Page 114 - Revista da Armada
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Ainda a história





            do «Huascar»







                 m Junho de 1985 publicou a «Revista da Armada»   que participara, defrontou-se com a corveta chilena .. Es-
                 um interessante artigo sobre o almirante Grau, da   meralda», do comando de Arturo Pra!. Era grande a des-
            EArmada do Peru, e o navio que comandou brilhan·   proporção de forças: um navio de construção metálica,
            temente e em que encontrou a morte em combate, o mo-  blindado e fortemente artilhado, mais rápido e com maior
            nitor «Huascar», O artigo relatava a história desse navio, I  capacidade  de  manobra, contra uma  pequena e velha
            enquanto  navegou  e combateu  sob  pavithão  peruano.   corveta de  madeira.  Fácil foi ao  " Huascar»  tomar a ini-
            Nele ressaltava  a personalidade do seu  ilustre coman-  ciativa do combate  e neutralizar a "Esmeralda» com o
            dante,  marinheiro  intrépido  e  homem  de  nobilíssimas   seu superior poder de fogo, de nada valendo à  corveta
            qualidades de carâcter.  E. naturalmente,  que se adivi-  o valoroso empenhamento da sua guarnição. Duramen-
            nhava nesse emocionante relato quão intima era a rela-I  te castigada pela potente artilharia contrária,  mas man-
            çâo entre o comandante e o navio. Cada um fez um pou-  tendo intacto o seu espirita combativo, o navio chileno lu-
            co da história do outro e deu-lhe a nobreza e o brilho que   tava sem esperança mas com determinação.
            realmente mereceram. No entanto, e porque a informa-  Grau  preparou-se  para  acabar  com  o  adversário.
            ção de que dispunha o autor do artigo era incompleta,   Dentro das tácticas da guerra naval de então, o monitor
            não foi referido todo o vasto e dramático historial de um   manobrou para abalroar a corveta com o seu maciço es-
            importante episôdio do confronto armado que entre 1879   porão que lhe prolongava a linha de proa. O comandante
            e 1881 ocorreu entre o Chile e o Peru e de que o " Huas-  Prat vendo que não dispunha de meios que lhe permitis-
            car» foi uma peça importante. O tema do interessante ar-  sem opor-se a tão poderoso adversário decidiu corajosa-
            tigo  do  almirante Malheiro do  Vale  interessou-nos  por-  mente contra-atacar da única forma que lhe era possível
            que em 1981 , numa viagem de carácter profissional aos   fazê-lo. Manobrando de  maneira a evitar o impacto do
            confins da América do Sul, tivemos oportunidade de visi-  esporão do "Huascar .. , aproveitou o contacto directo en-
            lar demoradamente o .. Huascar»  ancorado na  baia de   tre os dois navios para ordenar a abordagem da unidade
            Talcahuano, prôxima da principal base naval da Armada   inimiga. E ele próprio foi o primeiro a saltar para o convés
            chilena. O navio, perfeitamente conservado e ostentan-  do monitor. Tanta temeridade e arrojo saldaram-se com
            do todo o encanto das coisas antigas, é hoje monumento   a morte do valoroso comandante.
            nacional, e tão carregada de histôria, de drama e de sim-  O "Huascar", manobrando habilmente, voltou a co-
            bolismo está esta preciosa reUquia, que se tornou credo-  locar-se em posição de abalroamento da "Esmeralda»,
            ra da veneração de chilenos e peruanos.            já então gravemente destroçada e com reduzida capaci-
                  O .. Huascar» já nào é um instrumento de guerra,   dade de  manobra. A corveta suportou nova arremetida
            mas  peta  sua  hislôria bem  se  lhe  poderia chamar um   do seu adversário, mas a determinação e o espírito com·
            símbolo de raras virtudes: a coragem, o cumprimento do   bativo da sua dizimada guarnição não desfaleciam. As-
            dever, o respeito pelo adversário vencido e a nobreza de   sim, o seu imediato, que entretanto assumira o comando
            carácter. E assim, não é sem alguma emoção que se per-  do navio, abordou o .. Huascar .. à frente de um grupo de
            corre tão famoso navio. Nas suas cobertas, na ponte, na   assalto,  com  a mesma  coragem  do comandante  Prat,
            poderosa torre que abriga a artilharia de grosso calibre,   cujo corpo jazia no convés do monitor. Mas novamente
            na câmara dos oficiais, enfim, por toda a parte se sente   a morte ceifou os bravos marinheiros chilenos.  Enfim, à
            a presença dos que nele navegaram e combateram e se   terceira arremetida o esporão do " Huascar», penetrando
            invoca a memôria dos que morreram pelas suas bandei-  profundamente  no  casco  da  ,.Esmeralda", destrula  e
            ras.  E aqui o plural está correcto porque no .. Huascar»   afundava a heróica corveta.
            cairam  em  combate  três  valorosos  comandantes  de   Reza a histôria, ou a lenda, que antes de se afundar
            duas nacionalidades: um peruano e dois chilenos, res-  soou  um  último tiro de canhão: a .. Esmeralda .. , no seu
            pectivamente almirante Grau, capitão-de-corveta Prat e   derradeiro minuto de martírio e de glória, salvava à sua
            capitão-da-navio Thomson. A bordo conta-se a sua emo-  bandeira que, desfraldada no mastro grande, mergulha-
            cionante história e veneram-se com igual respeito, sem   va nas águas do Pacífico, vencida mas não rendida. Da
            distinção de nacionalidades nem de vencidos ou vence-  sua guarnição morreram 145 homens. Os sobreviventes
            dores, todos a quem o destino aqui marcou a sua hora   foram prontamente recolhidos pelo .. Huascar».
            de glória e de sacrifício.                            A guerra continuou, inclinando-se a sua sorte para o
               Em  Maio  de  1879, em  plena  Guerra  deI  Pacifico,   lado peruano.  A brilhante acção do almirante Grau não
            como ficou conhecido o conflito que opôs em armas as   era  alheia  a este  resultado:  o  .. Huascar ..  interceptava
            duas nações andinas, o monitor .. Huascar», então navio   comboios de tropas, atacava o comércio marítimo chileno
            peruano e que sob o comando do almirante Grau tinha   e flagelava com a sua poderosa artilharia os portos e for-
            alcançado grande notoriedade pelo êxito das acções em   tificações costeiras do Chile. Para a Armada deste pais

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