Page 405 - Revista da Armada
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Antologia do Mar



                                e dos Marinheiros







                                  Vítor Hugo ____ _












           Trazemos Vítor Hugo à nossa anto-                                  tiva, e o lirismo de seus versos, fize ram do
         logia precisamente neste ano de 1985 em                              romancista, do dramaturgo, do poeta, um
         que  se comemora o primeiro centenário                               dos grandes vultos da literatura. onde du-
         da  morte de quem foi  um  tios mestres da                           rante seis décadas marcou o caminho do
         literatura  francesa.  Um  século  acaba de                          romantismo.
         passar sobre o 22  de  Maio de  1885, em                               Tendo  nascido em  1802,  em Bensan-
         que se apagou a vida desse francês univer-                           çon,  filho  de  um  general  do  Império, e
         sal, cujos funerais levaram às ruas de Pa-                           neto pelo lado materno de um capitão de
         ris  uma  multidão  imensa,  como  outra                             navios de Nantes, logo aos dezasseis anos
         maior não acontecera, dizem que dois mi-                             revela a  veia  poética, ganhando três pré·
         lhões de pessoas. Scpullado no Panthéon,                             mios nos Jogos R orais de Toulon. O pri.
         que a Revolução Francesa transformou, a                              meiro  livro  de  versos  surge  em  1822
         panir de Vítor Hugo, no templo destina-                              (<<Odes  e  Poesias»);  e  outros  vi rão,
         do a receber os grandes  homens a quem                               «Orientais,.  (1830),  «Folhas de  Outono»
         a pátria fica  reconhecida, a  honra maior                           (1831),  «Cantos  do  Crepúsculo»  (1835),
         foi  contudo  a  perenidade  da  sua  obra,                          .. Vozes Interiores» (1837), «Os Raios e as
         desdobrada cm livros incontáveis traduzi-                            Sombras»   (1840),   «Contemplações»
         dos nas mais diversas línguas, representa-                           (1850)  e  a  epopeia «Lenda dos Séculos»
         das  em teatros de  todo o  mundo, trans-                            (1859-1683).  Como dramatu rgo. notabili-
         posta para inúmeros filmes, objeeto cons-                            zou-se  em  peças  como  .. Cromwell"
         tante de colóquios, de estudos, de exposições, de homenagens   (1827), .. Hernâni» (1830), «Marion Delorme»  (183 1), «O  Rei
         à figura mítica de Hugo: do homem que já impressionava O seu   Diverte-se»  (1832),  «Lucrécia  Bórgia»  (1833)  e  .. Ruy  Blas»
         tempo, mesmo durante as duas décadas da sua vida em que per-  (1838). E no romance basta referir, para marcarogénio de Vítor
         maneceu isolado do mundo:  a actividade política, que o levou   Hugo,  as  obras  ímpares  que  são  .. Nossa  Senhora  de  Paris»
         em  1848 a deputado à Assembleia Constituinte. e depois à Le·   (1831) (quem não conhece a terrível humana figura de Quasimo-
         gislativa, acabou  por obrigá-lo a fugir da  França, após o golpe   do?), e «Os Miseráveis» (1862), obra longa de dez volumes, que
         de estado de Napoleão, em 1851,  E até  1870, em que se deu o   foi publicada ao mesmo tempo, caso único, em dez línguas dife-
         colapso do segundo Império, pennaneceria exilado entre os ro-  rentes, depressa espalharam pelo mundo essas páginas onde o
         chedos britãnicos da ilha de Guernesey, .. sombrio e agitado, lan·   formidável poder narrativo do escritor atinge o seu zénite, de
         çando imprecações contra os tiranos, defendendo os oprimido~   mãos dadas com o lirismo do poeta.
         e, por sobre o rumor do mar, falando aos homens, esplendida-  Para a antologia de Vitor Hugo recorremos a três trechos de
         mente, de Piedade, de Paz, de Fraternidade, de Liberdade e de   um dos dos seus livros menos divulgados, mas sem dúvida aqui
         Perdão» - como escreveu Eça de Queiroz, que dizia ter quase   apropriado:  «Os Homens do Mar», obra que o grande escritor
         aprendido a ler nos livros de Vítor Hugo, ter sido «criado junto   francês dedicou «ao rochedo de hospitalidade e de liberdade, a
         daobra do Mestre, como se pode ser criado numa floresta».   esse canto da terra normanda onde vive um  punhado de valoro-
            Eça de Queiroz é apenas um exemplo marcante, entre tan-  sos filhos do mar, à ilha de Guernesey, sempre severa e amiga,
         tos, da enonne influência que Vítor Hugo exerceu, não só em   meu actual asilo, meu túmulo provável».
         Portugal mas na  Europa do seu  tempo: a «hugolatria» chegou
         a ser um sentimento extremado, onde a admiração se confundia
         com adoração: também porque as páginas desse génio, romãnti-  NoIIf: - A transcriçdo,  nesta anl%gia, dos trechos de -Os Homens
         co e fecundo, traduzem a adesão da sua al ma à causa dosdespro-  do Mano,  livro de qrle desconhecfanros a exislência de edição porlllguesa,
         tegidos.  E!e combate a escravatura e a pena de morte (ficou fa-  apenas foi possfvel graças à amd~el colaboração do comandante FrO/rcis·
         moso «O Ultimo Dia de Um Condenado», publicado cm 1829).   co Daarle CosIa.  Ele não só nos deu a sugeslão. como ainda lias udell.
         Defende da prisão uma prostituta. Intervém a favor dos depor-  da sua biblio/eca particular, um exemplar raro e mais que centenário: da
         tados.  Visita cadeias. Clama contra a miséria. Discursa a favor   edição de /866, por/anta do mesmo ano em que o livro viII a IlIz em fran·
         da liberdade de imprensa. Bate-se pelo sufrágio universal. Vive,   ça,  e qlle foi lançado em  Lisboa pela BibliOleca  EcO/romica Jardim do
         em SlJma, com a emoção que sua obra reflecte.  Acusado pelos   Povo, nllma tradução onde se no/a, como poucas vezes sucede, um ex/re·
         crlticos de usar a eloquência no Jugardo pensamento, de mistu-  mo rigor na variedade dos termos ndlllicos empregados, o qlle leva a Sl/'
         rar o talento com  uma retórica por vezes falsa, o certo é que o   por que ° tradu/ar, infelizmente ndo identificado na edição, fosse um pro-
         ardor generoso de Vítor Hugo, o fulgor da sua capacidade narra-  fundo conhecedor da matéria, qllem sabe se, elelambém, Iromem do mar.


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