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SAÚDE PARA TODOS 27
BURNOUT
Pode começar por uma intensificação da dedicação ao trabalho. Poderá começar a sentir que não é capaz de responder a todas as
exigências e agudizar o seu estado físico, descansando cada vez menos. De forma lenta, poderá começar a ter a sensação de que tudo é
complicado, difícil e desgastante. Finalmente, atingindo uma situação crítica na qual não se consegue organizar, tem completa ausência
de prazer na sua vida pessoal e profissional, e sente um forte descontrolo em tarefas que habitualmente estariam asseguradas.
Asíndrome de Burnout (to burnout, em função. Portugal ocupa o sétimo pior lugar, Este estado de exaustão física e psicológica de-
inglês, significa queimar por completo) entre os 33 países avaliados. Já relativamen- senvolve-se de forma lenta e atravessa doze es-
é também designada por síndrome do es- te ao consumo de psicofármacos, os portu- tádios até atingir o seu nível mais grave. Os está-
gotamento profissional. É um distúrbio psí- gueses ocupam o terceiro lugar na União gios de Burnout podem suceder-se, alternar-se ou
quico definido em 1970 por Freudenberger Europeia. O stress laboral é considerado um ocorrer ao mesmo tempo, até que o quadro de
como «(…) um estado de esgotamento físico problema de saúde pública, culpado pela re- facto se instale:
e mental cuja causa está intimamente ligada dução da qualidade de vida dos trabalhado- 1. Necessidade de autoafirmação: desejo de fazer
à vida profissional». Este psicanalista ame- res e por custos avultados para os emprega- tudo de forma perfeita, medo de errar e ambição
ricano autodiagnosticou-se com esta sín- dores, já que existe diminuição da produti- excessiva no emprego levam à compulsão por de-
drome: ele dedicava-se de forma excessiva vidade do trabalhador, e aumento dos dias sempenho;
ao seu trabalho, movido pelo desejo de ser perdidos por faltas. Perante um quadro de 2. Dedicação intensificada: para fazer jus às expe-
o melhor, avaliando o seu valor em função Burnout, o ideal é que o trabalhador procure tativas exageradas, a pessoa intensifica a dedica-
do sucesso. Até que um dia “queimou”. Fi- o mais rapidamente possível tratamento. O ção e sente necessidade de fazer tudo sozinha e a
cou “frito”, como se diz em bom português. prolongar da situação vai deteriorando, cada qualquer hora do dia;
Ou, numa gíria mais tecnológica, “crashou”. vez mais, as suas capacidades para se reor- 3. Desvalorização das necessidades pessoais: a
Já em termos náuticos podemos dizer: “es- ganizar. Os empregadores/chefias têm tam- vida profissional ocupa a maioria do tempo, a re-
ticou demasiado o cabo/corda” e não parou bém eles um papel fundamental nesta sín- núncia ao lazer e ao descanso é vista como um ato
a tempo. drome, já que são eles os responsáveis pela de heroísmo;
avaliação, prevenção e gestão dos fatores de 4. Evicção de conflitos: a pessoa percebe que algo
Este quadro não é novo, sempre existiram risco psicossociais no local de trabalho. não está bem, mas não enfrenta o problema. É
pessoas que tiveram a fadiga crónica como quando se iniciam as manifestações físicas, tais
companheira, contudo, devido à crise finan- A Agência Europeia para a Segurança e como: dores de cabeça, tonturas, tremores, sen-
ceira e à consequente intensificação dos rit- Saúde no Trabalho tem atualmente em cur- sação de falta de ar, palpitações, oscilações de hu-
mos de trabalho, com exigências mais eleva- so a campanha «Locais de Trabalho Seguros mor, distúrbios do sono, dificuldade de concentra-
das e baixos recursos, bem como as fracas e Saudáveis». Esta campanha tem três ob- ção e problemas digestivos;
