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REVISTA DA ARMADA | 524
caso da 1ª, 2ª e 3ª geração se trata de meios ou táticas militares ideias. Ao longo da história, guerrilheiros, insurgentes e terroristas
(exércitos maciços, poder de fogo maciço e manobra), ao passo procuraram – mais do que causar destruição física – corroer a von-
que no caso das guerras de 4ª geração é uma forma de guerra tade dos opositores para lutar. A diferença, agora, é que a dissemina-
(insurreição). Com efeito, parece existir uma linha de continuidade ção das tecnologias de informação e comunicação e o aumento das
na sequenciação das guerras das primeiras três gerações, pelo que oportunidades de deslocação e de transporte – fruto da globaliza-
faria mais sentido, para a coerência do modelo, que a etapa subse- ção – potenciaram a capacidade desses atores não estatais afetarem
quente fosse uma guerra dominada pelas modernas tecnologias, a moral dos seus adversários.
qualquer coisa como a network centric warfare (que podemos tra-
duzir por guerra em rede) ou a information age warfare (traduzível MÉRITOS DO MODELO GERACIONAL
por guerra da idade da informação), até porque os saltos geracio- DAS GUERRAS
nais precedentes também foram sempre muito influenciados pela
introdução de inovações significativas. Não obstante essas lacunas, o modelo geracional teve a impor-
Ao dizer isto, não estou a defender que as futuras guerras se tante virtude de trazer para a primeira linha do discurso militar a
encaminharão nesse sentido. De facto, considero que o futuro expressão guerras de 4ª geração, a qual é frequentemente usada
combinará duas formas distintas de conflitualidade: uma conven- como uma metáfora das ameaças assimétricas ao ambiente de
cional (caracterizada pelo uso das mais modernas
capacidades militares, por parte de atores estatais) e
uma não convencional (com componentes de guer-
rilha, de insurgência e de terrorismo, empregues
essencialmente por atores não estatais, mas também
por estados), sendo que, a maior parte das vezes,
essas duas formas se combinarão, dando origem a
guerras híbridas.
Voltando à sequenciação das gerações da guerra, se
o modelo em apreço identificasse as novas tecnolo-
gias como o aspeto nuclear da moderna conflituali-
dade, então isso permitiria olhar para a insurreição
como aquilo que ela sempre foi – i.e. uma forma
de guerra a que os mais fracos foram recorrendo
ao longo da história, na sua tentativa de vencerem
os mais fortes – e não como uma nova geração da
guerra.
Desvalorização da guerra irregular
ao longo da história
Relativamente à segunda lacuna, que se liga com a Aproveitamento do ciberespaço por atores irregulares.
anterior, considero que não estamos a enfrentar uma
mudança radical na forma de conduzir a guerra, mas antes uma segurança global. Nesse quadro, o surgimento desta teoria teve
evolução gradual da guerrilha, uma vez que as guerras irregulares também importantes méritos.
de hoje evidenciam muitas características de conflitos do passado. Primeiro, apontou corretamente as principais características dos
De facto, o modelo geracional ignora um longo historial de guerras conflitos da atualidade, nomeadamente o esbatimento das frontei-
irregulares e ignora, também, que essas guerras são uma forma ras entre a guerra e a paz, o protagonismo de agentes não estatais
de conflitualidade que tem evoluído em paralelo com as guerras e a coabitação no teatro de guerra de militares tradicionais com
convencionais, verificando-se até que muitos conflitos se trans- outros atores (como guerrilheiros, insurgentes e terroristas). Este é
formaram em guerras irregulares a partir do momento em que as um fenómeno que Martin van Creveld identificou bastante bem, no
tropas invasoras derrotaram as forças regulares da nação ocupada. seu livro The Transformation of War, de 1991. Efetivamente, este
A mescla entre atores convencionais e irregulares – que é uma historiador militar israelita defendeu que os 50 anos anteriores
das principais características das guerras de 4ª geração – não é, tinham levado a uma erosão do monopólio estatal do uso da força,
pois, uma modalidade de ação nova. A novidade é que, atual- antecipando até, algo provocativamente, que os militares conven-
mente, esses atores irregulares têm ao seu dispor ferramentas de cionais e as armas tecnologicamente mais avançadas tenderiam a
que não dispunham no passado, nomeadamente: perder a sua relevância.
• Elevado poder destrutivo das novas tecnologias, acessíveis a Segundo, o modelo em apreço pôs em evidência que as socie-
pequenos grupos de atores não estatais, que lhes asseguram dades democráticas ocidentais possuem vulnerabilidades, que
crescente capacidade de provocar danos; os seus inimigos têm aproveitado de forma inteligente e criativa,
• Grande enfoque na dimensão informacional, evidenciada pela explorando sagazmente os efeitos políticos dos seus ataques.
utilização sofisticada do ciberespaço e da comunicação social, em Terceiro, este modelo evidenciou que o caráter dos conflitos está
atividades como ciberataques, guerra psicológica e propaganda, sempre a evoluir e a mudar, fazendo jus à velha máxima Clausewit-
que afetam decisivamente a vontade e a moral dos adversários; ziana de que a guerra é um verdadeiro camaleão. Nesta ótica, é
• Associação ao terrorismo e a atividades criminosas, como con- expectável que, a dada altura, as guerras de 4ª geração sejam subs-
trabando, proliferação e traficâncias, que contribuem para o tituídas por outras formas de conflitualidade – havendo até vários
financiamento dos grupos não estatais, que assim se auto-sus- autores que já arriscaram escrever sobre a 5ª geração de guerras.
tentam durante períodos longos.
Todos estes fatores estão a ser potenciados pela globalização, que Sardinha Monteiro
veio aumentar drasticamente a mobilidade de pessoas, armas e CMG
DEZEMBRO 2017 5