Page 370 - Revista da Armada
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Iidade para que fora construído: a guerra! Descreve,
airoso e altivo, os meandros do rio tortuoso, pronto para
o ataque e para a defesa. Caminha ao encontro de um
destacamento de fuzileiros, deixado no dia anterior .em
missão de reconhecimento e detecção de acampamentos
inimigos.
Das obras vivas sobe um ronronar surdo, entorpecente,
enquanto pela descarga da circulação dos seus poten-
tes motores a água jorra, impetuosa, dispersando as folhas
amarelecidas que vogam, enfileiradas, para juzante.
Tenso como os homens que o tripulam, marcha inteme-
rato, cortando a água lutulenta, às vezes fosforosa, liber-
tando, aqui e ali, revérberos dourados, no espumejar da
superfície líquida, dormente, arrancada ao seu remanso
eterno.
Coincidindo com impresumível alargamento do rio,
o comandante ordena, da asa. da ponte a bombordo:
- Mil e trezentas rotações.
A ordem é cumprida. As alava!lcas são empurradas para
diante. Nos mostradores, os ponteiros sobem para os
números indicados . O ronronar aumenta e a velocidade
também. Aproxima-se a hora programada para o encon-
tro: as seis. De súbito, perturbando o sossego da manhã
que cresce em marés de rosa, lacre e ouro, ouve-se
o rugir distante duma metralhadora pesada. Um espanto
invade o navio. A expectativa envolve tudo e todos. De
resto, para muitos, é o baptismo de fogo. Será fogo do
inimigo? Em alguns o medo reaparece fazendo suar as
mãos. Na escuridão busca-se o vulto do amigo, do camara-
da. Cada vez mais nítido soa o matraquear homicida.
A espaços, ouvem-se também detonações mais fortes ,
talvez de morteiro. Inesperadamente, uma voz distante
vibra no radiotelefone que Simão, o telegrafista, mantém
no ouvido:
f, -----==:-~-.::-::-
- Tigre! Tigre! Aqui Meta! Meta chama Tigre. Diga se
~ Nas palavras de código o dest:lcamento de «fuzos» chama
me ouve. Escuto.
o navio. Um frémito de emoção perpassa pelos homens,
~ ao aviso de Simão de que está em contacto com os camara-
das, o comandante, muito calmo:
'I ~. 't4~~ I I.
- Pergunta-lhes o que há ...
tes pesadões e inestéticos são ajeitados nas cabeças, mo- Tod? a gente espreita, na penumbra diminuída da ponte,
mentâneamente perdidas no imprevisto e no vago nausea- a calma «escandalosa» do comandante. Frenético, Simão
mento de um medo túnido, que nasce não se sabe onde clama:
e atinge os sentidos, frágil mas tangível, acendendo preces - Meta! Meta! Aqui Tigre! Estou a ouvi -lo em boas condi-
mudas e energias inusitadas. Depois é o tropel nas escadas ções. Escuto.
chapeadas, um acorrer aos seus postos, que o medo já - Tigre! Tigre! Suportamos forte ataque inimigo. Pedimos
vai morrendo, substituído por uma ansiedade nervosa cobertura de Tigre. Diga se nos entendeu. Escuto.
que transmite ao olhar surpreendente acuidade, numa Anelante, o telegrafista transmite ao comandante o que se
tentativa pertinaz de perfurar a massa escura, vagamente passa. Aos receios de cada um sobrepõe-se agora a vontade
verde, que orla as margens do rio cada vez mais estreito, de ajudar os camaradas em perigo. O comandante dá
embora profundo. instruções. E, durante segundos, as vozes cruzam-se no
A voz do comandante faz-se ouvir: espaço, parcas mas concisas. Um silêncio nervoso desce
- Rotações mil e duzentas. à ponte do navio. A voz do comandante quebra-o para
E o navio reduz a marcha. A espera prolonga-se. Nave- dizer:
gando para montante, determinado e cauto, o navio-pa- - Máquinas passam a mil rotações.
trulha, quarenta metros de linhas elegantes, soletra na Alguns segundos transcorridos pega no telefone de coman-
madrugada guineense, abrasada e calma, o alfa da fma- do para as peças.
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