possibilidades de promoção, as reduções sa- jetivos: (1) melhorar a compreensão e au- 5. Reinterpretação dos valores: isolamento e ne-
lariais, e os vínculos laborais precários, hou- mentar a sensibilização no que respeita ao gação das próprias necessidades. Amigos e passa-
ve um acréscimo considerável do número de stress e aos riscos psicossociais no trabalho; tempos são desvalorizados. A autoestima é medi-
casos, com consequências alarmantes. (2) fornecer orientação, apoio e ferramentas da pelo trabalho;
práticas para a gestão de riscos; e (3) chamar 6. Negação de problemas: o profissional torna-
Ocorrer mais a uns do que a outros não a atenção dos trabalhadores e das empresas -se intolerante, julga os outros incapazes, exigen-
resulta apenas das diferenças de personali- para os benefícios da gestão dos riscos psi- tes de mais ou indisciplinados. Os contactos so-
dade (como alguns pensam, erradamente), cossociais. ciais são evitados, cinismo e agressão são os sinais
mas da acumulação do stress laboral, que mais evidentes;
está na origem de várias perturbações psico- Uma das ferramentas criadas no contexto 7. Recolhimento: a pessoa afasta-se dos outros,
lógicas. Portanto, qualquer um pode desen- desta campanha foi o Guia eletrónico sobre parece irritada e desanimada. No trabalho limita-
volver esta síndrome, apesar de ser mais co- a gestão do stress e dos riscos psicossociais -se estritamente ao necessário. Pode haver recur-
mum surgir em homens e mulheres a meio no local de trabalho. Este guia está disponí- so ao consumo de álcool e drogas;
da carreira. Na linha da frente desta nova vel em vários idiomas, incluindo o português, 8. Mudanças evidentes de comportamento: quem
realidade estão os professores, médicos, co- e é gratuito. Pode ser acedido em https:// era tão dedicado e ativo torna-se apático, tímido
merciais, profissionais de segurança e outros www.healthy-workplaces.eu/pt/tools-and- e assustado. Atribui a culpa ao mundo, mas sen-
em que a componente relacional é expressi- -resources/a-guide-to-psychosocial-risks. Foi te-se cada vez mais inútil. Dificuldade em aceitar
va, ou seja, aqueles que têm frequentes in- concebido para responder às necessidades certas brincadeiras com bom senso e bom humor;
terações intensas ou emocionalmente carre- dos empregadores e trabalhadores, que co- 9. Despersonalização: desvalorização dos outros e
gadas. Contudo, a dinâmica sociolaboral pa- meçam a abordar os riscos psicossociais no de si próprio. Deixa de fazer planos, só pensa no
rece ter mais influência que a profissão em local de trabalho e precisam de obter orien- presente e a vida limita-se ao funcionamento me-
si. Os estudantes são também propensos ao tação sobre os primeiros passos a dar. cânico. Evita o diálogo e dá prioridade aos e-mails,
Burnout nos anos finais do ensino secundá- mensagens, recados, entre outros;
rio e no ensino superior. Curiosamente, este 10. Vazio interior: sensação de que tudo é compli-
não é um tipo de Burnout relacionado com o cado, difícil e desgastante;
trabalho, mas com o estudo intenso continu- 11. Depressão: indiferença, desesperança, exaus-
ado e com a privação do lazer, de atividades tão. A vida perde o sentido;
lúdicas, ou de outras experiências que moti- 12. Burnout/Síndrome do esgotamento profissio-
vem felicidade. nal: estado de total exaustão física e psicológica.
Podem existir pensamentos suicidas. Neste está-
O relatório da OCDE (Organização para a gio há necessidade de apoio médico e psicológi-
Cooperação e Desenvolvimento Económico) co urgente.
– Fit Mind, Fit Job – divulgado no passado
dia 4 de março de 2015, revelou que entre Ana Cristina Pratas
15% a 20% da população ativa desenvolve 1TEN MN
perturbações psicológicas no exercício da
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28 AGOSTO 2015