Page 176 - Revista da Armada
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Macaréu era só um deles. Mas podia muito bem ter sido que assolou várias zonas da Europa em 1 de Novembro
a origem da designação patronimica, da mesma forma de 1755, e arrasou Lisboa, lambém as águas do Tejo in-
que as comuns giletes devem o nome ao milionário ame- vadiram a cidade, mas não com onda gigantesca.
ricano Chartes Gilletle, seu inventor. Permanece obscu- Enfim, nâo parece que haja limites rigorosos, nem de
ra, no entanto, a relação causa-efeito, que, mesmo dez extensão nem de intensidade, quanto à agitação das
séculos antes de Cristo, já seria de exigir. De facto, nem águas de um maremoto, e que uma ou duas ondas surgI-
a onda gigantesca, devastadora, nem a menos especta- das do epicentro, se possam propagar a centenas de mi·
cular e mais certinha onda fluvial, são relacionáveis ine- lhas. Mas, ainda assim, será de todo indiferente chamar
quivocamente com o vento. Parece também que aquele o mesmo nome àquilo que é, e àquilo que nasce de?
divino Maracéu teve ligação incestuosa com umas das Felizmente que este não é um dos azares que deva
irmãs (os deuses tinham muitas coisas destas), e o pai fazer parte das nossas preocupações quotidianas, não
Eolo, descobrindo, obrigou-o a suicidar-se. Tal desfecho obstante a zona sísmica em que (despreocupadamente)
trágico, no entanto, parece carecer de força (e de razão) sobrevivemos. Portanto, o nosso pobre idioma, hoje mais
para justificar a patronimica. maltratado que pano de burel em moinho de pisão, não
Alvitrou alguém que o nome para o fenómeno da sentirá falia tamanha como seja a de nome exacto para
onda isolada gigantesca, devia ser maremoto; ora, se fenómeno que s6 raramente terá de citar. Ainda assim, já
maremoto não deixará de ser, na medida em que é mar que da China nos veio a palavra chá (hoje tão portuguesa
em movimento, também aqui o costume consagrou o ter- que até dá para variados fins), e do russo herdámos o vo-
mo para agitação mais ou menos localizada, resultante cábulo tzar (ou tçar) , porque não aceitarmos do japonês
de tremor de terra em fundo marilimo, sem ondas avas- o nome de tsunami (ou tçunaml) para o fen6meno da onda
saladoras. A armada de Vasco da Gama, de 1524, reagiu avassaladora (mais deles que nossa), e deixar o de maca-
a seu modo ao fenómeno: sendo com a frota das ditas réu, para aquele outro, mais turístico, próprio, fiel e certi-
velas junto da costa da índia lhe tremeu o mar um quarto nho, de certos rios?
de hora, e com temor se bombardearam umas As ou-
tras( O). é, porém, fenómeno diferente. No Iremorde terra
Sousa Machado,
(-) "Livradas Armadas ~. cap.-m.·g
o Mar dos nossos poetas
Pesquisar na nossa poesia Iodas as formas poéticas sões de que um poeta pode revestir o mar, serão deveras
que ela nos oterece , tendo por tema ou fonte inspiradora surpreendentes! Aos nossos olhos, aquele vasto lençol de
o mar, não será de modo algum tarefa rácil; os exemplos água que se perde no horizonte. não passa dum elemento
brotarão a um ritmo quase constante e as multi-dimen- físico que encerra em si uma outra rorma de vida. Mas,
aos olhos do poeta, ele ganha expressividade, cor, vida ...
.. .IEsft c/imo t tSlt mar nos OprtStlr/o,lQUt mor couso fKlrtct que IOr- ele chega mesmo a personificar os sentimentos do poeta
mtnfo?
como se fosse alguém que tão depressa se lhe alia, como
.,Mtrcúrio-Mtl1Sogeiro opartce. tm sOIllIos. ao Gama. - Aguou/a, sem
assinafura, paro ilUSlrCU;âod'.,Os Lusiadas_. se transrorma num poderoso inimigo.
Durante algum tempo, lancei mãos à nossa poesia e
empenhei-me no tipo de pesquisa que acima mencionei;
tive o cuidado de apenas utilizar obras que constituem o
legado dos nossos mais representativos poetas, e o resul-
tado do meu trabalho foram centenas de exemplos que
nos dão uma visão bastan te vasta da infindável interpreta-
ção temática e ideológica que O mar pode encerrar no
campo poético. ,
Camões, o nosso poela por excelência, é. sem duvida
alguma, aquele que mais vezes transrere para o mar os
seus sentimentos. Recordo, de «Os Lusíadas», a descri-
ção que ele nosdá do medo que se instala nos marinheiros
quando passam o cabo Bojador:
Que pôs IIOS corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como .~e de.ue em wio nalgum rochedo .
... 6 Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço (/;vi"o Oll que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que morcousa parece que tormenla?