Page 165 - Revista da Armada
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de  mar;  jamais  alguém  se  recusa  a  se me fosse concedida escolha. O apito  seu  toque  de  alvorada  às  7  horas)
    contemplar  essa  minúscula  partícula  ou  o  clarim  não  me  «chateiam»   mas,  pela  sua  falta,  talvez  a  essa
    de  terra.                         (como  regularmente  denominamos  o  hora  eu  já  esteja  acordado ... »
    «Nos  dias  totalmente  limpos,  sem
    que  obstáculo  algum  se  oponha  ao
    prazer  que  a  contemplação  da  Natu-
                                       Do  cabo  R - Arlindo  Mateus  de  convivi  com  eles  e  tirei  partido desse
    reza nos oferece,  tal visão é diferente:
                                       Sousa  recebemos  uma  carta  da  qual  convívio.
    parece  um  mundo  sem  vida  que  nos
                                       extraímos  algumas  passagens  e  vária '  «Crescia  o  meu  interesse  por  um
    magoa  com  a  sua  monotonia,  em
                                       colaboração  de  que  seleccionamos  ,MUéldo  que  até  então  me  era  desco-
    que  o  mant<;>  escuro  dos  pinheirais
                                       os  versos  e  o  desenho  ,que  seguem:  nhecid~, e  tudo  fazia  para  satisfazer
    agrestes  supera  tudo  o  restante  exis-
                                                                           os  meus  anseios.
    tente.
                                       ;< Desde o primeiro número da Revista  «Quando,  já na Metrópole,  fui  gozar
    «À  noite,  quando  debruçado  da  ja-  da Armada,  «A  Nossa  Revista»,  que  férias  para a  terra  natal,  no  Algarve,
    nela  me  deparo  com  a  iluminação   em  boa  hora  foi  criada  e  veio  direi-  gastava  todo  o  tempo  reproduzindo
    das  vár,ias  povoações,  por  momentos   tinha  ao  gosto  dos  que  trazem  sal  as  belas  paisagens do céu azul e água
    mal  reflectidas,  essa  visão  quase  me   no  olhar  e  âncoras  no  coração,  eu  transparente,  de  rochas  caprichosas
    causa  alucinações:  tem  o  aspecto  do   senti  vontade  de  colaborar.   '   cercadas  ora de  areia  doirada ora de
    porto  esperado  há  já  vários  dias  no   «Sou  um  elemento  da  Armada  (cabo  branca espuma  rendilhada.
    qual está o objectivo  da nossa  viagem   radarista)  que,  além  de  marinheiro,  «Os  turistas  estrangeiros  encontra-
    quando  nessa  noite  o  vigia  começa   pinta quadros a óleo  nas horas vagas.  ram-me. Compraram-me imensos  tra-
    a  ficar  confuso  pela  forma  como   «Artista de Domingo»  como  me clas-  balhos  que  levavam  para  longínquas
    há-de  anunciar  o  objecto  avistado;   sificaram  as  gentes  do  SN I,  onde  há  paragens.
    hesita  um  pouco ...  e certamente con-  (Íois  anos  consecutivos  tenho  entrado  «Não  mais  parei  e  vou  pintando  aos
    clui:  «Terra  à  vista».  Imediatamente   em  exposições  do  Mercado  da  Pri-  Domingos ... » .
    se  dirige  ao  telefone  po'ndo-se  em   mavera,  sou  no  entanto desconhecido
    contacto  com  a  ponte,  a:  sua  voz  é   do público.                DOIS  MARES
    diferente, uma sensação  inquietante o   «O  povo  algarvio,  conhece-me  por
    invade.  Começa  já  a  sonhar  com  a   intermédio  da  revista  «Algarve  Ilus-  Neste  mar  de  realidade
    estadia  nesse  porto,  a  ver,  a  sentir   trado»,  que  teve  a  amabilidade  de   Meu  peito  navega  em  vão
    tudo  o  que  lá  existe  à  sua  espera.   num  dos  seus  números  de  1970,   E  noutro  mar,  na  saudade
    Não  resta  dúvida.  Esse  inédito  mo-  inserir uma longa reportagem à minha   Navega  meu  coração
    mento  recompensa-nos  das  várias   pequena  obra,  com  fotos,  desenhos
    horas  passadas  em  noites  escuras  em   e entrevista.               Enquanto  o  sol  põe  com  Jeito
    que  o  nosso  olhar  ansioso  se  perde   «Também me sentiria feliz  se,  através   Nas  ondas  brilho  e  beleza
    nas  trevas  dum  horizonte  que  não   duma  revista  da  Marinha,  eu  fosse   No  mar  que  banha , meu  peito
    tem  mais  fim.                    conhecido  de  toda  a  nossa  família   Há  escuridão  e  tristeza
    «Os telhados vermelhos destas mesmas   naval.
    povoações  que  se  espalham  pela   «Estive  numa  comissão  em  Africa,   Nos  horizontes  distantes
    planície,  recordam-me  a  Cruz  de   majs  precisamente  em  Angola,  numa   Talvez  a  pensar  em  mim
    Cristo  desenhada  nas  velas  do  navio   fragata  sob  o  comando  do  já  fale-  Eu  julgo  ver-te  sàzinha
    que  me  levou  a  diversos  portos.   'cido  Comandante  Camões  Godinho,
    «O  seu  balanço  constante  era  belo,   quando se começavam  a ouvir os  pri-  Nestes  mares  ondulantes
    não me deixava mergulhar na solidão,   meiros  tiros  de  uma  guerra  que  iria   Já  que  a  vida  quiz  assim
    despertando-me nas  horas  tristes com                                 Não  te  esqueço  porque  és  minha
                                       durar  muitos  anos.  Viviam-se  horas
    o seu movimento  melodioso que mais
                                       de  ansiedade,  amargura,  raiva  e dor.
    parecia  tentar  embalar-me.  Quando
                                        Misturavam-se o suor com as lágrimas
    regressava,  lá  estava  a  sua  bandeira
                                        e  derramavam-se  o  sangue  da  ino-
    saudando-me  com  uma  agitação  fre-
                                       cência  misturado  com  o  da  revolta.
    nética  ao  vento.                  «Apesar da situação, o  interesse  pelo
    «Mais que nunca reconheço a influên-
                                        romantismo,  a necessidade de expres-
    cia de pequenas coisas existentes nele
                                        são,  o  conhecimento  da existência da
    que talvez nesse  tempo me  passassem
                                        arte  faziam  nascer  em  mim  algo  de
    despercebidas  e  hoje  me  vêm  à
                                        novo  e  diferente.
    mente  nos  momentos  mais  sós  que  a   «Visitava museus,  lia  livros, adquiria
    minha  situação  presente  me  impõe.   pincéis  e  tintas,  dava  as  primeiras
    Minha  cama  não  treme como  o  meu   pinceladas  em  tela  e,  quando  não
    antigo  beliche  de  bordo,  mas  eu   o podia fazer,  escrevia versos. Depois,
                                                                          Patrulha  « Brava» - pintura execlltada
    recordo-o com saudade e preferi-lo-ia   na  África  do  Sul,  conheci  pintores,   numa muralha do cais da Horta.
                                                                                                        19
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