Page 367 - Revista da Armada
P. 367

AFASTANDO~






                                            (Evocação  duma  saída)

       Últimos vislumbres de  terra  na  alheta de estibordo ;   veio  o  sinaleiro  pedir  autorização  para  acender os
       um pouco de terra portuguesa que ficava para trás ...   faróis  de  navegação  e  acenderam-se  estes.
       Na  proa,  o  Sol · agon izava  num  poente  magoado ,   De novo me voltei para a popa, mas já não se avistava
       cheio  de  tons  sangrentos.                        terra.  Escurec ia  ràpidamente  e, com  a  noite, o  mar
       a  mar,  com  uma  vaga  de  norte,  cada  vez  mais   e  o  vento  pareciam  aumentar.
       cavada,  ganhava  ímpetos.  Vento  fresco  noroeste.   a  quarto  da  largada  é  sempre  triste,  mas,  assim,
       Céu  coberto  com  claras.                          com um  tempo destes, a mágoa é ainda mais funda.
                                                           as  minutos  parecem  horas ,  as  horas  eternid ades.
       a  nosso  navio,  velho  draga-minas  a  carvão,  era   Quarto  da  «tardinha» ou  «qu artinho» ...  Que  ironia!
       pequeno, de popa a proa uns 50  metros, mas ca lava   a  sino  deu  as  quatro  badaladas,  veio  o  pessoal
       fundo e era uma  «rocha» para o  mar,  segundo dizia   acima  render  o  quarto.  Pouca  gente  e  triste,  com
       a «abita» . No entanto a vaga pelo través castigava-o.   saudades da  terra,  do  lar.  a  homem do  leme entre-
       Depressa desapareceram  do convés os  «saudosos»    gou  a. WNW.
       de  terra . Tudo  se  abrigou.  Eu  fiquei  na ponte, era   Depois,  todos  se  foram.  Registei  as  observações
       o  meu  quarto.                                     das  18.00,  verifiquei  o  ponto  estimado , que  me  deu
       a lhei para trás, para a mancha já esfumada da terra,   umas 8 milhas a W do cabo Raso.  E assim  continuei.
       com  uma  tristeza  infinita.  Lá  as  tinha  deixado,  à   Fui  encostar-me  à  balustrada  da  ponte,  encafuado
       minha  mulher  e  àquela  encantadora,filhinha. A  via-  no  capote,  para  me  proteger  do  frio  e  do  mar  que
       gem  não  seria  longa,  mas  o  meu  coração  ficava   cada  vez  engrossava  mais.  O  balanço  aumentara
       para trás, ficava com elas. E recordava-as nas co isas   também,  e  eu sentia uma  pressão  dolorosa no  estô-
       do  costume.  A  esta  hora  a  garota  deveria  comer   mago  e  a  cabeça,  que  rodopiava,  tonta.  Procurei
       a  sua  «papinha».  Como  lhe  tinha  ralhado  na  vés-  reag ir  ao  enjoo,  andando  e  distraindo-me.
       pera !. ..                                          Tinham  batido 19.00  e eis  que me surge «o  primeiro
       Quando  voltei  a  olhar  para  a  proa,  já  o  So l  havia   das  máquinas»  a  dizer,  todo  aflito ,  que  o  pessoal
       desaparec ido  co mpletamente  e  o  céu  ganhara  uns   da  ca ldeira  estava  comp letamente  enjoado.
       tons  acinzentados,  apresentando-se  o  horizonte   - Mandaram-nos  umas  crianças  acabadas  de  fazer.
       encinzeirado.  Tomei  nota  da  hora  do  pôr  do  Sol,   eles  mal  podem  com  os  ferros !

                                                                                                            5
   362   363   364   365   366   367   368   369   370   371   372