaicos para carga de bate-
rias, sobretudo em balizagem – bóias e farolins − de menores
consumos energéticos e em que a ligação à rede eléctrica não se
mostrou possível.
A fábrica de acetileno do Farol do Cabo da Roca, encerrou a
sua actividade.
Os faroleiros foram desviados das suas habituais funções para
outras de simples guarda ou vigilância das instalações.
Em sua substituição, foi criada uma nova geração de faroleiros
técnicos, em que a electrónica e mais tarde a informática substi-
tuíram as antigas competências técnicas e culturais.
As tecnologias que então invadiram essa área vieram alterar
profundamente o seu modo de estar e de fazer, remetendo-os
para funções mais especializadas, em locais bem mais cómodos,
28 MAIO 2015