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REVISTA DA ARMADA | 505 20
Stratεgia
DA COR DOS CISNES
“Tenho sido um péssimo profeta. Em toda a minha carreira, nunca combati onde estava à espera”,
Gen. James Mattis (Supreme Allied Commander Transformation 2007-2009)
INTRODUÇÃO estratégico de segurança e defesa, agrupando-as em cinco temas
macro, que se abordam abaixo.
Como já foi escrito nestas páginas, as forças militares são re-
féns do planeamento estratégico, empenhando-se bastante Tema político
na perscrutação do futuro ambiente de segurança e defesa. Essa Neste tema, apontam-se três tendências principais. A primeira
não é uma tarefa fácil, sobretudo quando ocorrem choques es-
tratégicos (eventos totalmente inesperados, de grande impac- é uma transferência de poder económico e político do Ocidente
to, capazes de originar uma descontinuidade ou uma alteração para outras regiões do globo, em particular para Oriente. A se-
abrupta do ambiente global) ou surpresas estratégicas (eventos gunda tendência é a continuação da transição de regimes auto-
raros e inesperados, que alteram significativamente o ambiente cráticos e teocráticos para formas de governo mais democráticas,
global). A demarcação entre choque e surpresa estraté- nomeadamente no Médio Oriente e no Norte de África. Finalmen-
gica não é estanque nem consensual, pelo que,
por vezes, o mesmo evento é classificado por te, a terceira tendência aponta para a evolução para um
uns analistas como um choque e por ou- mundo policêntrico, i.e. um mundo caraterizado
tros como uma surpresa. por múltiplos centros político-económicos, que
não serão necessariamente Estados, com o
Nassim Nicholas Taleb designou os aumento significativo da importância de
choques estratégicos (como o ataque atores não-estatais.
terrorista nos EUA em 9 de setembro
de 2001) como cisnes negros, pela Tema humano
sua extrema raridade e grande difi- No âmbito deste tema, são apresen-
culdade em conseguir antecipá-los.
Aproveitando a mesma metáfora, tadas quatro tendências. A primeira
designou as surpresas estratégicas respeita às alterações demográficas,
como cisnes cinzentos, por serem prevendo-se um crescimento signi-
menos raras e menos imprevistas. ficativo da população mundial (que
poderá atingir 8 mil milhões de pes-
Não obstante a grande dificuldade em soas em 2030). Além disso, na Europa
antecipar o futuro – ilustrada pela citação ocidental, no Japão, na China e na Rússia
que encabeça este artigo – os países com verificar-se-á um envelhecimento popula-
maior poder militar, bem como as principais or- cional, enquanto os EUA manterão uma po-
ganizações internacionais de segurança pulação mais nova, devido à maior taxa de natali-
e defesa (com destaque para a NATO), dade e à imigração. A segunda tendência é
investem bastante na prospetiva, pois a a urbanização, perspetivando-se que, em
edificação de capacidades militares é um 2040, 65% da população mundial viva em
processo longo, complexo e oneroso, cujas deci- cidades, a maior parte das quais localizadas
sões têm repercussões por várias décadas. Neste âmbito, um dos junto ao mar (litoralização). A terceira tendência é
projetos mais recentes é o “Strategic Foresight Analysis” do Allied o aumento da interconexão entre as pessoas, as quais tenderão a
Command Transformation (ACT), da NATO. formar redes humanas de indivíduos animados por objetivos co-
muns (sociais, políticos, monetários, religiosos ou pessoais). A quar-
STRATEGIC FORESIGHT ANALYSIS 2013 ta tendência consiste na fragmentação da identidade, provocada
por fatores como as migrações, a globalização e as redes humanas,
Em setembro 2013, o ACT editou a “Strategic Foresight Analy- os quais alterarão o apego identitário de muitos cidadãos, dimi-
sis” (SFA) – disponível em http://www.act.nato.int/sfa-report – nuindo o seu sentimento de pertença a uma nação ou um Estado.
que foi alvo de uma revisão intermédia em 2015, preparando-se
agora uma nova edição para 2017. A SFA 2013 identifica tendên- Tema tecnológico
cias que se perspetiva que venham a moldar o futuro ambiente Identificam-se, neste tema, três tendências, com a primeira
a apontar para que a tecnologia provoque uma aceleração das
4 MARÇO 2016