Page 177 - Revista da Armada
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Este é. decididamente. um exemplo significativo de este apontamento, trar:ascrevendo versos tendo por tema
como os receios humanos podem ser asssumidos pelo mar o mar, o que viria, indubitavelmente, a cair numa monó-
que, neste caso, tem um papel quase que divino, opondo- toma e descabida tese literária. Não sendo essa a minha
-se à vontade do Homem . intenção, resta-me pedir a quantos gostem de poesia que,
Sobre este mesmo exemplo, deu-nos Fernando Pessoa lendo ou relendo os poetas portugueses, tentem interpre-
uma outra visão, talvez mais realista, do que a de Ca- tar o «cheiro salgado» que neles se encontra patente.
mões: Compreender o mar patriótico de Camões ou o mar tétri-
co de Bocage, mais não será do que redescobrir na nossa
literatura os versos que Pessoa, tâo bem, construiu.
Quem quer passar além do Bojador
tem que passar além da dor. Ó mar salgado, quanto do tell sal
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, São lágrimas de PortugaJ.!
• mas foi nele que espelhou o céu .
José Farinha,
Seria demasiada ousadia da minha parte continuar I.-·m",. L
Estranho caso do suicídio colectivo dos cetáceos
Nos aquários dão-se injecções de antibióticos aos constituído por 49 golfinhos sofreu um processo de dAsi-
golfinhos doentes e esses remédios são eficazes. Al- dratação nas costas da Florida. Todo o grupo foi reboca-
guns deles aceitam de bom grado a ajuda do homem e, do para o alto mar e ai libertado, mas os golfinhos, depois
em certos casos, quando engolem casualmente corpos de nadarem umas dezenas de quilómetros, lançaram-se
estranhos, permitem mesmo que se retirem esses objec- de novo para a costa. Foram salvos mais uma vez, mas
tos do estômago com a mão. insistiram no seu estranho comportamento.
É bastante frequente lermos nos jornais artigos sobre Numa zona de costa com 275 quilómetros de exten-
a morte de cardumes inteiros de golfinhos e oulros cetá- são, esses animais deixaram-se desidratar pelo menos
ceos junto das costas. Trata-se de morte por desidrata- umas dez vezes, no decurso de uma semana! E voltaram
ção. A 10 de Outubro de 1946, por exemplo, foi registado para a costa sem demonstrarem nenhum sinal de pâni-
nas costas da Argentina um fenómeno desse género, de co, como se o fizessem intencionalmente.
grandes proporções: 853 pequenas toninhas atiraram-
-se para uma praia arenosa da cidadezinha de Mar dei
Plata. Por vezes, este tipo de fenómenos é interpretado o CHAMAMENTO DOS ANTEPASSADOS
como um caso de suicídio colectivo.
Todos os cetáceos são mamiferos que respiram ar, Uma observação cientifica poderá talvez contribuir
subindo à superiície da água. No caso de um golfinho para explicação desta insólita atitude dos golfinhos.
adoecer e de se ver ameaçado pela asfixia dentro de Efectuou-se a medição da temperatura de um golfinho
água, emite um sinal a pedir socorro. Os seus compa- doente junto à costa, num local em que a profundidade
nheiros, ao ouvirem o sinal, vêm em seu auxilio e come- não era superior a meio metro. Na altura em que se volta-
çam a empurrá-lo para fora da água. Dessa forma, os ce- va o animal para o lado do mar, ele resistia e procurava
táceos valiam a poder respirar. com todas as suas forças voltar a cabeça para terra. O
Esta é uma manifestação do instinto de conservação golfinho manifestava uma tendência para se manter a
da espécie. Os companheiros auxiliam o golfinho inca- pequena profundidade, de modo a poder conservar-se à
paz empurrando-o para a superlície e, dessa maneira, superfrcie da água, apoiando-se com as barbatanas e a
praticam uma espécie de respiração artificial. Tudo corre cauda no fundo. Em breve se notou um comportamento
bem enquanto o processo de «salvamento .. ocorre num análogo noutros golfinhos igualmente debilitados.
local em que a profundidade da água o permite. Mas, Esses animais também nadavam até perto da costa,
perto da costa, os próprios companheiros que vêm em apoiavam-se com as barbatanas peitorais no fundo e
• auxilio do golfinho em dificulade podem ficar em maus permaneciam nessa posição até ao fim. Quando eram
lençóis, e então começam também a emitir pedidos de afastados da costa, davam a volta e retornavam para jun-
socorro. chamando em sua ajuda outros animais. E, as- to da terra. Este tipo de reacção dos golfinhos pode ser
sim, através duma espécie de reacção em cadeia, todo interpretado cómo um «chamamento dos antepassa-
o cardume pode acabar por dar à costa. dos" , ou seja, como um comportamento determinado
O facto mais estranho é que, mesmo que o grupo de pela memória genética de tempos muito antigos, em que
golfinhos desidratados seja rebocado para o alto mar, os antepassados dos golfinhos viviam em terra seca.
volta para a costa e lança-se repetidamente para terra, Na base desle comportamento dos golfinhos doentes
o que lhes é fatal. Isso seria compreensível se continuas- encontra-se um grande medo de se afundarem e um de-
sem a chegar pedidos de socorro vindos do lado de terra. sejo de voltarem a todo o custo para terra, pois os cetá-
Mas, o enigma reside precisamente no facto de que o ceos, nas primeiras fases da sua evolução, procuravam
grupo salvo se dirige novamente para a costa, mesmo muitas vezes a salvação nas costas. Os espécimes
quando nenhum dos seus companheiros lá se encontra. doentes eram a causa dos repelidos regressos dos car-
A 19 de Agosto de 1949, por exemplo, um grupo dumes para perto da costa (NOVOSTI).
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