Page 30 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 496 43
NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA
UM MARINHEIRO BEM TRATADO…
E O MAIS ATAREFADO ELEVADOR
DA MARINHA…
A propósito do elevador que, após este escrito, ganhará alma…
Encontrei-o num elevador. Não se trata de um elevador Ficou de olho mais aberto e lá se despediu – descendo
qualquer. Será certamente o elevador de trajeto mais cur- desta feita pela escada. Surpreso e aliviado, voltei a vê-lo
to, mas mais atarefado da Marinha e que certamente mere- alguns dias depois (no mítico elevador), estava menos can-
cerá uma história mais alongada em futuro escrito. O antigo sado e menos medicado, com o coração num ralenti mais
“Mestre” estava mais pesado, “são as angústias da vida” afir- adequado à vida.
mou, com um ar triste − de estranhar em homem folgazão…
Fizemos uma Comissão nos Açores juntos, num tempo longín- Ora, não ficaria bem comigo mesmo se não realçasse aqui
quo, mas não de todo esquecido. Ora, como é habitual na re- o fator mais importante de toda esta história: o elevador. Este
lação entre marinheiros, o Sr. Mestre aproveitou, logo ali na ignorado símbolo da tecnologia moderna, apesar de neste
antecâmara do elevador, para me fazer a lista das múltiplas caso ter um curso curto – só três andares – apresenta uma in-
mazelas que agora o afligiam… tensa utilização. Até de consultório já serve!
Referiu então que a sua esposa tinha falecido e vivia agora Ainda se diz que o ”multitasking” não está na moda. Ad-
só. Para piorar as coisas, uma série de familiares próximos ti- mito que está cada vez mais em uso. Também ninguém po-
nham também transitado para o outro lado do rio da vida, sem- derá dizer que se não mudam vidas entre o sobe e desce,
pre por mazelas do foro cardiovascular (enfartes, tromboses, atarefado, mas não sombrio e indistinto, de um elevador
etc.). Preocupado, o nosso Mestre havia procurado vários mé- muito importante…
dicos. Detetaram-lhe um problema de “tensão alta” e “ninguém
conseguia controlá-la” − confessou (foi aqui que suspeitei que Doc
aquele encontro no elevador havia sido mais que fortuito?).
“Pastilhas disto e daquilo e nada” – Tinha agora outro proble-
ma, afirmou ainda: “estou muito cansado e tenho o pulso mui-
to, muito lento!”.
Logo ali, à saída do elevador, em rápido exame de pulso, ve-
rifiquei que a frequência cardíaca do antigo Mestre de bordo
andaria pelas 40 pulsações por minuto (quando o ser huma-
no normal deve ter entre 60 e 100 pulsações por minuto, com
honradas exceções aos apaixonados, a quem se permitem pul-
sações mais elevadas). Ainda à saída do elevador mostrou-me
as caixas da medicação. Para meu espanto, verifiquei que o
nosso Mestre fazia diariamente uma dose dupla do mesmo
medicamento. A diferença estava no nome: num caso tomava
o medicamento sob o nome comercial, noutro caso sob o prin-
cípio ativo (nome genérico). Cada um destes fármacos tinha
cápsulas e caixas distintas e, claramente, haviam sido prescri-
tos em momentos diferentes, por médicos diferentes. O nos-
so Mestre, desconhecedor das artes médicas, tomava os dois
alegremente, ignorante quanto ao efeito acessório principal
daquele fármaco: fazer o coração diminuir de ritmo…
Ficou surpreso quando eu, meio a sorrir, lhe disse:
− O Sr. Mestre está muito bem tratado para as taquicar-
dias, ansiedades e todas as emoções: toma o mesmo medica-
mento em dose dobrada! Tem que tomar apenas um de cada
vez – concluí.
30 MAIO 2015